8 de novembro de 2009

Mapuches sem Pátria

Jovens e anciãs mapuche em cerimônia wiñoy xipantu em Neuquén.

A questão é exemplar e muito importante, mas muito pouco veiculada nos meios de comunicação no Brasil, motivo pelo qual traduzo aqui o artigo "O debate mapuche", de Dario Aranda, publicado no jornal argentino Pagina 12:

"Comunidades indígenas e acadêmicos advertem sobre uma ofensiva midiática e judicial contra os Mapuche, que busca “demonstrar” que provêm do Chile para negar-lhes direitos sobre as terras. O avanço contra o Povo Mapuche aparece em um contexto de crescente reivindicação de seus direitos, o pedido de judicialização dos movimentos sociais e o recente assassinato de um membro do povo diaguita em Tucumán.
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"Os mapuches provêm do Chile". "Os mapuches mataram aos tehuelches, que eram indígenas argentinos, bons e serviçais". "Os mapuches não têm direitos sobre os territórios que ocuparam". Os três eixos conformam a cadeia argumentativa utilizada na "Campanha para o Deserto", que foi retomada com insistência nos últimos meses pelos grandes fazendeiros nucleados na Sociedade Rural e os meios de comunicação que lhe são afins para exigir repressão frente às reclamações dos povos originários.
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O mundo acadêmico, que sobre a base de provas contundentes tinha dado por encerrado o debate, reagiu primeiro com rechaço e logo com preocupação. “A Faculdade de Filosofia e Letras da UBA repudia a aparição de artigos jornalísticos que desacreditam a pré-existência do povo originário mapuche, desconhecendo legislações vigentes e a produção científica das últimas décadas”, denuncia um comunicado do Conselho Diretivo dessa casa de estudos.
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O ataque contra o pueblo mapuche aparece em um contexto de crescente reivindicação de seus direitos (com o correlativo aumento da conflitividade), o pedido de judicialização dos movimentos sociais e o recente assassinato de um membro do povo diaguita em Tucumán.
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Crecencio Pilquimán tem 73 anos e sempre viveu em Paraje Cerro Bayo, no inóspito deserto de Chubut. É membro da comunidade aborígene Lagunita Salada, Gorro Frigio e Cerro Bayo. Em 2007 teve que recorrer à Justiça porque o Instituto Autárquico de Colonización (IAC) havia cedido campos comunitários a um fazendeiro da zona. Segundo deixa claro a Constituição Nacional, a Constituição Provincial e o Convênio 169 da OIT, se devia consultar à comunidade antes de decidir qualquer medida que possa afetá-la. Mas nem sequer se lhe informou.
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Houve uma primeira medida favorável à comunidade, mas logo a Justiça rechaçou a ação de amparo, apesar de demonstrar-se que no predio havia um cemitério onde jaziam seus antepassados. O caso chegou à Corte Suprema de Justiça, que ainda não se manifestou. Mas o particular e preocupante foi que o advogado do fazendeiro, Eduardo Zabaleta, se baseou na suposta “chilenidade” do povo mapuche para negar-lhe o direito a seu território. Utilizou como fonte e contratou como perito ao "historiador" patagônico Rodolfo Casamiquela (funcionario na ditadura militar), referente da teoria de mapuches invasores e assassinos.

“A particularidade do caso é a utilização de um argumento errôneo, amplamente difundido como certo na opinião pública, mas refutado pela história e pela antropologia, que pretende demonizar ao povo mapuche e arrebatar-lhe direitos estipulados na Carta Magna e tratados supranacionais”, explicou Eduardo Hualpa, advogado especializado em direito indígena e defensor de Pilquimán.
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A Confederação Mapuche de Neuquén (CMN) é hoje o alvo de certos meios de comunicação e fazendeiros. À frente da ofensiva está o empresário Carlos “Nuno” Sapag (irmão do governador de Neuquén, Jorge Sapag), integrante ativo da Sociedade Rural. “São respaldados por membros das FARC e terroristas de ETA que se encontram no Chile. Têm armas e se financiam com o narcotráfico”, afirmou Sapag em uma entrevista. A única prova foi um artigo do conservador diário chileno El Mercurio.
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A Confederação Mapuche informou que as comunidades enfrentam 32 causas penais (com mais de 150 imputados), advertiu sobre a “discriminação racial institucionalizada”, a falta de titulação de territórios, o avanço de empresas extrativas, os desalojamentos compulsivos e a criminalização crescente.

“A razão fundamental desta perseguição midiática se deve a que o povo mapuche quer trazer à luz a maneira fraudulenta e ilegal em que se apropiaram da terra indígena, mal chamada ‘terra pública’, onde privados especuladores contaram com a cumplicidade de organismos públicos. É urgente um pacto com o Estado para gerar a restituição territorial”, afirmou Jorge Nahuel, porta-voz da Confederação. Diante da continuada ação desses meios de comunicação, a Confederação lançou um comunicado. “Nos inventam desoriginados, alheios, afastados. No Chile dizem que somos de Argentina, que os invadimos. Em Argentina repetem que somos de Chile. Tais transmigrações se produziram quando nem Chile nem Argentina haviam nascido”, explicam e comparam: “Às multinacionais mineradoras e petroleiras que nos saqueiam ninguém lhes pede explicações sobre suas origens e as leis as protegem com eficácia”.
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No polêmico e não-resolvido caso Pilquimán, o Tribunal não se manifestou sobre o fato histórico, mas solicitou pericias científicas à Unidade de Antropologia e Arqueologia do Centro Nacional Patagônico (Cenpat), representada por seu diretor, Julio Vezub. “O registro arqueológico, histórico e etnográfico documenta o povoamento milenar do interior patagônico (...) e a continuidade étnica e familiar entre os atores (comunidade indígena) e a ocupação histórica, anterior à expansão do Estado nacional e a chegada dos imigrantes”, precisa Vezub, e rebate falsas verdades: “As classificações rígidas que associam mapuche com indígena chileno e tehuelche com indígena argentino foram desestimadas pela ciência antropológica e histórica dos últimos trinta anos. Estas identidades se anteciparam ao traçado dos limites nacionais e se configuraram territorialmente a ambos lados da cordilheira dos Andes”.
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A antropóloga, docente e pesquisadora da UBA Diana Lenton também se apresentou na causa judicial. Recordou que esse discurso (do “haver chegado depois”) foi utilizado recorrentemente durante a Campanha para o Deserto e até na década de ’30 para despojar aos indígenas de seus territórios e para deslegitimar seus reclamos. “O mesmo tópico argumentativo surge uma e outra vez. Adquire maior importância se advertimos que o discurso legal constrói seus contextos em base a (esses) outros discursos”, alerta.
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Na última semana de outubro, e numa medida não usual, o Conselho Diretivo da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA emitiu uma “declaração de repúdio ante a aparição de numerosos artigos jornalísticos que agravam ao povo mapuche”. Só menciona ao diário La Nación, mas adverte sobre outros meios de circulação regional na Patagônia. “A luta do povo mapuche pela terra vem sendo silenciada e reprimida pela pressão que exercem os interesses de grandes corporações imobiliárias na região. Estas notas não são alheias a estes interesses, dado que tergiversam os conteúdos das reivindicações mapuches reproduzindo uma perspectiva racista e essencialista acerca dos processos identitários”, denuncia a faculdade e insta aos meios massivos de comunicação a “abordar a temática com a complexidade e responsabilidade correspondente."

Publicado por Radio Mapuche Wajzugun . Leiam mais sobre a Cultura Mapuche e sua riquíssima Cosmologia em Astronomia Chile

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