2 de maio de 2007

O que é diálogo intercultural

Comunicação é o processo mental onde interagem um emissor e um receptor para o intercâmbio de idéias, conhecimentos, experiências e sentimentos que se transmitem por meio de um código, uma mensagem e um canal adequado”. (De la Torre Zermeño y Hernández)

Esta definição de comunicação é porcerto mais interessante que a aristotélica que demonstra um pouco a fórmula de imposição da “cultura e civilização” desde tempos ditos clássicos: “O objetivo principal da comunicação é a persuasão, isto é, a tentativa do orador de fazer com que as outras pessoas tenham o mesmo ponto de vista que o seu”. Para entender como se dá a eficácia da mensagem em diálogos entre culturas, tenhamos em conta as seguintes definições sobre comunicação intercultural:

"A comunicação não é apenas o intercâmbio de mensagens, mas uma construção de sentido. Um discurso pode ter diferentes níveis de leitura que só pode ser atingido pelas pessoas com um bom conhecimento da cultura de origem. A comunicação intercultural implica freqüentemente um certo grau de incerteza. A incerteza é um fenômeno cognitivo que condiciona nossa comunicação porque nos coloca em uma situação de dúvida, de insegurança. Podemos estabelecer dois tipos de incerteza:

a) a incerteza preditiva, relacionada com a predição das atitudes, sentimentos, crenças, valores e condutas do estrangeiro. Ou seja, existe certa dúvida quando se tem que estabelecer uma interação comunicativa com um estrangeiro.

b) a incerteza explicativa, relacionada com as atitudes, os sentimentos e os pensamentos do estrangeiro. Às vezes é difícil encontrar explicação para certas reações de um estrangeiro de acordo com nossos próprios critérios culturais.

Entendemos nosso ambiente com as categorias sociais que adquirimos com a nossa cultura. Se vivêssemos em uma comunidade monocultural, essas categorias seriam suficientes; mas poucas sociedades são totalmente monoculturais atualmente. A interação intercultural nos obriga a ter novas categorias que dêem um sentido adequado à conduta das outras pessoas, e para adquirirmos certa capacidade cognitiva intercultural é necessário por em prática processos metacomunicativos. Precisamos metacomunicarmo-nos, ou seja, temos que ser capazes de explicar o que queremos dizer quando dizemos alguma coisa. Na comunicação intercultural, as pressuposições ou o subentendido devem ser explicados. Certamente isso nos leva a uma comunicação menos ágil, mas é indispensável ter um controle mais estrito da interpretação alheia. Não podemos ter como certo que nosso interlocutor vá interpretar nossa mensagem com o mesmo sentido que lhe damos.

Apesar das dificuldades apontadas, é evidente que a cada dia torna-se mais importante conseguir uma comunicação intercultural eficaz. Foram estabelecidos alguns critérios para o sucesso do diálogo intercultural:

1. Nada é imutável. Quando iniciamos um diálogo temos que estar potencialmente abertos a mudanças.

2. Não existem posições universais. Tudo está sujeito à crítica.

3. Temos que aprender a aceitar o conflito e a possibilidade de ferir sentimentos.

4. Existe uma certa perversidade na forma como a história nos foi ensinada. Nossas identidades foram construídas em oposição a dos outros.

5. Nada está fechado. Qualquer situação pode ser sempre reaberta".

Kátia Mendonça nos traz em “Deus e Diabo nos Detalhes: a Ética em Adorno e Buber”, importantes aportes da obra desses dois pensadores do século 20 e de como o segundo aprofunda a busca do primeiro por uma filosofia do diálogo:

“a história da subversão do conceito de barbárie se inicia com Bartolomeu de Las Casas que dirá: julgamos bárbaros aqueles que não têm escrita ou língua culta. Mas a gente das Índias poderia nos considerar barbaríssimos, porque não compreendemos a sua língua. A visão de Las Casas está, porém, ainda presa a uma espécie de relativismo étnico mais tarde compartilhado por Montaigne e por Lévi-Strauss. Adorno certamente nos apresenta a subversão ética, antes que somente étnica, do conceito de barbárie, permitindo-nos novas leituras, ou releituras, da dualidade civilizado-bárbaro: entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação à própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza.(...) Buber irá tipificar a estrutura dual das relações humanas e da existência que se conforma a partir delas: a relação Eu-Tu e a relação Eu-Isso. Na relação Eu-Tu há a presentificação do Eu cuja construção se dá através da relação com o Outro – o Tu. O encontro entre o Eu e o Tu é um evento no qual há o olhar face a face. Há reciprocidade. Enquanto na relação Eu-Tu o Eu é uma pessoa, na relação Eu-Isso, o eu é um eu egótico. Mesmo sendo uma dimensão necessariamente constitutiva da relação do homem com o mundo, a relação Eu-Isso originalmente não é boa, nem má, porém diz respeito a uma razão instrumental que permite ao homem se relacionar de modo ordenado e coerente com o mundo, responsável pelas aquisições científicas e tecnológicas da humanidade. Mas, na medida em que o homem se deixe subjugar pela atitude Eu-Isso ela será fonte de relações reificadas, interdição para o encontro do Outro e assim para a conformação da humanidade mesma que se realiza através do Outro e deste modo “se o homem não pode viver sem o Isso, não se pode esquecer que aquele que vive só com o Isso não é homem”.

Segundo Gabriela Bessa, “A relação dialógica ocorre primordialmente através da palavra. Da mesma forma, na relação psicoterapêutica o falar corresponde ao agir, a palavra se torna espaço para o indivíduo se expressar e constituir a sua própria existência. Através da verbalização, os conteúdos individuais podem emergir e serem trabalhados com a conscientização. Ao falar ao Outro, há troca entre quem expressa e quem recebe, ocorrendo uma interação entre as pessoas, que estão nesse momento expressando a sua subjetividade, considerando a importância do que está sendo dito e a quem está sendo dito. Este tipo de diálogo só é possível no encontro, e depende da mutualidade, da troca, como fala possível à descoberta do Outro diferindo assim do mero discurso vazio. Aí está a responsividade que Buber considera essencial para a relação, a experiência de receber a palavra, a postura de escuta do ser do Outro e, por consequência, a reciprocidade. Considerando as pessoas envolvidas no que está sendo dito e o significado que uma tem para a outra, pode-se observar o quanto a responsabilidade está presente e mostra-se fundamental nessa relação”.

Para a humanidade ser humanitária, é hora de saber dialogar. Segundo Yaron, Martin Buber era convencido de que o futuro das pessoas humanas como pessoas humanas dependa duma retomada do diálogo. Achava que a doença humana mais aguda é o fato de que as pessoas humanas do presente não estariam mais capazes a conduzir um colóquio genuíno. (...) “As retardações de entrar em colóquio um com o outro estão muito estreitamente ligadas com a perda de confiança das pessoas humanas, pois poderei somente falar com alguém, quando possa partir de que a minha palavra seja aceita como verdadeira.” Acrescentou: “Onde, porém, a língua se deixa ouvir de campo a campo, a guerra já está posta em dúvida.

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