4 de maio de 2007

Outros sons

Meu amigo Alflen, engenheiro florestal, registrou esse vídeo na oca dos índios Ikolen, em Ji-Paraná, Rondônia. A etnia Ikolen, conhecida como "Gavião de Rondônia", é composta por uma população de aproximadamente 600 índios. A maioria não fala nem entende a língua portuguesa. O idioma "tupi-mondé" é o oficial entre eles. O primeiro contato com o homem branco se deu há apenas cinco décadas, e nesse registro em vídeo a tribo estava comemorando o centenário daquele que foi um dos primeiros a conhecer os brasileiros...

Segundo o lingüista Dennis Moore f
alar o idioma gavião, da família lingüística mondé, é um desafio à parte – trata-se de uma língua tonal. Basicamente, há dois tons, mas uma sílaba prolongada pode ter até três tons em seqüência, produzindo contornos (...) O sistema lembra um pouco o chinês. Mal comparando, é como se as sílabas pudessem ser pronunciadas em tons musicais diferentes, de forma que uma sílaba em dó poderia significar uma coisa, e outra, dita em lá, algo completamente diferente. Como as sílabas curtas e prolongadas, você tem, no final, dez possibilidades de combinação. Apesar de complicado, o gavião ainda é um dos primos ricos do tupi amazônico: é falado por 360 pessoas e transmitido de pai para filho. O trabalho em equipe do museu Goeldi fica mais complicado e urgente com línguas como o mondé ou o puruborá, que têm só um punhado de semifalantes – pessoas que utilizaram a língua há muitos anos, talvez só na infância, e mal se lembram dela hoje. Nesses casos, técnicas pouco ortodoxas são as mais justificadas. Reunir os semifalantes foi uma sugestão dos índios – e parece ter funcionado, conta o pesquisador.

O mito dos índios Gavião, de Rondônia, sobre a criação da humanidade, diz que esta se originou de um povo que vivia debaixo de uma grande pedra. O herói mítico em busca da humanidade levanta a pedra e pergunta: vocês estão aí debaixo da pedra? Saiam de dentro da pedra! Essa origem do povo Gavião, surgido de dentro de uma rocha, é mais um exemplo da reiterada passagem mística entre esferas da vida – a subterrânea, a terrestre e a celestial, conta Magda Pucci.

Para se conhecer mais sobre os Ikolen, há o livro "Couro dos Espíritos", de Betty Mindlin. A obra foi iniciativa dos índios, que pediram à autora que registrasse a primeira versão escrita das narrativas e depoimentos dos mais velhos de seu povo, em tradução de Sebirop Catarino, importante liderança indígena, num mergulho no xamanismo e outras tradições de seu povo. Para Mindlin, decidir se as narrativas indígenas podem ser chamadas de literatura é uma questão em aberto. Segundo ela, a tradição oral das tribos faz parte de um universo narrativo extremamente rico e complexo, que traduz a visão de mundo e a experiência mística desses povos. Betty situa essas narrativas em três planos distintos, mas que quase sempre se entrecruzam: o campo da guerra, o da sexualidade e o da religião. A relação que imediatamente estabeleci, ao ouvi-las desde a primeira vez, foi com a literatura clássica, diz Mindlin. Elas me lembraram os relatos da Odisséia e as peripécias de Ulisses tanto na guerra quanto no mundo dos mortos. Ela relatou como seu interesse pelo tema foi despertado quando trabalhava numa organização não-governamental dedicada aos direitos dos povos indígenas, graças à narrativa que lhe fez o pajé de uma tribo sobre o seu próprio processo de iniciação e as relações entre os vivos e o mundo dos mortos. A impressão foi tão forte que registrei o relato, posteriormente transcrito em artigo na imprensa, pois ele continha a reivindicação de que fosse permitido aos pajés assistir os índios doentes nos hospitais, para acompanhar suas almas na viagem ao mundo dos espíritos, onde elas buscariam a cura.Veja outra entrevista de Betty sobre sua pesquisa dos mitos indígenas clicando aqui.

Aproveitando a ocasião, para quem busca encontrar música ameríndia na web, o disco da cantora Marluí Miranda "Ihu - Todos os Sons", de 1995, pode ser conhecido neste blog que além de boa informação também dá acesso para as mp3. O disco é uma pérola, gravado com muitos instrumentos tradicionais em seus arranjos, e traz as seguintes faixas:

01 - Tchori tchori (Índios Jaboti de Rondônia)
02 - Pamé daworo (Índios Jaboti de Rondônia)
03 - Tche nane (Índios Jaboti de Rondônia)
04 - Ñaumu (Índios Yanomami de Roraima)
05 - Awina - Ijain je e' (Índios Pakaa Nova de Rondônia)
06 - Araruna (Índios Parakanã do Pará)
07 - Mena barsáa (Índios Tukano do Amazonas)
08 - Bep (Índios Kayapó do Pará)
09 - Festa da flauta (Índios Nambikwara do Guaporé / MT)
10 - Yny maj hyrynh (José Pereira Karitiana - Índios Karitiana de Rondônia)
11 - Hirigo (Índios Tupari de Rondônia)
12 - Wine merewá (Índios Suruí de Rondônia)
13 - Mekô merewá (Índios Suruí de Rondônia)
14 - Ju parana (Índios Juruna do Mato Grosso do Norte)
15 - Kworo kango (Índios Kayapó do Pará)
16 - Mito - Mitumji iarén (Índios Suyá do Mato Grosso do Norte)
17 - 15 variações de Hai nai hai (Índios Nambikwara do Guaporé / MN)

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