Ceucy: a estrela brilhante
“A Terra é a nossa mãe. Dela recebemos a vida e a capacidade para viver. Zelar por nossa mãe é a nossa responsabilidade e, zelando por ela, zelamos por nós próprias. Todas as mulheres são manifestações da Mãe Terra em forma humana.” (Declaração das Mulheres Indígenas em Beijing/China na Conferência da ONU em 1995)
O indígena não concebe nada do que existe sem mãe... Para os indígenas, todas as coisas, entidades e forças têm origem feminina, uma grande mãe. É freqüente encontrarmos referências às mais diversas mães. A Lua, Jacy (Já significa vegetal e Cy, mãe) é a mãe dos frutos e vegetais. Quando a lua nova aparece, os índios festejam com muita comida, bebida, cantos e danças. A Lua, é irmã-esposa do Sol, Guaracy (Guará significa vivente e Cy, mãe), a Mãe dos Homens. O Sol também é chamado de Coaraci, Coraci, Goaraci ou Gorazi. Amanacy é a Mãe da Chuva (Amana significa chuva e Cy, mãe); Çacy é a Mãe do Mato (Caá significa mato e Cy, mãe); Aracy, é a mãe do dia, a aurora, a origem dos pássaros. Segundo Lenise Resende, para uns as coisas nasceram de uma Ci, para outros foi de um buraco; o que não deixa de estar em relação, por motivos óbvios, pois de um buraco no chão nascem os vegetais; os bichos vivem e se reproduzem num buraco; e de um buraco no corpo da mulher surge um novo ser. Foi de um buraco no céu, diz uma lenda Ianomami, que os índios desceram à terra. Essa lenda, por sinal, é uma versão ameríndia para o que a Bíblia chama de "a queda do homem". (Painel de Mitos & Lendas da Amazônia, Franz K. Pereira)
O vocábulo, CEUCI, significa “Mãe da lágrima” (CE = doce, U =água e CI = mãe). Para os índios, ela é a mãe da união familiar, aquela que abençoa o convívio amoroso entre pais e filhos; aquela que tem o poder de amainar os ventos e acalmar as feras. Mãe do Jurupari, é também a deusa protetora das lavouras e casas construídas nas suas proximidades. Na teogonia tupi, Ceuci (Ceucy, Cyucy, Ceichu, Ciyucê ou Ciuce) desempenha um papel análogo ao da Virgem Maria das narrativas bíblicas. Os “Pais Tucuras” (capuchinhos) tiraram proveito do mito de Ceuci para ensinar aos índios as virtudes da bondade, da tolerância e do amor ao próximo. Altino Berthier Brasil conta em seu livro "Amazônia Legendária" (Ed. Posenato Arte & Cultura, 1999):
Segundo a tradição, Ceuci ou simplesmente Ci, filha dileta de Tupã, fazia as suas refeições debaixo de uma árvore, quando notou que uns frutos maduros de cucura (árvore de frutos grandes e doces - é a árvore do bem e do mal) derramavam suco sobre sua cuia. Sem querer, engoliu aquele caldo proibido às donzelas. Como tinha sido uma coisa involuntária, não se preocupou. Meses depois, contudo, revelou uma gravidez, que encheu de indignação a comunidade indígena, já que todos a tinham como virgem. Risonha e confiante, compareceu ao tribunal dos anciãos. Os maracás soaram no ar, absolvendo a jovem, mas o zelo da tribo levou o Conselho dos Velhos a puni-la com o desterro, para exemplo de todas as cunhãbiras (virgens).
Muito longe, nasceu-lhe um filho, que recebeu o nome de Jurupari (esta é outra versão do nascimento de Jurupari). A medida que o menino ia crescendo, ia se afastando da mãe. A partir de um certo dia, nunca mais apareceu. Já pertencia ao turbilhão da fama. Fora “soprado” para cumprir missão relevante na Terra. Embora jovem, já se constituía o mais famoso dos índios, o “Moisés” dos tupis. Todas as noites, contudo invisível, Jurupari vinha deitar-se na rede da mãe, secando-lhe os peitos.
Ceuci, inconformada com aquilo, resolveu, certa noite, espiar o cerimonial dos homens em honra ao filho saudoso. Dizem que foi desencaminhada por Anang, o Diabo, que, fingido de mulher, aconselhou-a a transgredir. Furtivamente, então, transpôs o patamar de entrada da Casa dos Homens. Essa infração era punida com a pena de morte. Antes de terminar o cerimonial, esgueirou-se por trás das árvores, sendo, porém, fulminada por um raio. Seu belo corpo de mulher rolou sobre o solo. Os tapuios se entreolharam: já sabiam que se tratava de um castigo do céu.
Seu filho Jurupari, o Legislador da floresta, chamado às pressas para ressuscitá-la, foi inflexível, não transigindo com a lei, mesmo em se tratando da própria mãe. “Morreste mãe, porque desobedeceste à lei de Tupã. É a lei que eu vivo a ensinar. Não vou te ressuscitar, mas te recomendo: sobe, bela, radiante e pura para um mundo melhor. Cumpriste a verdadeira missão de mãe, que sempre é cheia de amor, renúncia, desenganos e sofrimento. Meu pai vai recebê-la de braços abertos lá no céu”. O corpo da deusa, então, cheio de luminosidade, começou a subir. Atravessou o espaço e transformou-se na estrela mais resplandecente da constelação das Plêiades (constelação que indica a época certa da colheita das frutas maduras, da caça e da pesca). Ali está, até hoje, para lembrar aos selvagens o respeito às leis de Jurupari, o Filho do Sol.
O General Couto de Magalhães, no seu livro "O Selvagem" sobre a teogonia dos índios, que atribuíam a cada ordem da criação um deus protetor, uma espécie de mãe, que a defende contra tudo e, especialmente contra a ação destruidora do próprio homem, referindo-se ao Jurupari afirma que "com exceção do Jurupari, não há um só ente sobrenatural entre os selvagens a que se não atribua a ação benéfica de proteger uma certa parte da criação, de que ele era reputado um pai mais próximo do que o Sol ou a Lua, mas em suma, um pai". Na lenda "Ceiuci a velha gulosa", Couto de Magalhães comenta: "A palavra Ceiuci significa a constelação das Plêiades, a que o nosso povo chama Sete-Estrelas (Sete-Estrelo), e significa também velha gulosa, ou uma fada indígena que vivia perseguida por eterna fome." As leis do Jurupari impunham silêncio total sobre os segredos ocultos. Nestas cerimônias iniciáticas, os Uananá, por exemplo, cantavam os seguintes versos:
"Sol, faz valente seus corações!
Lua adoça suas falas!
Sete-Estrelo (Ceuci) ensina-os a fugir
De um dia tudo contar!"
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