Verdades e Mentiras no rol da História
As nações sul-americanas, que surgiram como tal proclamando sua independência no começo do século 19 a partir das antigas colônias ibéricas, herdaram de suas antigas metrópoles não apenas noções geopolíticas de disputa pelo território mas também formatações de sua História destinadas a satisfazer essa mesma geopolítica. É assim que, mesmo com todo o renome que possuiu no mundo científico o barão Alexander von Humboldt, a descoberta de um folheto da Biblioteca de Dresden que este sábio alemão divulgou ao meio científico em 1839, chamado “Copia der newer zeytung auss Presillg Landt” (“Cópia da notícia mais recente sobre a terra do Brasil”), ainda não foi incorporada aos livros de história daqueles países, em especial Argentina e Uruguai, já que o documento de Dresden justamente teria sido o veículo pelo qual a notícia do Rio da Prata (Río de la Plata) se difundiu na Europa (e junto com ela a primeira menção ao rico Império nas montanhas nevadas do continente, o qual Francisco Pizarro iria em busca).
Segundo o site do governo uruguaio, seu território foi descoberto pela Espanha em 1516. Segundo o governo argentino, o nome Argentina procede do latim “argentum”, que significa prata, sendo que a origem desta denominação remonta às viagens dos primeiros conquistadores espanhóis no Rio da Prata. "Os náufragos da expedição de Juan Díaz de Solís encontraram na região indígena que lhes presentearam objetos de prata e levaram à Espanha, aproximadamente em 1524, a notícia da existência da Serra da Prata, uma montanha rica nesse metal precioso. Daí em diante, os portugueses chamaram ao rio de Solís, Rio da Prata. Dois anos mais tarde, os espanhóis utilizaram também essa denominação. A Constituição Nacional sancionada em 1853 incluiu o nome de “República Argentina” entre os nomes oficiais para designar o governo e território da Nação." Ambos textos provém de uma formulação hispanista da história oficial, e como nós agora nem somos os brasileiros crias de Portugal nem argentinos e uruguaios são crias de Espanha, mas países com identidade própria, poderíamos muito bem rever os velhos textos de acordo com os dados históricos reais. Baseei-me, para a narrativa que farei aqui, na obra de Rolando Laguarda Trías, El Predescubrimiento del Río de la Plata por la Expedición Portuguesa de 1511-1512. (Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1973). Ela me serve como exemplo da manipulação de dados para a confecção da história oficial no século 16, e sua continuidade não apenas ao longo da história colonial mas também após a independência e maturidade das nações sul-americanos me parece eloqüente, servindo-me como argumento para explicar também como os dados da conquista de Pizarro foram manipulados com finalidades políticas.
Em meu livro "O Verdadeiro Inka" (1999), eu já narrava esses dados preliminares: "Em 1501 o italiano Americo Vespucci, que já estivera dois anos antes acompanhando Alonso d'Hojeda em uma expedição que dera sinal de uma terra alagada aos 5 Graus Sul da linha equinocial, foi chamado de Sevilha, onde servia aos reis de Espanha, para trabalhar como cosmógrafo de uma expedição portuguesa que visava o reconhecimento do litoral do país descoberto por Cabral. Travando aqui e ali conhecimento com os nativos, Vespucci batizaria entre outros o Cabo de Santo Agostinho (antes nomeado por Pinzón como Cabo de La Consolación) e a Baía de Todos os Santos, descoberta por ele a 1º de novembro do mesmo ano. Depois de navegar até 52 Graus Sul, Vespucci teve de retornar, ou haveria descoberto o Oceano Pacífico antes de Vasco Nunes Balboa, que ao atravessar o Istmo do Panamá o chamou "Mar do Sul". Entretanto, em 1504 veio a público a obra de Vespucci intitulada "Mundus Novus", em que este inovaria ao considerar aquele o quarto continente da Terra, portanto diferenciado do oriente asiático. Três anos depois surgiu a "Cosmographiæ Introductio", editada por Saint-Dié, em que por primeira vez deu-se para aquele novo continente o nome "América", homenagem a Vespucci por sua inovação que teria levado em seu bojo a informação dele de que os índios do litoral sul-atlântico chamavam a sua terra "Amaraca", observação esta que pela semelhança a seu prenome teria surpreendido o próprio navegador."
Interessado em investigar melhor o litoral ocidental do Atlântico Sul, o rei Dom Manuel I de Portugal, em 1511, encarregou os armadores D.Nuno Manuel e Cristóvão de Haro de prepararem duas caravelas para descer às latitudes mais austrais do Brasil. A expedição partiu de Lisboa no último trimestre do ano, levando licença real para efetuar descobrimentos na América do Sul. Como chefe ia um fidalgo, o Capitão Diogo Ribeiro, e fazendo parte da caravela principal o escrivão Estevão Flores (ou Froes), o piloto Rodrigo Álvares e, entre outros, os genoveses Pero Corso e seu irmão Francisco. Na segunda caravela ia como mestre e piloto, exercendo de fato funções de capitão, o chamado João de Lisboa, cujo "Tratado da Agulha de Marear", publicado em 1514, incluiria em uma lista de latitudes da costa oriental da América do Sul, a do extremo da foz do Rio da Prata em 35 Graus Sul, o que representa um inequívoco testemunho do sucesso dessa expedição descobridora.
Chegaram eles primeiramente à Baía de Todos os Santos, recôncavo de mais de mil quilômetros quadrados, com cinqüenta e seis ilhas, onde concentravam-se diversas populações formando uma verdadeira metrópole nativa na qual se destacavam os bravos tupinambás. Ali vivia um português, que escapando da morte após um naufrágio fora encontrado pelos nativos em meio às moreias, garantindo depois sua sobrevivência ali graças à pólvora de seu armamento, que causando a admiração dos nativos por sua explosão semelhante à do trovão. Por haver se radicado constituindo família no seio da nação indígena, o jovem português alcançou um papel de liderança sob a alcunha de "Caramuru", o que fez dele preposto dos europeus que vinham negociar na região. É entretanto um certo “Pero Galego” - nome que não obstante constar da crônica dessa expedição pode se tratar apenas de uma denominação genérica indicando se tratar de um português (“Pero”) alourado (“Galego”) - aparentemente enlouquecido por haver sido abandonado no Brasil, quem a expedição de 1513 encontra na Baía de Todos os Santos, contando com um grupo de indígenas em seu reforço para combater e saquear as embarcações européias que chegassem a seu alcance: seria o mesmo personagem histórico? É impossível asseverar, apenas se sabe que calhou de acontecer que a expedição de Diogo Ribeiro se visse ludibriada ao avistar a presença desse branco numa praia, acercando-se inadvertidamente para fazer contato. O resultado foi haverem sido dominados o capitão e alguns tripulantes ao descerem à terra: apavorados, os que ficaram nas caravelas recuaram vendo o fidalgo e seus companheiros serem mortos sob os tacapes.
Estevão Flores, que era o escrivão, deu ordem para que seguissem viagem imediatamente, temendo o pior caso se adentrassem mais na Baía. Na outra embarcação, João de Lisboa o obedeceu, ficando compreendido que doravante exerceria Flores o comando da expedição até sua fiel consecução. Embora houvessem de tratar o carregamento de pau-brasil para a viagem de volta, foi decidido que passariam ao largo pelo Rio de Janeiro (o qual, então já se sabia, não era a foz de nenhum grande rio e sim uma baía em meio a montanhas de pedra), objetivando alcançar primeiramente o propósito da expedição que era o descobrimento das terras austrais do continente para o Rei de Portugal. A referência de australidade utilizada por eles era logicamente a do Cabo da Boa Esperança, na África Meridional, encontrado em 1487 pelo português Bartolomeu Dias _ e foi justamente em 35 Graus Sul que encontraram outro promontório semelhante, coincidência esta que os levou a batizar a ponta de continente como “Cabo do Bom Desejo”, contrapondo-se assim poeticamente a esperança de uns ao desejo realizado de outrem.
(a narrativa continuará na próxima postagem)
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