30 de novembro de 2009

Revelações (VI)

Santos Atahualpa em pintura conservada pelo Centro de Estudios Histórico Militares - Peru
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SANTOS ATAHUALPA E OS ASHANINKAS
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"Juan Santos Atahualpa , entre os profetas indígenas, ocupa um lugar eminente. Seu prestígio ele fundava sobretudo na autoridade política e na antiga tradição gloriosa dos Incas. Esteve entre os primeiros expoentes e intérpretes peruanos da grande tragédia dos índios americanos.
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Em 1742, os Campas [Ashaninkas] – habitantes das florestas ao longo das vertentes orientais dos Andes (Peru Central) – insurgiram-se contra o governo espanhol, instigados por Santos Atahualpa, um quíchua da província de Cusco. O seu sucesso, entre pessoas de outra região que não a sua, prova o imenso prestígio de que gozava a civilização incaica. Impregnado desta, Santos ousava pretender para si o trono imperial do Sol, ademais numa sede que estava além dos confins do antigo Império.
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A cristianização dos Campas, pelo menos no sentido formal, se iniciara em 1635, com as primeiras missões franciscanas, as quais, continuando no seu proselitismo e na obra de colonização, nos meados do século XVIII estavam prestes a realizar o amplo projeto de uma estrada de comunicação entre o Peru e o Atlântico; foi quando de repente este obscuro índio de Cusco, Santos Atahualpa, que estivera a serviço de um jesuíta que o educara e conduzira consigo à Espanha, pôs por terra todos os seus planos.
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Apresentou-se aos Campas da aldeia de Qusopango como fugitivo perseguido pela polícia espanhola do Peru, que o acusava de crime; e conseguiu convencer o chefe local de ser um autêntico descendente dos soberanos incas; e ao seu nome acrescentou o apelativo Apu Inca. Segundo afirmações suas, seus familiares teriam sido raptados pelos espanhóis, mas ele conhecia os tesouros escondidos dos Incas, e o revelaria logo que subisse ao trono que o esperava. Dizia-se filho de Deus, que viera por fim à escravidão, bem como aos cansaços molestos das plantações e das fornalhas dos brancos. Os incrédulos seriam exterminados; aos fiéis choveriam nas mãos as infinitas riquezas e os produtos dos espanhóis. Santos Atahualpa anunciava para logo a reconstituição do império inca, o fim da era de dominação espanhola. O que atraía de modo particular em seu programa era a libertação dos nativos do pesado jugo de servidão aos missionários e às autoridades espanholas, entre os quais estavam os trabalhos nos campos de coca e nos moinhos manuais. Nisto Santos contava igualmente com o apoio dos negros e dos mestiços.
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Quanto ao programa religioso de Santos, é digno de notar que ele preconizasse o nascimento de uma igreja cristã indígena com os próprios padres de origem índia. Isso deve ter sido determinado por uma experiência do profeta: durante uma etapa de sua viagem à Europa, se demorara algum tempo em Angola e fora surpreendido pela existência de padres cristãos de origem negra. De outro lado, herdava certos elementos religiosos da tradição local índia: entre outras coisas, insistia no caráter sagrado da coca, ‘planta de Deus’, que os índios mastigavam por tradição, e cujo uso era, contudo, condenado pelos espanhóis.
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As missões católicas sentiram o perigo que estava incubado no movimento: elas se dissolveram e partiram, enquanto Santos mandava preparar as armas (arcos, flechas, maças) e formava uma guarnição de negros. Nos combates e na guerrilha que se seguiram contra as forças espanholas, os índios resistiram bem, desfrutando habilmente do conhecimento das densas florestas que cobriam os vales que desciam para o Amazonas, onde ao contrário os espanhóis se perdiam. A insurreição geral das aldeias e das cidades do planalto, sonhada por Santos, não ocorreu; mas em 1750 os espanhóis, sem conseguir por as mãos sobre o profeta, tiveram de contentar-se em criar-lhe uma barreira na fronteira, renunciando contudo aos vastos territórios já abertos pela coragem e iniciativa dos missionários. A partir de então, Santos não parou de falar de si mesmo; mas provavelmente continuou a dominar os Campas. Morreu em consequência de acidente, morto por um fundibulário que – talvez para por à prova sua pretensa imortalidade – quebrou-lhe o crânio com uma pedra. Mas os Campas veneraram por longo tempo, até épocas recentes (por um século e meio), a tumba e a memória do profeta: uma figura a sua que, embora na grotesca promiscuidade dos elementos que a formaram, soubera resgatar a sua dignidade cultural, fazendo-os alimentar a esperança de uma sonhada liberdade, e a restauração do antigo reino dos Incas."
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Fonte: LANTERNARI, Vittorio. "As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos". São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 199 a 201).

29 de novembro de 2009

Exploração petroleira na Amazônia

Ilustração realizada para Oilwatch Latinoamérica por Angie Cárdenas

"A Amazônia ocidental e seus povos indígenas ameaçados pela exploração petroleira"

A Amazônia ocidental, lar da maior biodiversidade e floresta tropical ainda intacta na terra, logo pode ser coberta de oleodutos e encanamentos. Os conservacionistas advertiram que está em risco a biodiversidade de vastas faixas da região porque ao abrir-se à exploração de petróleo e gás entra em risco a vida variada que existe na floresta e o mais prístino do planeta, assim como o hábitat de dezenas de povos indígenas.
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Um novo estudo encontrou que pelo menos 35 corporações transnacionais de petróleo e gás operam em 180 “blocos” - áreas zonificadas para exploração e desenvolvimento - nas selvas amazônicas de Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e oeste do Brasil, onde têm seu hábitat muitos grupos étnicos indígenas, inclusive alguns dos últimos povos sem contato com o mundo, os quais preferem viver em isolamento voluntário total.
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Os cientistas ambientais descrevem a esta região como pulmões do planeta porque contém a mais extraordinária diversidade biológica e cultural, mas também abriga grandes reservas de petróleo e gás. A demanda global de hidrocarburos cada vez maior estimula níveis sem precedentes de novas explorações petrolíferas e extração de petróleo e gás que ameaçam com a devastação ambiental e cultural.
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Durante um período de quatro anos os pesquisadores seguiram as atividades de hidrocarburos através da região e geraram um mapa completo das explorações de petróleo e gás. Os pesquisadores confeccionaram sua carta utilizando informação oficial, subministrada pelos próprios governos, com respeito a terras que durante os últimos quatro anos se arrendaram ou concessionaram a transnacionais energéticas para que busquem petróleo e gás na Amazônia de Brasil, Peru, Equador, Bolívia e Colômbia.
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O mapa mostra que as regiões assinaladas para projetos de petróleo e gás já cobrem mais de dois terços da Amazônia no Peru e Equador. De 64 blocos de petróleo e gás que cobrem 72% da Amazônia peruana, oito já estão aprovados desde 2003 e pelo menos 16 foram firmados em 2008. Se esperam maiores incrementos desta atividade na Bolívia e no ocidente do Brasil.
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O resultado foi uma avaliação alarmante das ameaças que se cernem sobre a biodiversidade e a população indígena da região. O traçado mostra em detalhe os projetos de extração de petróleo e gás de 35 companhias transnacionais nas áreas do Amazonas mais propícias para a vida de diferentes espécies de mamíferos, pássaros e anfíbios.
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“Estivemos seguindo os desenvolvimentos de petróleo e gás na Amazônia desde 2004 e o quadro mudou diante de nossos olhos”, disse Matt Finer, de Salvemos la Selva de América, um grupo ambiental estabelecido nos EUA. “Quando se examina onde estão os blocos de petróleo e gás, se observa que coincidem perfeitamente com setores chave da maior biodiversidade, quase como por desenho, e isto em um dos maiores, se não o maior, lugar de biodiversidade na Terra”.
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Algumas regiões estabeleram reservas de petróleo e gás, mas em outras, as companhias necessitarão cortar a mata para efetuar provas que confirmem suas especulações, incluindo explosivas pesquisas sísmicas e provas de perfuração. Tipicamente, as companhias dedicam sete anos a explorar uma região antes de decidir se entrarão de cheio à produção completa.
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“A preocupação real é que quando a exploração em uma zona resulta acertada, começam os movimentos da fase de desenvolvimento, que é quando começam a abrir-se os caminhos, a perfuração e os encanamentos invadem a floresta”, disse Finer.
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Em um artigo escrito para o jornal “PLoS One”, Finer e outros cientistas da Universidade de Duke e da ONG Terra é Vida (Land is Life), um grupo ambiental de Massachussets, chamaram aos gobiernos para que repensem como se explorarão as reservas energéticas da Amazônia.
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Os autores do artigo argumentam como um problema central que as companhias devem submeter seus projetos a uma avaliação do impacto ambiental, que amiúde são estudos considerados de modo individual e não coletivamente. “Não estão observando o quadro completo do que sucederá, nem tampouco verificam se, ao mesmo tempo, existem próximo outros projetos similares por serem executados”, disseram. “Cada companhia poderia estar acreditando individualmente que está atuando de modo relativamente responsável e custodiará sob seu controle suas próprias redes de estradas, e assim sucessivamente, mas o que acontece quando existem outros 15 projetos ao redor?”, perguntou Finer. “De imediato, quando se observe o quadro completo, saltará à vista uma extensa rede de caminhos”, acrescentou. A criação de extensas redes de estradas fará previamente inacessível a selva, com risco de deflorestamento, caça ilegal, depredação da mata e transporte de troncos de árvores”, argumentaram os autores.
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A investigação adicional da equipe encontrou que muitos projetos previstos de exploração e extração se encontram em terras que são o lar ancestral de muitos povos indígenas, que não foram consultados e não têm opção de opinar se um projeto deve seguir adiante ou não. Pelo menos 58 dos 64 blocos no Peru afetam terras onde vivem comunidades isoladas, e em 17 se está infringindo a condição de reserva de áreas previamente assignadas a grupos indígenas.
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“Esta maneira de acometer desenvolvimentos de hidrocarburos que se efetua na Amazônia ocidental constitui uma grosseira violação dos direitos dos povos indígenas da região”, disse Brain Keane, de Terra é Vida. “Existem acordos internacionais e leis interamericanas de direitos humanos que reconhecem aos povos indígenas o direito a suas terras e proíbem explicitamente a outorga de concessões para explorar recursos naturais em seus territórios sem seu livre consentimento anterior e informado”, acrescentou.
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A resistência indígena está incrementando sua organização e politizando-se cada vez mais, adquirindo eficácia em níveis nacionais e internacionais. “Esta expansão ocorre em detrimento de nosso povo e da Mãe Terra”, advertiu José Antúnez, líder do povo Ashaninka do Peru.
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Para tornar mais acessível a informação a respeito, foi criado o site Western Amazon, onde também são proporcionados vínculos a qualquer notícia relacionada com este estudo e o problema dos hidrocarburos na Amazônia.

Fonte: Biodiversidad en América Latina y El Caribe. Confiram uma exposição de fotos sobre o tema em Medicus Mundi.

Revelações (V)

"Nhanderu-Vusú", pintura de Patricia Solari


OS HOMENS-DEUS EM BUSCA DA TERRA SEM MALES

“Os homens-deus, poderosos xamãs locais, se apresentam aos índios [da América do Sul] como chefes religiosos e hegemônicos, encarnações de um herói cultural do mito indígena, anunciadores de uma era de renovação e de uma nova religião. Eles se opõem mais ou menos sistematicamente ao domínio dos brancos, fazendo-se intérpretes da reação nativa contra os ultrajes e as humilhações sofridas da parte dos portugueses e espanhóis, leigos e missionários. Os homens-deus vêm, pois, criar em torno de si outros focos de resistência contra os brancos, fundando uma unidade de novo tipo entre aldeias e tribos, frente a um opositor comum. Os homens-deus, chamados pajés segundo as fontes originais, se vangloriam de poder conferir aos prosélitos longevidade e até imortalidade, e de curar doentes. Representam figuras institucionais de sacerdotes-xamãs, cuja origem é indubitavelmente anterior à época colonial e mergulha no cabedal religioso originário local, com o seu fundamento xamanístico. No entanto, a conquista dos brancos teve, por certo, o efeito imediato de incrementar o número e a difusão destes homens-deus. (...)
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Claude d’Abbéville nos informa sobre a atividade de um destes homens-deus. Nos últimos anos do século XVI, cerca de oito a dez mil índios da região do Rio de Janeiro se puseram em marcha para seguir a um ‘profeta’, um mestiço de índio e português (o caso dos profetas mestiços não é excepcional). Nutriam assim cega confiança nele, de modo a suportar de bom grado a fadiga do longo caminho. O chefe proclamava ter nascido, não da união entre homem e mulher, mas da boca de Deus. Deus o teria enviado à terra para fundar uma nova religião. Segundo a fonte de informação, ele realizava prodígios, proporcionando alimento e bebida aos seus sequazes, e arrastava consigo os habitantes das aldeias por onde passava. A onda destes nativos fanatizados chegou até perto de Pernambuco, do Maranhão, e chocou-se enfim com a resistência dos montanheses da Serra de Ibiapaba. O profeta morreu; fome e doenças dizimaram os fiéis.
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Note-se, entre outras coisas, que os prodígios atribuídos ao profeta, particularmente de dar alimento e bebida aos fiéis, repetiam o modelo mítico dos prodígios atribuídos aos heróis (piaye) da mitologia apapocuva-guarani. (...) Entre os Guaranis do Paraguai, existiam figuras de homens-deus, totalmente distintas dos xamãs comuns. Estes últimos tinham a prerrogativa de se comunicar com os espíritos; mas os homens-deus se apresentavam aos seus sequazes como filhos do espírito, sem pai terreno, donos de uma sabedoria particular e taumatúrgica, vaticinadores do futuro, autores de todo tipo de prodígios e práticas mágicas. Vangloriavam-se de uma natureza divina e afirmavam ter criado céu e terra e de poder trazer chuva. Padre Lozano (fonte de 1875, relativa ao século XVI) conta que um destes messias, vindo da costa do Brasil para Loreto, proclamava-se dominador da morte e das mulheres, senhor das messes, capaz de aniquilar com um sopro o universo que ele mesmo criou. Com efeito, estes profetas-messias apenas assumem sobre si mesmos as qualidades e os atributos próprios dos antepassados míticos ou heróis culturais, dos quais pretendem ser reencarnações terrenas. Também Nhanderuvuçu, herói cultural dos Apapocuva-Guarani, tinha o poder de destruir com um sopro o universo por ele criado. Assim, ele já o destruíra uma vez e depois o criara de novo, e estava meditando – segundo o mito – a ruína posterior. Justamente por isso, como já se disse, os Guaranis antigos e modernos esperam angustiadamente os sinais da anunciada catástrofe. Em conclusão, o messias ou homem-deus brasileiro outra coisa não é que a encarnação do herói cultural do mito local.”

Fonte: LANTERNARI, Vittorio. “As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos”. São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 196 a 198).

28 de novembro de 2009

Revelações (IV)

GHOST DANCE

"Todos os índios devem dançar. Em todo lugar. Seguir a dança. Logo, com a próxima primavera, virá o Grande Espírito. Trará caça de todo tipo. Abundarão as presas por toda parte. Todos os índios mortos regressarão e viverão entre nós. Serão fortes, como nossos jovens guerreiros.
Quando o Grande Espírito vier a nós, os índios todos subirão às montanhas, ao mais alto e distante dos brancos, onde não nos possam fazer dano. Enquanto os índios permanecerem lá, uma grande inundação arrastará a seus inimigos e os afogará. Depois as águas se retirarão e ninguém senão os índios povoarão a terra e a caça generosa estará por toda parte.
Até lá, os homens-medicina dirão aos índios que dancem e que passem esse aviso adiante. Aqueles que não participarem na Dança dos Espíritos, que não acreditarem nestas palabras, crescerão pouco, apenas um palmo e assim ficarão. Outros se converterão em madeira e serão pasto das chamas."
(Wovoka)


"O mais importante entre os antecedentes da Ghost-Dance, segundo Mooney, que delineia as origens, o desenvolvimento e a decadência desta, é o movimento fundado por um profeta delaware anônimo (de Tuscarawas, Michigan) em 1762 como resultado de uma visão. Naquela época, a ocupação do território nativo por parte dos brancos, a imposição por meio desses de hábitos e condições de vida que contrastam com a tradição originária, provocam uma das mais graves crises registradas na história aborígine. O profeta delaware anunciava, no novo culto fundado por ele, a libertação dos brancos mediante luta aberta (deviam-se empregar armas tradicionais, isto é, arco e flexa e não espingardas). Propugnava a fraternidade e união entre todos os índios, a cessação das guerras intertribais que haviam perturbado sua existência, a renúncia à poligamia, ao uso do álcool. Estas constituíam as causas mais graves de desagregação social e cultural para as tribos. Além disso, requeria-se o abandono de usos e costumes adquiridos depois da vinda dos brancos (por exemplo, o fuzil). O antigo ‘culto da medicina’ era definitivamente substituído pelo novo culto, o qual cumpria uma função de cura e salvação de todo mal físico, moral e social. Os ritos de sacrifício arcaicos, as preces ao Grande Espírito foram conservados. A luta cruenta devia endereçar-se contra os invasores ingleses, enquanto que os franceses deviam ser tratados como amigos e aliados.

A revelação desse culto provinha diretamente, segundo as palavras do próprio profeta, do Grande Espírito. A profecia culminava com a anunciação de uma nova era de liberdade, beatitude, fim do domínio dos brancos. No culto do profeta delaware encontram-se em germe todos os temas que, a seguir, inspirarão outros movimentos proféticos, como, setenta anos depois, o do profeta Kanakuk e, depois, de Smohalla, de Tenskwatawa, de Wowoka.

(...) Em 1805 Tenskwatawa teve sua visão profética em estado de transe, entrava no reino dos espíritos e recebia do Grnde Espírito em pessoa as instruções para fundar a nova religião, a qual ordenava o retorno à cultura original, a luta contra a feitiçaria, contra os cultos mágico-médicos arcaicos e contra o álcool, a reconstituição da propriedade coletiva, a proibição de matrimônios com os brancos, o abandono das vestimentas e instrumentos europeus. Apresentaram-se a Tenskwatawa delegações de tribos vizinhas e longínquas, para aprender suas instruções. O profeta era tido como a encarnação de Manabozo, herói-demiurgo da mitologia algonquina. (...)

Nos decênios sucessivos, numerosos profetas surgiram entre os índios das pradarias, antes de Wowoka com seu grande movimento da Ghost-Dance (1890). Entre os outros, destacam-se as figuras de Kanakuk (do grupo Kikapu, 1827), Tavibo (Ute, 1870), Smohalla (índios do rio Colúmbia, 1870). (...) Por volta de 1870 surge entre os Paviotso (próximos dos Paiute, na Grande Bacia, limites de Nevada com a Califórnia) a Ghost-Dance, a qual em uns dois anos se difundiu por todo o ocidente (Oregon, Nevada, Califórnia) dos Estados Unidos. Passando de tribo em tribo, ela se associa a contextos culturais diferenciados localmente, ora assumindo nomes locais e todavia mantendo sua identidade essencial no núcleo central do culto. O núcleo é constituído pelo tema do retorno dos mortos. O profeta, caído em transe, declara ter morrido e ressuscitado; revela a viagem empreendida por ele rumo aos espíritos dos mortos e anuncia seu iminente retorno por ocasião da renovação do mundo. Os profetas são xamãs-curadores. Nessa qualidade, gozam de um prestígio religioso justificado pela tradição cultural.

O fundador da Ghost-Dance dos Paviotso é o profeta Wodziwob, na região de Walter Lake (Nevada Ocidental), no ano de 1869. (...) Segundo Mooney, a revelação viera a Wodziwob durante uma ascenção solitária à montanha, onde se encontrou com o Grande Espírito: este lhe havia revelado estar iminente um cataclisma ou agitação geral do mundo, com consequente desaparecimento dos brancos do território. Os brancos serão engolidos pelos abismos que se abrirão na terra e seus bens – edifícios, mercadorias, objetos, instrumentos – ficarão à disposição dos índios, os quais gozarão assim de uma era feliz, livres de toda sujeição. Outras revelações subsequentes precisavam que brancos e índios seriam engolidos igualmente pelo terremoto, mas que os índios seguidores do culto ressurgiriam depois de alguns dias para viver em prosperidade. Para eles retornaria a caça abundante como antes. O Grande Espírito, junto com os espíritos dos mortos, desceria à terra para instaurar a nova era paradisíaca. A dança circular do novo culto é muito semelhante à dança posterior do profeta Wowoka.

(...) Ora, os mórmons de Salt Lake City (Utah) acreditaram identificar as míticas tribos perdidas de Israel precisamente com os índios seguidores do profeta Wodziwob. (...) Vários mórmons aderiram à Ghost-Dance; o próprio Smohalla acabará por incorporar na sua ‘religião do sonho’ elementos derivados dos mórmons. Finalmente, quando mais tarde, em 1892, a Ghost-Dance do profeta Wowoka alcançar seu resplendor, os mórmons de Salt Lake City publicarão um manifesto anônimo, no qual se dará por cumprida a profecia de Joseph Smith. Este havia predito na realidade, no ano de 1843, que quando houvesse transcorrido o octogésimo quinto ano do seu nascimento, o messias desceria à terra e se mostraria corporalmente. Isto deveria acontecer precisamente em 1890. Os mórmons reconheciam portanto no profeta Wowoka a encarnação do Messias.

(...) Filho do profeta Numataivo ou Tavibo (morto em 1870), Wowoka (= ‘o Cortador’) nasceu por volta de 1856 em Mason Valley (Nevada) entre os Paiute. Adotado pela família de um agricultor local, David Wilson, recebeu o nome inglês de Jack Wilson (ou também John Wilson). Já antes de receber a primeira revelação profética, era famoso como xamã-curandeiro. Jazia doente e febril, quando, em 1886, teve uma visão, em estado de transe. Apenas mais tarde, em 1888, anunciava ao povo dos Paiute a nova religião, a Ghost-Dance, a qual em breve seria eficaz e amplamente difundida entre os Washo, os Bannock, os Shoshoni, os Arapaho, os Cheyenne, os Kaiowa, os Sioux, os Pawni, os Cado, em resumo entre os mais diversos grupos de indígenas das pradarias, difundindo-se de ocidente a oriente em direção nordeste e na direção sul entre os Walapai, os Cohonino, os Mohave (Arizona). O culto da Ghost-Dance, apesar das variantes locais, devia conservar em toda parte os temas centrais do retorno dos mortos, da catástrofe e da renovação do mundo, depois da derrota dos brancos. (...) O profeta recebeu do Grande Espírito o prodigioso poder de governar o tempo, os elementos, a chuva. Wowoka convidava os índios a usar roupas de corte e feitio ocidental e ele mesmo dava o exemplo.

‘Abstém-te da guerra, não faças o mal, mas sempre o bem!’: são esses os preceitos da religião de Wowoka. (...) Não obstante a atitude cordata e benévola do fundador para com os brancos, - especialmente se a confrontarmos com a dos profetas precdentes - , é notável o fato de que no seu mito quiliástico não haja um lugar efetivo para os brancos e que o advento da era prometida se refira unicamente aos brancos, livres uma vez para sempre da ocupação européia. Na palingenesia cósmica, os índios se reencontrariam com seus ancestrais mortos. Não é pois de surpreender que tal doutrina, mesmo no seu pacifismo declarado, tenha desaguado logo, num terreno excepcional, em aberto conflito insurrecional. O anseio de renovação, a esperança quiliástica do novo culto deviam dar frutos entre os Sioux, onde uma situação de frustração crônica tornara-se ainda mais grave pelas recentes usurpações dos brancos. A Ghost-Dance tornava-se assim abertamente movimento de libertação, de guerra."

Visita de líderes arapahoe a Wowoka

Fonte: LANTERNARI, Vittorio. "As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos". São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 148 a 168). Imagens: Oso Blanco

27 de novembro de 2009

Chiquitanos em ação

A Organização Indígena Chiquitana (OICH), através de seu principal Cacique Rodolfo López, denunciou os impactos sócio-ambientais da Rodovia Bioceânica durante a audiência pública "Situación de las comunidades indígenas afectadas por el proyecto Iniciativa para la Integración de Infraestructura Sudamericana" (IIRSA) que é parte do 137º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH.

Os solicitantes desta audiência são: a Confederación Andina de Organizaciones Indígena de Perú (CAIO) / Organización Indígena Chiquitana de Bolivia (OICH) / Centro de Estudios Aplicados a los Derechos Económicos, Sociales y Culturales de Bolivia (CEADESC) / Comunidades Nativas de Povos Indígenas de Rondônia - Brasil / Indian Law Resource Center.

Estas organizações apresentaram perante a Comissão uma série de estudos técnicos e jurídicos da construção de megaprojetos como a Carretera Interoceanica Sur no Peru, a Carretera Bioceanica Santa Cruz - Puerto Suárez em Bolívia e a construção de represas no Rio Madeira no Brasil, entre outros.

A OICH foi a encarregada de expor sobre a rodovia Bioceânica que atravessa várias comunidades indígenas e segundo López “os impactos sociais e ambientais são muitos e as medidas de compensação e mitigação não foram executadas como estabeleciam os compromissos firmados”.

Além disso o povo Chiquitano denunciou ante a Comissão a falta de transparência por parte das empresas construtoras e das autoridades nacionais para realizar as consultas e entregar informação sobre os trabalhos às comunidades, “Estes megaprojetos como os que existem em outros países sul-americanos têm um grande problema, a falta ou a enganosa forma de fazer a consulta às comunidades indígenas antes e durante a realização das obras”.

O cacique da OICH espera que o CIDH leve em conta suas denúncias e se pronuncie a respeito do tema da consulta livre, prévia e informada, “esperamos que esta Comissão leve em conta nossas demandas onde o que pedimos é o cumprimento dos convênios internacionais como a Declaração da ONU e o Convênio 169 da OIT que em alguns países como a Bolívia estão ratificados em suas Constituições ou são leis”.

“A Rodovia Santa Cruz - Puerto Suárez é um dos principais projetos complicados da Agenda IIRSA. A construção deste corredor, é um projeto que demonstrou ser muito complicado devido a que têm e terá impactos sócio-ambientais afetando especialmente a comunidades indígenas, povoadores da região, assim como a parques nacionais, zona de reserva forestal e inclusive zonas protegidas por Convênios Internacionais” (extraído do informe independente "Los Impactos Socio-Ambientales por la Construcción de la Carretera Bioceánica Santa Cruz - Puerto Suárez)"

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Fonte: Biodiversidad en América Latina y El Caribe Imagem: Wikimedia

Revelações (III)

Indian Shaker Leaders John Slocum & Louis Yowaluck.
Courtesy: Smithsonian Institution National Archives (3021)

OS TREMULANTES

“No ano de 1881 surgia, junto à tribo squaxin de Puget Sound (estado de Washington, a leste de Olympia), uma nova religião, o Shakerismo, a qual anuncia a cura dos males, salvação das penas ultraterrenas através de uma conduta ‘cristã’ e manifestações particulares de caráter emocional e místico-ritual produzidas por intensas crises de frêmito corporal por parte dos seguidores. Digamos logo que tais manifestações são, de um lado, ligadas à tradição xamanística local e, de outro, são justificadas pelos shakeristas segundo o modelo bíblico da ‘dança’ de Davi diante do Senhor.
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O fundador do movimento é John Slocum (nome indígena: Squsacht-um), nascido por volta de 1838, da tribo Squaxin. Dele pouco se sabe. Em 1881, em consequência de uma grave doença, uma madrugada ele caiu em transe e julgou-se morto, tendo ficado inanimado até a tarde. Ao despertar, ele confirmou ter realmente morrido e ressuscitado, ter realizado uma viagem para o céu, onde lhe apareceram anjos que lhe vedaram a entrada devido a seu mau comportamento. Do céu viu o próprio cadáver, miseravelmente reduzido, e compreendeu como até então se comportara mal. Os anjos ditaram-lhe as normas de comportamento para a nova religião, conferindo-lhe a missão de instruir os homens sobre ela. Diremos neste momento que o tema da autonecroscopia, e o do erro-arrependimento, que já encontramos em outros cultos proféticos, exprimem simbolicamente, neste como igualmente nos outros casos, a condenação de uma cultura religiosa arcaica, exaurida e inadequada relativamente às exigências de renovação, resultante do contato com os brancos e das suas dramáticas consequências. Quanto às manifestações de estremecimento, que ocorrem no decorrer dos ritos shakeristas, estes são de tal importância que a eles justamente se deve a denominação corrente do novo culto, dos ‘tremulantes’ (= shakers).
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(...) Além da influência cristã sobre o fundo religioso tradicional, reconhece-se no complexo shakerista também uma continuidade de desenvolvimento relativamente à religião do profeta Smohalla, surgida em 1870 e, mais remotamente, com o movimento do profeta Tolmie, chamado ‘Dança do Profeta’, que floresceu na região de Puget Sound por volta de 1834-35. Mas a obra de Slocum, se a observarmos melhor, não pode ser privada de precedentes históricos ainda mais imediatos e diretos. Pouco antes de Slocum haviam surgido outros movimentos proféticos na região; dentre os mais importantes deve-se enumerar o de Billy Clams e o de Big Bill. Quanto a Big Bill, a sua morte remonta a 1881, ano da revelação de Slocum. Big Bill, tuberculoso, achava-se em condições desesperadoras. Tendo decidido morrer, dependurou-se numa árvore. Todavia, no trespasse teve a visão do irmão morto que o aconselhava a salvar-se para pregar uma nova religião, fundada sobre vários elementos fundamentalmente cristãos (fé em Deus, penitência dos pecados). Bill, salvo da morte, torna-se profeta e anuncia a vinda de um messias salvador dos índios. Portanto, Slocum, que veio logo depois, apareceu como o esperado messias, tendo, além do mais, repetido a experiência simbólica e dramática de morte e ressurreição já provada por Bill. À luz dos fatos acima mencionados o Shakerismo parece o mais eficaz e fecundo de uma série de movimentos proféticos mais ou menos contínuos e ligados entre si.”

Fonte: LANTERNARI, Vittorio. “As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos”. São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 139 a 143)

26 de novembro de 2009

ONU e os Nasos ameaçados no Panamá


Genebra - O Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos indígenas, James Anaya, expressa sua "extrema preocupação pelos desalojamentos forçados e a destruição de moradias sofridos em 20 de novembro de 2009 pelas comunidades Naso de San San e San San Druy, em Changuinola, província Bocas del Toro, Panamá."

Segundo informes confiáveis, em 20 de novembro de 2009, aproximadamente 150 policiais antimotim desalojaram com bombas de gás lacrimogênio, a mais de 200 indígenas Naso que habitam nas comunidades de San San e San San Druy. Depois que as pessoas foram retiradas, empregados da empresa pecuária Ganadera Bocas entraram na área com maquinaria e procederam a derrubar as moradias dos indígenas.

A empresa reclama a área do desalojamento para suas atividades comerciais pecuaristas, com base em um suposto título outorgado pelo Estado, enquanto que as comunidades Naso que tem vivido ali reclamam direitos anteriores com base em sua posse de terra tradicional. Os Naso levaram um processo de reivindicação de terras desde os anos setenta, no qual solicitam, em particular, a criação de sua própria jurisdição sobre suas terras tradicionais. Apesar do tempo transcorrido, até agora os Naso não contam com o reconhecimento legal de suas terras tradicionais.

"Faço um chamado às autoridades panamenhas e do povo Naso para buscar vias de diálogo e de entendimento sobre a base de respeito aos direitos humanos," expressou o experto da ONU. "Em particular, insto ao Governo que se retome de imediato um processo de diálogo com os indígenas Naso afetados para chegar a uma solução pacífica para esta situação."

Além disso, o Relator Especial insta às autoridades judiciais competentes para que adotem medidas para esclarecer os fatos do desalojamento, sancionar aos responsáveis de qualquer violação aos direitos das comunidades afetadas, e reparar o dano causado às vítimas, incluindo indenização.

A este respeito, o Relator Especial enfatiza que o artigo 10 da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU estabelece que "os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Não se procederá a nenhuma transferência sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados, nem sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e, sempre que seja possível, a opção do regresso."

À presente situação se soma o anterior desalojamento dos membros das comunidades San San e San San Druy em março e abril deste ano. Em 23 de abril de 2009 o Relator Especial enviou um chamado urgente ao Governo do Panamá, pedindo esclaracimento sobre as circunstâncias dos desalojamentos e a reclamação territorial dos Naso. Lamenta não haver recebido uma resposta do Governo do Panamá.
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Revelações (II)


O CULTO GAI’WIIO OU A BOA MENSAGEM DOS IROQUESES

“Handsome Lake nasceu por volta de 1735 de uma família Sêneca, do clã Lobo, numa aldeia próxima a Avon (Estado de Nova York), de onde em 1799 teve de fugir com toda a população para Tonawanda sob a pressão dos invasores brancos, os quais avançavam incendiando casas, campos e povoados. Handsome Lake era um dos chefes (sachem) seneca, que faziam parte do conselho (executivo, legislativo e judiciário) da Liga Iroquesa. (...) A revelação profética ocorreu pela primeira vez a Handsome Lake no dia 15 de junho de 1799. Há tempos ele vivia doente e sofrendo, na casa de Cornplanter [seu meio-irmão]. Já tinha abandonado qualquer esperança de sobreviver quando um dia caiu subitamente em transe e ouviu uma voz que o chamava de fora. Saiu de casa e avistou três figuras ou espíritos com forma humana que, apresentando-lhe alguns ramos e folhas frutíferas, convidaram-no a colher os frutos, com os quais seria curado milagrosamente. Eles o advertiram da parte do Grande Espírito, que deplorava profundamente a intemperança dos homens e sobretudo a embriaguez e o uso de álcool e uísque, a fim de que se fizesse divulgador da nova doutrina de salvação. (...)
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O profeta, reduzido já a condições físicas desesperadoras pela vida dissoluta que levara sistematicamente até então e pelo álcool, restabeleceu-se depois de ter recebido a prodigiosa revelação.
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Os três ‘anjos’ anunciavam o iminente aparecimento de um outro personagem, que se mantivera afastado anteriormente e os havia enviado na frente. De fato, numa visão subsequente apresentou-se ao profeta o Grande Espírito em pessoa, compadecido com os seus sofrimentos. Em estado de transe, viu Ganeoda’yo [nome indígena de Handsome Lake] vir ao seu encontro seu falecido filho e uma sobrinha também falecida, deplorando entre si a intemperança dos vivos. O Grande Espírito impôs-lhe o abandono do álcool (‘água de fogo’) e lhe transmitiu os preceitos da nova religião. Entre outras coisas, deviam-se abandonar várias danças e festas tradicionais profanas, mas não a Dança do Culto (Worship-Dance) que, segundo uma sucessão do calendário e de estações fixada pela tradição em relação aos trabalhos agrícolas, constituía o núcleo das festas religiosas mais importantes e significativas da cultura iroquesa. Entre essas festas locais as principais a manter na nova religião (e que constituíam assim o seu núcleo cultual) eram a festa do Ano Bom (ou festa do Cão Branco), caracterizada pelo sacrifício de um cachorro branco ao Grande Espírito, a festa dos Morangos, a festa ‘das Plumas’ ou da colheita do milho, com a Dança do Agradecimento dedicada ao Grande Espírito, a Terra, ao grande antepassado mítico Heno, aos antepassados da estirpe, às Três Irmãs e outras figuras míticas de tradição pagã; finalmente, a festa do ‘Grão Verde’, a do solstício de inverno além de ritos de cura. Trata-se de festas tradicionais de caráter religioso, unidas num grande ciclo cerimonial em relação com o ciclo dos trabalhos de cultivo (milho) e de colheita (morangos), ou com a exigência de curar doentes. A tais festas e à sua conservação aludem evidentemente os emblemas vegetais apresentados ao profeta, numa espécie de sincretismo quacre-pagão, pelos ‘anjos’ mensageiros do Grande Espírito. As cerimônias rituais do ciclo da Casa Comprida desenrolam-se perto do bosque. No culto recorre-se a objetos rituais tradicionais como wampum, matracas. Executam-se oferendas de tabaco e danças rituais com cantos segundo textos e modelos arcaicos.
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(...) O desenvolvimento da Nova religião iroquesa prossegue, depois da fundação, até os dias de hoje sem mudanças substanciais por parte dos sucessivos pregadores e profetas, sujeitos a visões e revelações. (...) Fato que poderia ser importante no destino do novo culto foi a declaração do Presidente Jefferson, o qual aprovou como eficaz e positiva a mensagem do profeta Handsome Lake. Os nativos viram nele portanto o profeta oficial e reconhecido. Quanto às relações entre nativos e brancos, segundo a revelação profética de Handsome Lake, os brancos devem ser acolhidos nos centros habitados pelos indígenas e os filhos destes podem ser instruídos pelos brancos (Quacres). Por outro lado, os indígenas podem e devem ter fé nos antigos costumes de vida.”

Fonte: LANTERNARI, Vittorio. “As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos”. São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs 132 a 137). Visitem o site Oneida Nation

25 de novembro de 2009

Revelações (I)

Braves' Dance, Ojibwa, 1835–37 Ojibwe/Chippewa by George Catlin
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DREAM DANCE

“A Dream-Dance é uma formação religiosa que preconiza a unidade intertribal dos índios sem distinção de origem, o fim de toda hostilidade e luta entre os vários grupos locais. (...) Trata-se de uma dança que se repete nas estações (as mais importantes são as celebrações de primavera e do outono), ou ocasionalmente (semanalmente – por influência cristã – ou por ocasião de nascimentos, curas etc.), e conserva íntegro o seu conteúdo pagão. É um rito destinado a estabelecer uma relação imediata entre os participantes e o Grande Espírito, a fim de impetrar – mediante cantos, danças, invocações – a prosperidade, a abundância, o bem-estar. (...)

Foi uma mulher sioux – conta o mito – que fundou a cerimônia entre os Chippewa, antigos inimigos dos Sioux. Não é por acaso que, entre os cantos da cerimônia, há um grupo intitulado ‘Aperto de mão dos Chippewa com os Sioux’: são cantos que celebram a pacificação entre tribos adversas, realizada em nome da nova religião pela sua fundadora.

Eis o que narra o mito (...). No curso de um massacre perpetrado pelos brancos contra um grupo de Sioux – estávamos em 1878 – uma jovem, para fugir à morte certa, jogou-se nas águas de um lago, onde foi obrigada a permanecer durante muito tempo escondida – pois os soldados americanos estavam acampados nas proximidades – imersa entre os juncos e privada de todo auxílio. Nesta altura – quando já se encontrava no extremo das forças – veio a ela uma visão e uma voz do Grande Espírito, que lhe ensinou as formas da nova religião – a Dream-Dance – ordenando-lhe que a divulgasse entre as tribos índias. A Dança do Sonho devia substituir os ritos arcaicos, o seu grande tambor teria suplantado os tambores menores antes empregados cerimonialmente. As velhas formas religiosas – diz-se no mito – se mostraram inadequadas a manter distantes os espíritos maus. As instruções religiosas dadas pela fundadora giravam em torno do novo cânone ético de união pacífica de todos os índios. A fundadora realizava esta exigência com o primeiro ato formal de pacificação, levando diretamente aos Chippewa – ela, de origem sioux – a nova religião. Seja a tradição das origens, seja a personagem da fundadora aparecem com os traços tipicamente exemplares e intensamente simbólicos próprios dos mitos.”

FONTE: LANTERNARI, Vittorio. “As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos”. São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95.(págs. 126-128)

24 de novembro de 2009

Cultivos lícitos e ilícitos

Plantio de folha de Coca, Bolívia. Foto: Los Tiempos

A Terceira Comissão de Direitos Humanos de Nações Unidas (ONU) solicitou dia 19 de novembro aos Estados membros do organismo incrementar os investimentos em desenvolvimento alternativo e erradicar sem violência os cultivos ilícitos destinados à produção de drogas e substâncias psicotrópicas.

Entretanto, o embaixador boliviano perante a organização internacional, Pablo Solón, segundo a agência noticiosa oficial ABI, apontou que a Comissão “aprovou por consenso uma resolução que homologa os usos tradicionais lícitos dos cultivos transformados em drogas só após processos sintéticos ilícitos”.

A resolução mencionada estipula que os Estados membros devem comprometer-se “a aumentar os investimentos de longo prazo” em estratégias sustentáveis de controle de cultivos ilícitos, “coordenadas com outras medidas, a fim de contribuir à sustentabilidade do desenvolvimento social e econômico e à erradicação da pobreza nas zonas rurais afetadas”.

O documento adverte de que se devem ter “devidamente em conta os usos tradicionais lícitos dos cultivos, quando existam datos históricos sobre esse uso, e prestar a devida consideração à proteção do meio ambiente”.

As estratégias de controle de cultivos devem respeitar os direitos humanos e “aplicar-se de forma gradual (…) a fim de lograr a erradicação sustentável dos cultivos ilícitos, tendo em conta os usos tradicionais lícitos dos cultivos, quando existam dados históricos sobre esse uso” e com cuidado do meio ambiente.

O controle das plantações que podem ser empregadas na transformação de drogas exige “uma cooperação internacional baseada no princípio da responsabilidade compartilhada e um debate integral e equilibrado”, que respeite “a soberania e a integridade territorial dos Estados, o princípio de não-intervenção em seus assuntos internos e os direitos humanos e liberdades fundamentais”.

A Comissão apontou que “essas estratégias de controle de cultivos incluem, entre outras coisas, o desenvolvimento alternativo, e segundo corresponda, programas de desenvolvimento alternativo preventivo e medidas de erradicação e de aplicação da lei”.

De acordo com ABI, Solón saudou a aprovação por consenso da resolução, concordante com a proposta de emenda à Convenção Única de Estupefacientes de 1961, que promove Bolívia para eliminar a proibição ao mascado (acullico).

Um boletim da ONU dá conta de que “o representante de Bolivia acolheu com beneplácito o consenso sobre essa resolução, enquanto assinala que se pede aos Estados ter em conta o uso lícito dos cultivos tradicionais quando existam provas históricas de referida utilização. O mascado de folha de coca é um uso tradicional e legal dessa planta em seu país, respaldada por abundantes dados históricos. Toda resolução sobre esta questão deve ter em conta tais usos”.

A Terceira Comissão da ONU pede erradicação sem violência.

Ernesto Justiniano, analista e ex-viceministro de Defesa Social no último Governo de Gonzalo Sánchez de Lozada, explicou que a “folha de coca segue sendo interditada” nos países do mundo onde não é consumida tradicionalmente e que a mencionada decisão não modifica a posição do organismo internacional a respeicto.

“Já se conhecia que a coca se consome de forma lícita na Bolívia e Peru. Esta decisão não terá consequências nem aporta novos elementos ao tratamento do caso. Ademais, é a resolução da Terceira Comissão de Direitos Humanos, não da Assembléia Geral”.

Na opinião do experto, la hoja de coca continua sendo um produto proibido fora de Bolívia, Peru e Colômbia, os países produtores, “mas a decisão desta entidade não se refere aos outros dois países, só menciona a Bolívia” e que deveria levar-se adiante uma campanha para mostrar que seu consumo é pernicioso para a saúde. (sic)

Fontes: Los Tiempos e La Prensa . Saibam mais sobre os usos tradicionais da coca em Centro Yachak.

23 de novembro de 2009

Territórios karipunas

Mapa constante como anexo do livro "Rondônia", de Edgard Roquette-Pinto, onde se observa no Rio Madeira os territórios karipunas que foram os principais objetos de destruição quando da construção da ferrovia Madeira-Mamoré

Publicado pela primeira vez em 1917, Rondonia é um clássico das ciências sociais brasileiras. Escrito pelo polivalente Edgard Roquette-Pinto, o livro é resultado da expedição que seu autor promoveu em 1912 à Serra do Norte, numa região dividida atualmente entre os estados de Mato Grosso e Rondônia - este último não existia ainda como unidade da Federação, o que só veio a ocorrer em 1943, com a criação do Território do Guaporé, que reunia terras de Mato Grosso e do Amazonas. Roquette-Pinto fez a viagem ao participar, a convite de Cândido Rondon, da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas que percorreu aquelas vastidões do Norte do país, travando contato com diversas tribos indígenas. Esgotado há mais de 30 anos, o livro ganhou recentemente a sua sétima edição, em lançamento conjunto da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Editora Fiocruz - que com a republicação lembram também os 50 anos de morte de Roquette-Pinto, que foi médico, antropólogo, radialista, escritor, cineasta e educador, entre outras atividades, etambém membro da ABL, para a qual foi eleito em 1927.

Um civilizado a quem a civilização não faria falta, porque seria capaz de reconstituí-la dentro da mata, adaptando-se ao meio e extraindo dela valores culturais, sem perda do instinto nativo, ou por um refinamento prodigioso desse mesmo instinto”.
(Carlos Drummond de Andrade)

Quem foi Edgar Roquette-Pinto?

“Médico, antropólogo e educador brasileiro, filho de Manuel Menelio Pinto e Josefina Roquette-Pinto Carneiro de Mendonça, nascido no Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo, em 25 de setembro de 1884, Roquette-Pinto foi o precursor da radiodifusão brasileira, sempre com o objetivo de difundir cultura e educação. Graduou-se em medicina, com especialização em medicina geral, mas logo rumou para a Antropologia, sendo nomeado professor assistente de antropologia do Museu Histórico Nacional em 1906.

Conheceu então uma das figuras mais marcantes para sua biografia e para história do Brasil, o Tenente-Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon. Roquette-Pinto acompanhou Rondon em uma de suas expedições à Serra do Norte, tendo contato com os índios Nhambiquaras e pioneiramente filmando uma civilização que ainda vivia na pré-história em plena alvorada do século XX. Filmava e tomava apontamentos a todo instante em seus cadernos de viagem.

Nessa expedição – e em toda a sua vida - foi etnógrafo, sociólogo, geógrafo, arqueólogo, botânico, zoólogo, linguista, farmacêutico, legista, fotógrafo, cineasta e folclorista. Com todas as experiências e anotações que trouxe na bagagem, Roquette-Pinto passou os 4 anos seguintes escrevendo um dos marcos da Etnografia brasileira, o livro ‘Rondônia’, que o levaria posteriormente à Academia Brasileira de Letras”. (Rádio FM 94,1 - Roquette-Pinto)

“No monstruoso percurso pelas selvas do Mato Grosso e do Amazonas e pelas bacias dos rios Paraguai, Jurena e Gi-Paraná, a morte acompanhou cada passo de Rondon, Roquette e seus homens. Dias e dias de caminhada podiam ser feitos sem sol visível, debaixo da espessa vegetação – e se avançassem um quilômetro por dia isso era considerado ótimo. O princípio da expedição era a pacificação dos Nhambiquaras, até então arredios a qualquer contato com o colonizador. Arredios e hostis. Os mateiros de Rondon eram flechados à distância por mãos invisíveis; outros eram capturados e devolvidos sem cabeças; e ainda outros se feriam nas armadilhas postas por eles. E havia as ameaças permanentes da selva, como os animais e as doenças - varíola, beribéri, impaludismo. Burros, cavalos e bois iam morrendo e sendo deixados para trás. Os Homens eram enterrados pelo caminho e Rondon batizava com seus nomes os acidentes geográficos do percurso. Mas, para o sacrifício de cada homem ou montaria, a expedição garantia um pedaço de chão que se incorporava efetivamente ao Brasil.

Para Roquette-Pinto, era tudo um milagre e esse milagre chamava-se Cândido Rondon. Sendo ele próprio mameluco por parte de avós indígenas, e falando os dialetos de várias tribos, Rondon conseguia repassar para os índios sua mensagem de paz – em nenhuma outra época, na história da América, o choque entre o ‘selvagem’ e o ‘civilizado’ foi tão suave e humano. Para isso, seu famoso lema, ‘Morrer, se preciso for, matar, nunca’, teve de ser, primeiro, entendido pelos brancos que o seguiam. (...)

Os Nhambiquaras contatados por Rondon e Roquette viviam na Idade da Pedra em 1912. Seus machados eram de pedra mal polida. As facas eram lascas de madeira. Não conheciam a navegação, a cerâmica ou as redes de dormir - donde atravessavam os rios a nado, comiam de mão para mão e dormiam direto no chão. Eram cobertos de bernes, pulgas e piolhos. Nunca tinham visto um homem branco ou negro. E o mal que faziam era, muitas vezes, por ingenuidade: ao ouvir o zumbido dos fios telegráficos, pensavam que o poste ocultava uma colméia e o derrubavam em busca do mel. Quando Rondon finalmente conseguiu que se aproximassem do acampamento (o que se deu a zero hora de uma noite memorável para Roquette), seus presentes para eles foram de um comovente simbolismo: machados de aço. Poucos anos depois, os Nhambiquaras, já ‘evoluídos’, iriam rir de seus velhos machados de pedra”. (Ruy Castro)

- Roquette e a Nova Raça

"É preciso ir lá para retemperar a confiança nos destinos da raça, e voltar desmentindo os pregoeiros de sua decadência. Não é, nem pode ser nação involuída, a que tem meia dúzia de homens capazes de tal heroísmo”. (Roquette Pinto)

Ao contrário das racistas teorias esposadas por pseudo-cientistas da época, Roquette acreditava na miscigenação e na formação de uma nova e formidável raça na ‘Terra Brasilis’. Contestava, veementemente, as teses, vigentes, de cientistas como Louis Agassiz e sua esposa Elizabeth Cary Agassiz que afirmavam categoricamente que: “Não se pode negar a deterioração causada pela mistura de raças, mais presente aqui do que em qualquer outro lugar do mundo. Ela está ceifando rapidamente as melhores qualidades do homem branco, do negro e do índio, deixando em seu lugar um tipo mestiço (mongrel) sem qualidades específicas, deficiente em suas energias físicas e mentais”.

- Roquette e Rondônia

“No futuro, mais precisamente em 1956, o crítico e ensaísta Álvaro Lins estabeleceria uma outra virtude de ‘Rondônia’: a literária. Segundo ele, era pela força estilista de seu tratado científico (e não pelos fracos contos e poemas que depois escreveria) que Roquette-Pinto fazia parte da literatura brasileira. E Gilberto Freyre, outro exigente no seu julgamento dos colegas, nunca deixaria de elogiar, ao lado da exuberante escrita de ‘Rondônia’, a ‘segura base cientifica’ de Roquette – distinção que não conferia a mais ninguém daquele tempo. Em seu livro ‘Ordem e Progresso’, Gilberto Freyre menciona treze vezes a seriedade de Roquette. O qual, não importavam as loas, sempre foi modesto ao falar de sua obra-prima: ‘É um instantâneo da situação social, antropológica e etnológica dos índios da Serra do Norte, antes que principiasse o trabalho de alteração que nossa cultura vai processando. É prova fotográfica – um clichê cru’.

Mas, naturalmente, era muito mais que isso. Suas experiências com os nativos e com os homens do sertão deram a Roquette os instrumentos para desfechar uma campanha anti-racista que atingiria em cheio o arianismo então vigente no Brasil. Para muitos naquela época (como para alguns ainda hoje), nossas mazelas seriam originárias da presença dos negros, mestiços e índios na composição racial brasileira. A tese original era do diplomata francês Joseph Arthur, conde de Gobineau (1816-1882), autor de uma teoria racial da História e que um dia resultaria no nazismo. Uma visão ‘benigna’ do problema, defendida pelo então diretor do Museu Nacional, o antropólogo João Batista de Lacerda, apostava no ‘embranquecimento’ do povo: em poucas décadas, os sucessivos cruzamentos extinguiriam a raça negra no Brasil... Mas Roquette, que via o Brasil como ‘um imenso laboratório de antropologia’, pensava diferente: ‘Nenhum dos tipos da população brasileira apresenta qualquer estigma de degeneração antropológica’, escreveu ele, ‘Ao contrário. As características de todos eles são as melhores que se poderiam desejar. (...) O número de indivíduos somaticamente deficientes em algumas regiões do pais é considerável. Isso, porém, não corre por conta de qualquer fator de ordem racial; deriva de causas patológicas cuja remoção, na maioria dos casos, independe da antropologia. É questão de política sanitária e educativa. (...) A antropologia prova que o homem no Brasil precisa ser educado e não substituído’. (Ruy Castro)

O livro enaltecia, sobremaneira, a figura notável de Rondon e para que o Brasil tivesse noção do quanto essa região devia a ele, propôs que o território, compreendido entre os 8° e 14° de latitude sul e entre 12° e 20° de longitude oeste viesse a se chamar Rondônia.

“A essas terras, ele sempre se referiria como ‘terras da Rondônia’, tais e tão importantes eram os elementos geológicos, geográficos, botânicos, zoológicos e etnográficos dela provenientes, através das expedições científicas de Rondon. Embora justificasse plenamente, desde 1915, a criação dessa província antropogeográfica, o nome de Rondônia só foi adotado para território brasileiro em 1956, quando o Congresso Nacional votou lei mudando o nome do Território do Guaporé, a fim de homenagear o Marechal Rondon.

Na ocasião, aliás, a Sociedade Brasileira de Geografia, em memorial dirigido ao Presidente da República, agradecia o gesto do Governo, mostrando, porém que, para manter a homenagem pretendida por Roquette-Pinto, seria preciso dividir a região em Rondônia Ocidental e Rondônia Oriental, a fim de que a denominação Rondônia pudesse alcançar águas do Juruena, onde foram notáveis as descobertas da Comissão Rondon. A Rondônia Ocidental seria o atual território, outrora denominado do Guaporé, e a Rondônia Oriental seria a região semi-virgem que prolonga aquela para o lado Leste, dentro do Estado de Mato Grosso, entrando em águas do Jurena. O memorial interpretativo da Sociedade Brasileira de Geografia não foi, contudo, levado em conta...” (Coutinho)

- Roquette-Pinto e a antropologia sul-americana

“Para Roquette-Pinto, a obra científica e social de Rondon não pode ser assaz admirada, conquistando milhares de quilômetros quadrados, fazendo de cada índio, cuja ferocidade não era lenda vã, e cuja animosidade sacrificou tantos homens, um amigo, abrindo à ciência um campo enorme de verificações e descobertas; à indústria, todas as riquezas de florestas seculares. Assinala, ao voltar da sua Rondônia, que, se como estudioso, as observações científicas que pode realizar - quase todas de grande alcance para o conhecimento da antropologia sul-americana - o encheram de alegria; brasileiro, deu-se por bem pago daqueles dias de privações e perigos, porque voltou daquelas terras com a alma refeita, ‘confiante na sua gente, que alguns acreditam fraca e incapaz, porque é povo magro e feio’.

Diz Roquette-Pinto: ‘São feios, efetivamente, aqueles sertanejos; muitos, além disso, vivem trabalhando, trabalhados pela doença. Pequenos e magros, enfermos e inestéticos, fortes, todavia, foram eles conquistando as terras ásperas por onde hoje se desdobra o caminho enorme que une o Norte ao Sul do Brasil, como um laço apocalíptico, amarrando os extremos da pátria’. (Coutinho)

Fontes: Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva - professor do CMPA (Colégio Militar de Porto Alegre) - Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB) - Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS) - hiramrs@terra.com.br ; Coutinho, Edilberto – Rondon - o civilizador da última fronteira - Brasil, Rio de Janeiro, 1969 – Olivé Editor.

19 de novembro de 2009

Tótens sem tabus

"La métamorphose du chamane" - escultura
Este trabalho notável de Antonio Valera & Juan Carlos Taminchi mostra a metamorfose interior do xamã ao longo da integração dos "animais totêmicos". Um cachimbo que ele segura na mão é a característica essencial da representação do xamã, contendo uma das plantas professoras da Amazônia: o tabaco, este de que de modo ritual se consome sem tragar a fumaça. Essa fumaça define a essência imaterial do mundo xamânico.
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Os animais totêmicos são as energias interiores que são necessários saber incorporar para aceder sem dificuldades aos mundos das consciências eternais (espíritos) ou mundo dos mortos (a Aya-uaska, uma outra planta sagrada que nos permite esse acesso e quer dizer literalmente "a liana dos mortos").
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Fonte: Veja outras obras de arte do grupo em Art Sacré (Facebook)

16 de novembro de 2009

Ticunas contra as FARC

Os índios Ticunas, no Amazonas, dizem ter uma milícia com 1.500 voluntários, armados com cassetetes e espingardas, supostamente para combater consumo de álcool e tráfico de drogas nas aldeias. A maioria dos índios aprova as milícias, mas há conflitos.
No último dia 2 de novembro, índios milicianos foram apedrejados e reagiram a tiros, e desse conflito resultaram 11 pessoas feridas. A Polícia Federal investiga dois assassinatos e abusos cometidos por essas milícias de índios brasileiros na fronteira com a Colômbia e o Peru, e o treinamento recebido por elas, dado por membro das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, organização terrorista e traficante de cocaína).
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Essas milícias de índios ticunas foram criadas neste ano supostamente para combater o consumo de álcool e o tráfico de drogas nas aldeias. Os integrantes rejeitam o rótulo de milícias e afirmam ser uma "polícia indígena". Dizem que a organização, chamada de Piasol (Polícia Indígena do Alto Solimões) ou SPI (Serviço de Proteção ao Índio), foi criada porque a Polícia Federal e a Funai não impediam a alta incidência de crimes na região do Alto Solimões.
Entre os 36 mil ticunas, dizem ter 1.500 voluntários (3% são mulheres), muitos recrutados entre egressos do Exército.Os indícios da relação das milícias de índios com a organização terrorista e traficante de cocaína das Farc, da Colômbia, surgiram na comunidade de Campo Alegre, em São Paulo de Olivença, onde há 300 milicianos. Uma hipótese é um possível interesse das Farc no fortalecimento de um grupo paramilitar aliado; a outra, a de que guerrilheiros se solidarizam porque há ticunas nas fileiras das Farc.

Fonte: Vide Versus. Imagem da violencia: Homem Culto. Leiam mais sobre as FARC em PasseiWeb. Conheçam o movimento Colombia Soy Yo.

11 de novembro de 2009

Princesa Ticuna


O Grupo Eware, da tribo Ticuna, já faz sucesso no Peru e na Colômbia. O cantor Netinho, líder da banda, produziu e editou o clipe da música ” Minha princesa”, agora no Youtube. A etnia Ticuna (também conhecida como Tukúna) celebra a paz com música e dança, na aldeia Umariaçu, em Tabatinga (AM). Dois grupos já fazem sucesso no Peru e na Colômbia e um deles, o Eware, gravou um clipe para a música “Minha princesa”, agora divulgado na internet.

A nossa banda apresenta desde o forró brasileiro até a cumbia peruana. O nosso CD já está pronto, só falta levar para as prateleiras das lojas. Dá um trabalho danado. Foram vários dias de gravação e quase um dia inteiro para editar as imagens e fazer a montagem. Eu mesmo que cuidei disso”, disse Netinho. “Estamos felizes com o sucesso das duas músicas. Por isso fizemos o clipe. É a nossa forma de pedir paz. Na tribo Ticuna, ninguém fica triste. Não temos nada com as Farc e com essa violência envolvendo traficantes e guerrilheiros na nossa região amazônica. Vivemos na nossa aldeia e isso já é suficiente para sermos felizes".

Fonte: Web Brasil Indígena. Leiam mais sobre os Ticuna em Rosane Volpatto.

10 de novembro de 2009

Rapé dos Apurinã

Antônio Milena/AE
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Flademilson Apurinã, agente de saúde índígena da Funasa, prepara o rapé, com folha que, na crença indígena, é boa para gripe, na aldeia indígena dos Apurinã, em Tapuã, no Amazonas. Os Apurinã, que se autodenominam Popingá ou Kangitê, são um grupo de língua Aruak que habita a região do médio e alto rio Purus na Amazônia. Estima-se que a população total Apurinã esteja, atualmente, em torno de 2000 pessoas, conforme dados da FUNAI, em 2001, distribuídas em 49 comunidades nas regiões dos municípios de Boca do Acre (6 comunidades) e Pauini (43 comunidades), no Amazonas, ao longo da BR 317.

Para se conhecer mais sobre os Apurinã, pode-se ler na web: "Tronco velho, histórias apurinã", de Juliana Schiel (Unicamp). De acordo com a autora da tese, a história mais recorrente narrada pelos índios tinha como enredo a criação do mundo, em variadas versões. Elas falavam de Tsora, o “Deus” dos Apurinã, “criador de todas as coisas”. Também surgiram narrativas sobre a migração daquele povo. Uma delas falava da saída de uma terra sagrada, esta última localizada para além do mar. Encantados pelas frutas que encontraram pelo caminho, vários indivíduos optaram por se estabelecer antes de alcançar o destino final, decisão que teria lhes custado a imortalidade. Um aspecto que chamou a atenção de Juliana, que se valeu de um tradutor Apurinã, foi a beleza das histórias, construídas com sutilezas e contadas com habilidade dramática pelos índios, principalmente os mais velhos. Ao se referirem a animais, por exemplo, eles imitavam os sons dos bichos. “Em Apurinã, as histórias são quase que só onomatopéias”, revela. Atualmente, destaca Juliana, ocorrem reuniões cotidianas em comunidades e aldeias, durante as quais são feitas narrativas. Nessas ocasiões, os índios mascam uma folha denominada katsoparu, que poderia ser uma variedade da folha da coca, e tomam rapé (awire, em Apurinã), uma mistura de tabaco com cascas de árvores.

Os Apurinã da área 45 não possuem meios de telecomunicação. Para entrar em contato com eles: Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre - PESACRE, Rio Branco, AC - e-mail: pesacre@pesacre.org.br , ou através do seu representante comercial Amazon - Fairtrade (Michael F.Schmidlehner ME): michael@amazonlink.org fone/fax: +55 68- 3223 8085

Fonte: Jornal da Unicamp

9 de novembro de 2009

Sian Kanabixi em missão


Visitando o nordeste brasileiro em missão de apresentar e representar a Cultura viva e as ciências florestais do Povo Hunikuin do Estado do Acre, entrevistei o jovem pajé Siã Kanabixi em São Luís do Maranhão na casa da família do Mestre Irineu Serra, querendo saber dele algo mais sobre os fundamentos de seu trabalho de pajelança com a aiauasca:

- Sian, fale um pouco sobre como é a formação de pajé em sua cultura e como os jovens hunikuins vêm se interessando em aprender essa ciência?
- Primeiro eu tenho que dizer que a pajelança hunikuin é um trabalho de muito respeito e lida com muitas forças espirituais, fazendo a comunicação diretamente com os espíritos das plantas e dos animais, como a jibóia e outros que dizemos encantados, além do espírito da água, da terra, dos astros. Então para nós é uma função dentro da coletividade da maior importância, pois cabe ao pajé coordenar os rituais tradicionais da cultura, ou seja, manter a cultura viva. Eu comecei a tomar nishipae (aiauasca) com idade de oito anos, porque meu avô pediu à minha mãe para me iniciar. Depois desse tempo, fui retomar mais tarde, aos treze anos, quando morando na Aldeia Nova Olinda, no Rio Envira, convivi com parentes que conheciam a tradição da bebida mas não estavam trabalhando com ela, e quando eu recebi um sinal na mata me ensinando a conhecer o cipó, e levei uma amostra desse cipó, que encontrei por permissão das forças da natureza mesmo, o pajé de lá ficou muito feliz desse acontecimento e foi essa a primeira vez que eu preparei o nishipae, e assim é que eu também me interessei em começar a aprender os cantos tradicionais do "huni meka" para acompanhar as tomas de aiauasca. Aos dezesseis anos voltei para meu município de origem, que é Tarauacá, indo morar na Aldeia Binkuin na Terra Indígena do Igarapé do Caucho, e lá fui escolhido como primeiro coordenador de cultura deles, responsabilizando-me por todas as atividades de nossa tradição como os rituais de batismo, katxatirim, a preparação dos rapés, tudo isso... Então assim como eu felizmente existem muitos jovens hunikuins que vêm dedicando-se a esse estudo, formando-se novos pajés a partir da dedicação de nossos mais velhos em ensinar tudo aquilo de bom que tem a nossa cultura. Nesse sentido o pessoal de Tarauacá, Jordão e Marechal Taumaturgo são privilegiados por terem mais chance de ter esses professores que são os pajés antigos, sei que em outras terras indígenas muitas vezes faz falta ter alguém que possa ensinar, mas nossa intenção é usar a tecnologia de agora para facilitar essa comunicação e poder expandir esse conhecimento entre todos nossos parentes.

- Como é a relação entre o pessoal das cidades acreanas ligado às igrejas da aiauasca (Daime ou Vegetal) e vocês, indígenas, que são origem desse conhecimento do uso da aiauasca para as curas?
- Eu mesmo não sabia da existência dessas igrejas até meus dezesseis anos, quando conheci no município de Feijó a "União do Vegetal em Cristo", do Irmão José, que foi uma pessoa que muito tempo atrás foi iniciado com o Mestre Irineu e formou lá uma escola espiritual própria e de muita luz no astral. Fiquei maravilhado com esse trabalho e busquei também expandir esse estudo para os parentes que se interessassem nessa formação cristã. Mas outros parentes meus já conheciam principalmente o Daime, pela convivência com sertanistas que conheciam os hinários do Alto Santo e cantavam entre nós quando tomavam aiauasca nas aldeias, em especial os txais Antonio Macedo e Terri Aquino. Lá no Jordão e no Alto Envira a produção de couro vegetal surgiu também como um projeto da União do Vegetal (UDV), e até hoje tem centro deles lá nos municípios. Eu ajudei então a formar em minha aldeia uma escola da doutrina do Santo Daime, coordenado na terra e no astral pelo Mestre-Império Juramidam, e foi interessante que a instrução que foi recebida para isto deixou claro que a tradição do nishipae continuaria sendo trabalhada, com mais vigor, em sua casinha própria, sem mistura com outras manifestações em língua portuguesa: ali só se canta e só se fala em nosso próprio idioma que é o rã-txa-kuin. Já o centro do daime é utilizado só para as sessões da linha do Mestre mesmo, pois é muito bom que cada estudo tenha seu setor próprio. Hoje temos em Tarauacá o Centro de Iluminação Cristã Patriarca São José, e na Terra Indígena do Humaitá fica a primeira sede, chamada "Jesus, Maria e José". Mas a convivência com a irmandade daimista do Brasil e do mundo é sempre a melhor possível, já que nossos interesses são comuns desde que estejamos preservando e zelando nossa Mãe Natureza.

- Qual o objetivo desta sua viagem ao nordeste?
- Eu venho com pouco tempo, porque estou comprometido em ir conduzindo a próxima expedição da Frente de Contato com os Índios Isolados da Funai, que irá em dezembro no Alto Humaitá, e essa é uma função muito importante para a qual fui escolhido. Mesmo assim eu quis vir, primeiramente ao Maranhão para conhecer a terra natal do Mestre Irineu e o trabalho que sua família está construindo em São José do Ribamar com o Centro de Iluminação Cristã Estrela Brilhante, aqui com o padrinho Daniel Serra, o que me deixa muito feliz de estar realizando esse sonho e conseguir aqui uma conexão direta com essa missão dele. Além disso, estou dedicado a abrir caminhos para futuros projetos da Federação Hunikuin, que representa toda a população de minha etnia no Acre, no tocante a divulgação e comercialização de nosso artesanato. As pajelanças que estou realizando, e nas próximas semanas estarei no Ceará, Paraíba e Pernambuco nesse roteiro, têm a finalidade de trazer força para esta união dos amigos da floresta e zeladores da natureza, sendo também um meio de trazer um pouco da nossa cultura para a apreciação dos irmãos nordestinos que nas suas origens tem os trabalhos com a jurema como manifestação indígena também, de resistência mesmo contra a invasão da cultura européia, e podem conhecer no nishipae nossa celebração e nosso congraçamento.

Maiores informações e contatos com Siã: siankanabixi@gmail.com

Querem punir os índios pelos crimes dos brancos

Mapa do Imazon mostra as terras indígenas (em laranja) e pontos da devastação ocorrida em setembro (em vermelho). Segundo o instituto, apenas 3% do desmatamento desse período ocorreu dentro de reservas indígenas, apesar delas ocuparem 21,6% da Amazônia. (Foto: Imazon/Divulgação)

A Câmara analisa o Projeto de Lei 5442/09, do deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), que retira o usufruto das terras indígenas onde seus habitantes cometerem crimes ambientais - previstos na Lei de Crimes Ambientais (9.605/98). A medida valerá apenas para as ações transitadas em julgado . "Quando a União destina uma determinada área para o usufruto indígena, centenas de agricultores, posseiros de boa-fé e proprietários são expulsos para que seja entregue e ocupada unicamente pelos índios", destacou o parlamentar.

Para o deputado, constatado o uso criminoso de determinada gleba, "nada mais justo que ela seja desafetada e possa vir a ter nova destinação, transformando-se numa unidade de conservação da natureza, ou, se vocacionada para as atividades agropecuárias, possa ser destinada ao assentamento de trabalhadores rurais", acrescentou.

A proposta não detalha se a regra terá aplicação distinta se o crime for cometido individual ou coletivamente. O projeto será analisado em caráter conclusivoa pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Direitos Humanos e Minorias; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
A meu ver, o deputado está muito alienado da realidade das terras indígenas, onde os verdadeiros corruptores e agentes de devastação são os brasileiros dos arredores que consideram os índios ingênuos e medrosos:
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"A ideia, segundo o autor do projeto, o deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), é que os próprios índios se fiscalizem. “O objetivo maior não é puni-los, mas que eles sejam responsabilidades por atividades para as quais hoje se faz vista grossa”, afirma.

Pelo projeto de lei, qualquer condenação em última instância – depois que são apresentados todos os recursos – por um crime ambiental cometido em uma terra indígena faria com que essa reserva fosse cancelada, e todas as pessoas que morassem ali perdessem o direito de viver no local. “Se você tiver uma exploração ilegal em uma área de uma determinada tribo, é quase certo que isso é do conhecimento de todos, e se eles ignoram, são coniventes”, diz Ubiali.

Para a advogada Paula Souto Maior, do Instituto Socioambiental (ISA), o projeto fere a constituição, pois estabelece uma punição coletiva aos indígenas. “A pena não pode passar para a família da pessoa que cometeu o ato ilegal”, afirma.

Segundo Ubiali, contudo, a punição à comunidade toda pode ser aplicada no caso dos índios. “É uma punição coletiva porque o crime é coletivo. Na tribo, você não tem um indivíduo cometendo um ilícito. Não há a figura do indivíduo dentro de uma tribo. A tribo tem um comportamento como um todo”, argumenta o parlamentar.

O líder indígena Aílton Krenak, conhecido por defender a Amazônia junto com Chico Mendes na década de 1980, discorda do deputado. Segundo ele, cada pessoa deve ser tratada separadamente e a própria legislação brasileira já prevê punição individual para índios que cometem crimes. “Como se pode dizer que crianças, velhos e outras pessoas da comunidade devam responder por quem cometeu um crime?”, questiona.

Apesar de haver problemas ambientais dentro de terras indígenas, esse é o tipo de reserva em que há menos desmatamento. Segundo os dados de devastação de setembro de 2009, publicados pela ONG Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), houve 216 km² de desmatamento nesse mês. Desses, apenas 5 km² (3%) teriam ocorrido dentro de terras indígenas, apesar desses territórios ocuparem 21,6% da Amazônia brasileira. Os parques e reservas estaduais, por sua vez, sofreram 15 km² de desmatamento, e ocupam 20% da Amazônia.

“As terras indígenas têm se mostrado mais eficazes para a conservação da floresta do que as unidades de conservação [parques e reservas] que se beneficiam do aparato do Ibama, das secretarias de meio ambiente dos estados, e que têm gente trabalhando fazendo a manutenção e monitoramento dessas unidades”, diz Krenak.

Questionado sobre a possibilidade de seu projeto ser aplicado também a propriedades privadas, Ubiali afirma que pretende apresentar uma emenda para que donos de terra também possam perder suas fazendas. De acordo com ele, a ideia será apresentada durante as discussões na Câmara para alterar o Código Florestal – lei que define, entre outras coisas, o quanto deve ser preservado dentro de cada terreno rural.

A proposta sobre terras indígenas tramita na Comissão de Meio Ambiente e, caso seja aprovada por essa e outras comissões, não precisará ir para votação no plenário para seguir ao Senado".

Fonte: Reportagem de Iberê Tenório em Globo Amazônia.

8 de novembro de 2009

Tem abacaxi polonês na aldeia


Curiosidade: uma propaganda européia mostra um refrigerante de abacaxi chegando a uma aldeia indígena da Amazônia e a reação dos "selvagens" moradores.

Kofola é um dos principais produtores de refrigerantes na Europa Oriental. A empresa está presente na República Checa, Eslováquia, Polónia e Hungria, bem como a exportação dos seus prodcuts para outros países. Em 2005, uma moderna unidade de produção foi aberta na cidade polaca de Kutno. O portfólio de produtos Kofola inclui uma cola tradicional, com base em uma receita original 'Kofola', uma linha de sucos de frutas 'Jupi', xaropes e uma gama de refrigerantes para as crianças.

Para mais informações sobre Kofola e seus produtos, visitem os sites: www.jupiland.com www.kofola.pl e www.jupik.com.

Mapuches sem Pátria

Jovens e anciãs mapuche em cerimônia wiñoy xipantu em Neuquén.

A questão é exemplar e muito importante, mas muito pouco veiculada nos meios de comunicação no Brasil, motivo pelo qual traduzo aqui o artigo "O debate mapuche", de Dario Aranda, publicado no jornal argentino Pagina 12:

"Comunidades indígenas e acadêmicos advertem sobre uma ofensiva midiática e judicial contra os Mapuche, que busca “demonstrar” que provêm do Chile para negar-lhes direitos sobre as terras. O avanço contra o Povo Mapuche aparece em um contexto de crescente reivindicação de seus direitos, o pedido de judicialização dos movimentos sociais e o recente assassinato de um membro do povo diaguita em Tucumán.
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"Os mapuches provêm do Chile". "Os mapuches mataram aos tehuelches, que eram indígenas argentinos, bons e serviçais". "Os mapuches não têm direitos sobre os territórios que ocuparam". Os três eixos conformam a cadeia argumentativa utilizada na "Campanha para o Deserto", que foi retomada com insistência nos últimos meses pelos grandes fazendeiros nucleados na Sociedade Rural e os meios de comunicação que lhe são afins para exigir repressão frente às reclamações dos povos originários.
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O mundo acadêmico, que sobre a base de provas contundentes tinha dado por encerrado o debate, reagiu primeiro com rechaço e logo com preocupação. “A Faculdade de Filosofia e Letras da UBA repudia a aparição de artigos jornalísticos que desacreditam a pré-existência do povo originário mapuche, desconhecendo legislações vigentes e a produção científica das últimas décadas”, denuncia um comunicado do Conselho Diretivo dessa casa de estudos.
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O ataque contra o pueblo mapuche aparece em um contexto de crescente reivindicação de seus direitos (com o correlativo aumento da conflitividade), o pedido de judicialização dos movimentos sociais e o recente assassinato de um membro do povo diaguita em Tucumán.
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Crecencio Pilquimán tem 73 anos e sempre viveu em Paraje Cerro Bayo, no inóspito deserto de Chubut. É membro da comunidade aborígene Lagunita Salada, Gorro Frigio e Cerro Bayo. Em 2007 teve que recorrer à Justiça porque o Instituto Autárquico de Colonización (IAC) havia cedido campos comunitários a um fazendeiro da zona. Segundo deixa claro a Constituição Nacional, a Constituição Provincial e o Convênio 169 da OIT, se devia consultar à comunidade antes de decidir qualquer medida que possa afetá-la. Mas nem sequer se lhe informou.
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Houve uma primeira medida favorável à comunidade, mas logo a Justiça rechaçou a ação de amparo, apesar de demonstrar-se que no predio havia um cemitério onde jaziam seus antepassados. O caso chegou à Corte Suprema de Justiça, que ainda não se manifestou. Mas o particular e preocupante foi que o advogado do fazendeiro, Eduardo Zabaleta, se baseou na suposta “chilenidade” do povo mapuche para negar-lhe o direito a seu território. Utilizou como fonte e contratou como perito ao "historiador" patagônico Rodolfo Casamiquela (funcionario na ditadura militar), referente da teoria de mapuches invasores e assassinos.

“A particularidade do caso é a utilização de um argumento errôneo, amplamente difundido como certo na opinião pública, mas refutado pela história e pela antropologia, que pretende demonizar ao povo mapuche e arrebatar-lhe direitos estipulados na Carta Magna e tratados supranacionais”, explicou Eduardo Hualpa, advogado especializado em direito indígena e defensor de Pilquimán.
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A Confederação Mapuche de Neuquén (CMN) é hoje o alvo de certos meios de comunicação e fazendeiros. À frente da ofensiva está o empresário Carlos “Nuno” Sapag (irmão do governador de Neuquén, Jorge Sapag), integrante ativo da Sociedade Rural. “São respaldados por membros das FARC e terroristas de ETA que se encontram no Chile. Têm armas e se financiam com o narcotráfico”, afirmou Sapag em uma entrevista. A única prova foi um artigo do conservador diário chileno El Mercurio.
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A Confederação Mapuche informou que as comunidades enfrentam 32 causas penais (com mais de 150 imputados), advertiu sobre a “discriminação racial institucionalizada”, a falta de titulação de territórios, o avanço de empresas extrativas, os desalojamentos compulsivos e a criminalização crescente.

“A razão fundamental desta perseguição midiática se deve a que o povo mapuche quer trazer à luz a maneira fraudulenta e ilegal em que se apropiaram da terra indígena, mal chamada ‘terra pública’, onde privados especuladores contaram com a cumplicidade de organismos públicos. É urgente um pacto com o Estado para gerar a restituição territorial”, afirmou Jorge Nahuel, porta-voz da Confederação. Diante da continuada ação desses meios de comunicação, a Confederação lançou um comunicado. “Nos inventam desoriginados, alheios, afastados. No Chile dizem que somos de Argentina, que os invadimos. Em Argentina repetem que somos de Chile. Tais transmigrações se produziram quando nem Chile nem Argentina haviam nascido”, explicam e comparam: “Às multinacionais mineradoras e petroleiras que nos saqueiam ninguém lhes pede explicações sobre suas origens e as leis as protegem com eficácia”.
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No polêmico e não-resolvido caso Pilquimán, o Tribunal não se manifestou sobre o fato histórico, mas solicitou pericias científicas à Unidade de Antropologia e Arqueologia do Centro Nacional Patagônico (Cenpat), representada por seu diretor, Julio Vezub. “O registro arqueológico, histórico e etnográfico documenta o povoamento milenar do interior patagônico (...) e a continuidade étnica e familiar entre os atores (comunidade indígena) e a ocupação histórica, anterior à expansão do Estado nacional e a chegada dos imigrantes”, precisa Vezub, e rebate falsas verdades: “As classificações rígidas que associam mapuche com indígena chileno e tehuelche com indígena argentino foram desestimadas pela ciência antropológica e histórica dos últimos trinta anos. Estas identidades se anteciparam ao traçado dos limites nacionais e se configuraram territorialmente a ambos lados da cordilheira dos Andes”.
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A antropóloga, docente e pesquisadora da UBA Diana Lenton também se apresentou na causa judicial. Recordou que esse discurso (do “haver chegado depois”) foi utilizado recorrentemente durante a Campanha para o Deserto e até na década de ’30 para despojar aos indígenas de seus territórios e para deslegitimar seus reclamos. “O mesmo tópico argumentativo surge uma e outra vez. Adquire maior importância se advertimos que o discurso legal constrói seus contextos em base a (esses) outros discursos”, alerta.
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Na última semana de outubro, e numa medida não usual, o Conselho Diretivo da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA emitiu uma “declaração de repúdio ante a aparição de numerosos artigos jornalísticos que agravam ao povo mapuche”. Só menciona ao diário La Nación, mas adverte sobre outros meios de circulação regional na Patagônia. “A luta do povo mapuche pela terra vem sendo silenciada e reprimida pela pressão que exercem os interesses de grandes corporações imobiliárias na região. Estas notas não são alheias a estes interesses, dado que tergiversam os conteúdos das reivindicações mapuches reproduzindo uma perspectiva racista e essencialista acerca dos processos identitários”, denuncia a faculdade e insta aos meios massivos de comunicação a “abordar a temática com a complexidade e responsabilidade correspondente."

Publicado por Radio Mapuche Wajzugun . Leiam mais sobre a Cultura Mapuche e sua riquíssima Cosmologia em Astronomia Chile