30 de março de 2009

O salto quântico do Jaguar


Um "teaser" bacana esse que acaba de chegar no YouTube: uma onça-pintada (otorongo, jaguar, inu...), que é animal mitológico da maioria das tribos amazônicas, come folhas enteógenas e tem visões...

Fonte: Just Herbs

E Iaçá subiu pro céu...

Arco-íris sobre a floresta de Ulu Baram. photo by AFP / Getty

"Iaçá não queria casar, fazia birra contra o noivo até que sua mãe se irritou e mandou que a menina dormisse ao relento. Naquela noite, o sereno estava forte, Iaçá não aguentou o frio e, chorando, implorou que a mãe abrisse a porta de casa. A mãe abriu furiosa. Matou a filha a pauladas, cortou a cabeça da jovem e jogou o corpo no rio. A cabeça desandou a rolar, rolar, rolar, em volta da casa. Pensava em que se transformaria: fruta ou legume seria comida; rio seria bebida; pau seria derrubada; terra seria pisada; caça seria morta; palha de palmeira, fariam dela uma casa. ‘‘Eu vou ser Lua’’, decidiu Iaçá. Arranjou dois novelos de linha e chamou o urubu que vive na banda de dentro do céu. O urubu aceitou o chamado e voltou para o céu levando os dois novelos de linha. Prendeu uma ponta na cabeça da índia e carregou com os dentes a outra extremidade. Subiu, subiu, subiu ao céu. A cabeça virou a lua, os olhos arrancados pelo urubu transformaram-se em estrelas. E o sangue que caía do céu desenhou o arco-íris... "

Fonte: "Rã-txa hu-ni-ku-ĩ, a Língua dos Caxinauás", obra pioneira da etnografia brasileira por João Capistrano de Abreu.

28 de março de 2009

Planeta Água

Declaração Universal dos Direitos da Água

Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta.Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.

Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta.Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.

Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.

Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.

Art. 5º - A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.

Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.

Art. 8º - A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.

Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

Art. 10º - O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.

Esta declaração foi lançada pela ONU no dia 22 de março de 1992, e ainda hoje debatemos se a água é ou não um direito humano!

Visitem o Livro das Águas, do site da WWF.

Ação Ecológica pelo Bom Viver

O presidente do Equador, Rafael Correa, durante entrevista coletiva à imprensa Foto: Marcello Casal Jr/ABr

A Coordenadora Andina de Organizações Indígenas (CAOI), que integra entidades da Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Chile e Argentina, divulgou comunicado no último dia 13 afirmando que a Lei de Recursos Hídricos, aprovada no Peru, faz parte de uma ofensiva neoliberal na região. "Continuemos articulando propostas contra a crise da civilização capitalista. Povos indígenas oferecem o Bom Viver como garantia de sobrevivência para a humanidade", declara a organização.
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Segundo o comunicado, a ofensiva neoliberal recrudesce na Região Andina. Como exemplos, citam a aprovação da Lei Mineira no Equador e a nova Lei de Recursos Hídricos no Peru, assim como a utilização de territórios indígenas na Colômbia como cenário de guerra e a reforma constitucional que desconhece os direitos e a existência dos povos indígenas em debate no Chile.
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"Tudo isso nos obriga a insistir na pergunta: para quem governam os poderes do Estado em nossos países? A resposta é óbvia: para as multinacionais, únicas beneficiárias da globalização neoliberal que impõe tratados de livre comércio que violam gravemente os direitos dos povos indígenas e os direitos econômicos, sociais, políticos e ambientais de toda a sociedade, além de ignorar os mais elementares princípios de soberania nacional", ressalta o documento.

A CAOI denuncia que a aprovação da Lei de Recursos Hídricos faz parte do conjunto de normas emitidas pelo Estado peruano para adequar a legislação nacional ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. "O TLC com o Chile e o que se negocia com a União Européia, que busca também favorecer as multinacionais desse continente para manejar recursos hídricos, vão no mesmo sentido. E constituem graves ameaças para a vida", acrescenta. A entidade afirma que a lei foi aprovada violando um consenso realizado entre organizações camponesas, agrárias e indígenas.

Os indígenas destacam a importância das cabeceiras das bacias. Segundo eles, as águas nascem nos Andes em território de Comunidades Camponesas: "As cabeceiras de bacia devem ser preservadas, protegidas e declaradas como zona intangível e de interesse nacional pelo Estado peruano, igual às zonas semiáridas, biomas com águas, bosques de neblina e todas as fontes de água".

Um outro pedido de ajuda chega do Equador: "Estimad@s amig@s

Necessitamos seu apoio! Em um claro ato de censura, o governo equatoriano fechou a ong "Acción Ecológica". Cremos que a única razão para ter adotado esta decisão é a posição de "Acción Ecológica" contra a mineração, que a parecer conta com o apoio do governo".

Les solicitamos que envíen una carta al Presidente Correa (ver carta tipo abajo) a las siguientes direcciones:

rafael.correadelgado@presidencia.gov.ec

Con copia a:
alexis.mera@presidencia.gov.ec
ffalconi@hotmail.com
info@accionecologica.org


Estimado Presidente Correa:

Por la presente deseo expresarle mi consternación ante la decisión adoptada por su administración de cerrar a Acción Ecológica mediante el retiro de su personería jurídica. Se podría haber esperado una decisión de este tipo de parte de anterior gobiernos caracterizados por ser anti pueblo y anti naturaleza, pero no por parte del suyo. Yo me cuento entre las muchas personas que han aplaudido el reconocimiento de los derechos de la naturaleza y el derecho al buen vivir en la nueva Constitución del Ecuador, promovida y aprobada durante su mandato como Presidente.

A nivel de Ecuador, no existe duda alguna de que Acción Ecológica es una de las pocas organizaciones que a lo largo del tiempo ha defendido los derechos de la naturaleza y de la gente al buen vivir. En el mundo entero es bien conocido el trabajo de esta organización en la defensa de la Amazonía y de sus pueblos contra empresas petroleras tales como Texaco. Todos quienes han estado en contacto con ellos saben de su coraje, inteligencia y dedicación para la protección de la riqueza social y ecológica del país contra los intereses económicos de empresas nacional y transnacionales ansiosas de explotarla de una manera socialmente injusta y ambientalmente insustentable. Todos quienes han tenido el privilegio de trabajar con ellos solo pueden expresar su admiración.

La protección de los recursos naturales y de las personas contra el madereo industrial, la producción camaronera industrial, la exploración y explotación petrolera, las plantaciones de monocultivos de árboles, la biopiratería, la privatización del agua, etc. –tal como lo ha hecho Acción Ecológica a los largo de muchos años- es claramente un mandato de la nueva Constitución del Ecuador. Más aún: es una obligación para cualquier persona, organización e institución en Ecuador.

Por consiguiente encuentro que esta decisión tomada por su administración está en total contradicción con los objetivos establecidos en la nueva Constitución y solo puedo pensar que se trata de un error cometido por alguna persona mal informada dentro de su administración.

Su gobierno es percibido por muchos como uno de los más progresistas dentro de la región y como un ejemplo para muchos otros gobiernos que no respetan ni la naturaleza ni el derecho de las personas al buen vivir. Su gobierno es también un símbolo de esperanza para muchos de nosotros que luchamos por un mundo socialmente justo y ambientalmente sustentable.

Sin embargo, la credibilidad de su gobierno está ahora en cuestión a raíz de este ataque contra una de las más respetadas organizaciones de la sociedad civil de su país: Acción Ecológica.

Confío entonces que usted intervendrá en este tema y que asegurará que se le restituya inmediatamente la personería jurídica a Acción Ecológica, a fin de que puedan continuar haciendo lo que mejor hacen: la protección de los derechos de la gente y de la naturaleza.

Le saluda muy atentamente,
FIRMA
(assinatura e identificação)

Fontes: REJUMA e Adital

27 de março de 2009

A Arte das Aranhas


Nunca viram, entre as ramas das árvores, escondida mas impecável, uma enorme e bela teia de aranha? Repararam alguma vez quando ao amanhecer o orvalho em gotas e o reflexo dos raios de sol fazem-na brilhar como se fosse um tecido de fios de vidro?
Trabalhadora incansável, a aranha passa sua vida tecendo sua teia. É tão hábil, que a mão do homem inveja sua maestria.
Contam que os antepassados dos kaxinawás se vestiam com folhas de planta porque não sabiam fiar nem tecer. Um belo dia uma aranha chamada Basnempöro se apiedou deles e decidiu ajudá-los. Ocorreu-lhe uma idéia mágica: transformar-se em mulher, ir viver com os kaxinawás e fiar e tecer para eles, que isso lhes fazia grande falta.
Assim que Basnempöro se instalou na ladeira, correu a notícia de que havia chegado uma mulher que praticava a arte da fiação e da tecelagem. Os moradores começaram a levar-lhe punhados de algodão, que Basnempöro transformava em vestidos, mantas e tecidos para os mais diversos usos.
Um dia, uma kaxinawá lhe levou quatro enormes jamaxis cheios de algodão e lhe encomendou que lhe fizesse uma rede e várias peças de roupa.
Quatro dias depois, a mulher foi à casa de Basnempöro para receber suas coisas. Qual não foi sua surpresa de ver que estas ainda nõ estavam prontas.
- Que foi que aconteceu ?! – disse a mulher, colocando as mãos na cabeça – Onde estão minha rede e tudo o mais? – E completou:
- Devolva-me o algodão que eu lhe dei!
- Impossível, boa mulher. – respondeu Basnempöro – Eu engoli todo o algodão para...
- Engoliu meu algodão? Você engoliu meu algodão! – interrompeu-a, gritando, a mulher – Você é uma ladrona!
A ingrata não quis escutar a explicação de Basnempöro: Em primeiro lugar, ela precisava engolir o algodão para que uma vez este digerido saísse transformado em fio; só daí podia começar a tecer. A mulher lhe tinha trazido tanto algodão, que a aranha não tivera tempo de transformá-lo em fio. Mas a dona dos quatro jamaxis de algodão estava furiosa e foi de casa em casa contando às pessoas que Basnempöro lhe havia roubado seu algodão.
Os rumores se espalham como o vento, sempre dão a volta e regressam. A aranha se inteirou do que se dizia dela por boca de uma amiga, e ficou muitíssimo aborrecida. Apressou seu trabalho, terminou a rede e as demais peças, e chamou a mulher que a tinha difamado.
- Estão aqui suas coisas. – lhe disse – E também este novelo de linha que sobrou. Pega tudo e vai embora. Sei que você esteve falando mal de mim. Não quero mais nada com você nem com seu povo.
A mulher, envergonhada, se foi sem dizer palavra.
No dia seguinte, Basnempöro foi à casa de sua única amiga e lhe disse:
- Cansei de viver aqui. Quando vim, o fiz com a intenção de ajudá-los. Mas vocês não souberam apreciar minha boa vontade. Por isso nunca voltarei a trabalhar para vocês. Mas você, como foi minha amiga, vou lhe ensinar os segredos do fiar e do tecer. Se quiser, poderá ensinar aos que queiram aprender.
Assim o fez, e depois desapareceu e voltou a usar sua forma original de aranha.
A partir de então, graças aos ensinos que deixou Basnempöro, as mulheres kaxinawás sabem fiar e tecer com grande habilidade, apesar de que talvez jamais alcancem a perfeição e delicadeza da teia de aranha.

Fonte: Terra Brasileira e Gioviluna

16 de março de 2009

O Presidente e o Fumacê


Aqui na fronteira do Acre com a Bolívia posso assistir os canais de tevê boliviano, e tenho notado muitas diferenças midiáticas com relação a tempos passados, em termos de maior abertura cultural, por exemplo, na exibição de uma mostra de pinturas de forte cunho político. Evo Morales esteve em Cobija, capital de Pando intitulada "A Pérola do Acre", na última sexta-feira 13 fazendo fumigações no grande mutirão cívico de combate à dengue, o que é bem bacana de se ver, o presidente da nação soltando fumaça pra todo lado é uma imagem de combate mais do que a usual cena popularesca.
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Comentando o Governo Evo, reproduzo aqui o texto de Selvino Heck, assessor da Presidência da República, na agência Adital:

“Contam que, um século atrás, o ditador Mariano Melgarejo obrigou o embaixador da Inglaterra a beber um barril inteiro de chocolate, em castigo por ter desprezado um copo de ‘chicha’. O embaixador foi exibido num burro, montado ao contrário, pela principal rua de La Paz. E foi devolvido a Londres. Dizem que então a rainha Vitória, enfurecida, pediu um mapa da América do Sul, riscou uma cruz sobre a Bolívia, e sentenciou: ‘Bolívia não existe’. Para o mundo, com efeito, a Bolívia não existia nem existiu depois: o saque da prata e, posteriormente, o despojo do estanho não foram mais que o exercício de um direito natural dos países ricos” (Eduardo Galeano, as Veias abertas da América Latina, p. 163).

Diz matéria de Simon Romero do The New York Times (JB, 08.02.2009, A31): “Na correria para produzir a próxima geração de carros elétricos e híbridos, um fato preocupa montadoras e governos que buscam diminuir a dependência em relação ao petróleo estrangeiro: quase metade do lítio do mundo, mineral necessário para fazer os veículos funcionarem, é encontrado na Bolívia - um país que pode não ter vontade de se render facilmente. A indústria automotiva tem o maior potencial para o uso do lítio, segundo analistas. Como pesa menos que o níquel, também usado em baterias, permite que carros elétricos armazenem mais energia e sejam dirigidos por distâncias mais longas. O Centro de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos diz que 5,4 milhões de toneladas de lítio poderiam ser extraídos da Bolívia. O número cai para 3 milhões no Chile, 1,1 milhão na China e 410 mil nos EUA”.

A Bolívia, sob a presidência do índio aimara Evo Morales, acaba de aprovar em referendo a nova constituição do país, com apoio de mais de 60% dos eleitores. E consagra os direitos da maioria indígena e a soberania nacional.

As mudanças políticas em curso na Bolívia têm consistência política, vêm de baixo para cima, amparadas na organização indígena e nas lutas históricas do povo boliviano, como a COB - Central Operário Boliviana. Mas agora podem estar amparadas também em elementos econômicos, como o gás natural e o lítio, como o foram uma vez a prata e o estanho. Só que a realidade política da Bolívia bem como da América do Sul estão mudando.

Francisco Quisbert, líder de um grupo de mineradores de sal e agricultores na periferia de Salar de Uyuni, maior depósito de sal do mundo, diz: “Sabemos que a Bolívia pode se tornar a Arábia Saudita do lítio. Somos pobres, mas não somos camponeses idiotas. O lítio pode ser da Bolívia, mas também é nossa propriedade”.

Segundo Saul Villegas, presidente de uma divisão da Comibol, agência do Estado que fiscaliza projetos de mineração, a visão de Evo Morales combina defesa dos índios bolivianos com defesa dos índios: “O modelo imperialista anterior de exploração de nossos recursos naturais nunca será repetido. Talvez haja a possibilidade de os estrangeiros serem aceitos como sócios minoritários ou, melhor ainda, como nossos clientes”.

A cobiça internacional está de olho na Bolívia. A Mitsubishi planeja produzir carros usando baterias de íon-lítio. A General Motor, em dificuldades nos EUA, planeja lançar seu Volt, carro que usa bateria de íon-lítio junto com um motor a gasolina. Nissan, Ford e BMW têm projetos semelhantes.

A organização do povo boliviano mais uma vez vai ser colocada à prova. Eduardo Galeano relata em As Veias Abertas da América Latina: “Em 1977, o general ditador Hugo Banzer dizia não à anistia dos presos, dos exilados e dos operários arrojados. Quatro mulheres e catorze meninos, vindos das minas de estanho para La Paz, iniciaram então uma greve de fome. ‘Não é o momento propício, - opinaram o entendidos - já lhes diremos quando…’ Elas sentaram-se no chão. ‘Não estamos consultando - disseram as mulheres -. Estamos informando. A decisão está tomada. Greve de fome sempre tem lá na mina. É só nascer que já se começa a greve de fome. Por lá também haveremos de morrer. Mais lentamente, mas também haveremos de morrer.’ O governo reagiu castigando, ameaçando: mas a greve de fome ativou forças contidas por muito tempo. A Bolívia inteira sacudiu-se e mostrou os dentes. Dez dias depois, não eram quatro mulheres e catorze meninos: mil e quatrocentos trabalhadores e estudantes levantaram-se em greve de fome. A ditadura sentiu que o solo abria-se debaixo dos pés. Foi arrancada a anistia geral” (pp. 289/290).

Nos tempos atuais, algo semelhante parece estar acontecendo ou poderá acontecer, se necessário. Segundo Marcelo Castro, gerente que fiscaliza o projeto de extração do lítio da Comibol, “é claro que o lítio é o mineral que vai nos levar à era pós-petróleo. Mas para trilhar esse caminho, precisamos gerar consciência revolucionária do povo, começando pelo chão dessa fábrica”.

Não por outro motivo, Marcelo Naves escreveu no Blog da Pastoral de Juventude da Diocese de Criciúma, no seu diário de bordo do FSM/2009 - Mística da Indignação, da Luta e do Amor, sobre o Seminário organizado no Fórum pela Rede TALHER de Educação Cidadã: “Foi emocionante ouvir o índio quéchua Diego Pari, vice-ministro de Educação Superior da Bolívia, sobre o processo de transformação que vem ocorrendo desde o MAS, passando pela eleição de Evo e culminando recentemente na vitória do plebiscito. O caminho, para Boaventura de Sousa Santos, pode ter como exemplo o processo boliviano que tem como sujeitos as raízes das Américas: os povos originários.”

Toda atenção, pois, à Bolívia. A Bolívia existe".
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Huni Meka na rede


Assistam o documentário "Os Cantos do Cipó" on line, no Kino Oikos. Pintura de Bane Huni Kuin, jovem xamã representante de seu povo no cenário internacional.

O vídeo é uma conversa sobre cipó (aiauasca), “miração” e cantos. A partir de uma pesquisa do professor Isaías Sales Ibã sobre os cantos do povo Hunikuin, os índios resolvem reunir os mais velhos para gravar um CD e publicar um livro.

Roteiro: Tadeu Siã e Josias Mana
Fotografia: Tadeu Siã e Josias Mana
Montagem: Leonardo Sette
Produção: Vídeo nas Aldeias
Escola: Vídeo nas Aldeias

Contato com Vincent Carelli - Vídeo nas Aldeias: videonasaldeias@videonasaldeias.org.br

15 de março de 2009

Antropofagia Kulina e Alcoolismo


Em minhas andanças deste final da temporada de chuvas na Amazônia, muito pouco tenho podido acessar o blog e por essa inatividade não tenho podido comentar ou publicar algumas notícias referentes à nossa temática central que é a das relações interculturais dos povos ameríndios. Espero poder sanar isto em breve e inclusive referenciar os links internos das diferentes matérias desta publicação virtual, elaborando o índice temático para facilitar a consulta dos leitores.

Um assunto entretanto que teve destaque na mídia televisiva e também internacional, o caso do assassinato de um jovem deficiente mental no município amazonense de Envira, atribuído a um grupo de kulinas que inclusive teriam praticado canibalismo após esquartejar a vítima, merece nossas considerações sobre o que nos permite descortinar sobre a realidade das populações ameríndias nos sertões do Brasil.

O padre Malagrida, um taumaturgo jesuíta italiano que andarilhou pelo Nordeste da colônia portuguesa no século 18, foi o primeiro a contrapor-se ao pensamento formal da Companhia de Jesus (expresso nos Exercícios Espirituais do fundador da ordem, Ignacio de Loyola) ao aperceber-se que a catequização não devia estar voltada aos indígenas e sim aos colonizadores brasileiros que, colocados na distância dos centros urbanos, pouco afeto tinham em relação à ideologia cristã. Faço esta breve menção para explicar o sentimento que consigo discernir nos espaços de convivência atuais entre os povos ameríndios e os ribeirinhos dedicados ao extrativismo na Amazônia. Em uma postagem anterior da passagem de ano, reproduzi aqui neste blog algumas considerações do Padre Paolino, da Prelazia do Purus em Sena Madureira, destinadas ao Senador Tião Viana, do Acre, quando se dizia que os índios contemplados pelos benefícios sociais do governo estavam com isso tornando-se dependentes de viagens mensais às sedes dos municípios acreanos onde se tornavam presas fáceis dos maus exemplos exibidos pelas populações ribeirinhas, em especial o alcoolismo.

Anos atrás, quando permaneci quatro meses nas aldeias hunikuins do Alto Purus (Fronteira Kassianã e Cana Recreio) tive a determinação de não usar bebidas alcoólicas nesse período de convivência, atitude esta que considero ter sido essencial para o sucesso de minha viagem. Na ocasião inclusive participei de uma festa do mariri numa aldeia kulina, onde presenciei um extremado consumo de aguardente mas não me envolvi com esses excessos. Lá na aldeia Fronteira Kassianã eu também testemunharia que, quando do regresso do membro da aldeia que estivera em Rio Branco para capacitar-se como auxiliar de enfermagem e assim atuar junto à população hunikuin, este a título de comemoração junto a seus parentes abrira uma caixa de garrafas de álcool 96 graus para as consumirem alegremente temperadas com suco de limão. Isso me motivou a publicar em 1995 no Peru um ensaio intitulado “Los ìndios del Alto Purus entre el Ayahuasca y el Alcoolismo”.

Em Assis Brasil, no Alto Acre, município que atende populações jaminawas e manchineris da região, fiz este flagrante fotográfico da venda de garrafas de álcool no maior supermercado da cidade. Como se fosse algo natural, as garrafas são oferecidas ao consumidor lado a lado com garrafas de vermute, aguardente e batidas de frutas, o que demonstra haver para a população urbana uma natural conivência com esse tipo de consumo (e venda). O lugar é frequentado tanto por indígenas quanto por visitantes peruanos e bolivianos, e obviamente não se faz distinção entre uns e outros para o livre comércio de álcool hidrogenado. Isto não acontece apenas ali, mas em todos os municípios da região é algo comum, e dificilmente acontece fiscalização por parte das autoridades para coibir essa prática. No município de Jordão presenciei um chefe indígena entrando num bar para tomar uma dose de cachaça e pedindo outra para seu motorista (barqueiro), no caso um hunikuin de quinze anos que inclusive é vegetariano por determinação própria. Saí dali antes de ver se o rapaz consumia ou não a bebida a ele servida pois não sabia se ele teria força de vontade de se negar a esse “brinde”. São, a meu ver, os comerciantes ribeirinhos, tanto os colocados nas cidades quanto os que atendem às aldeias em seus regatões (barcos de comércio), os principais responsáveis pela disseminação deste vício que tanto contamina mentes e cultura desses povos.

Quando estive certa ocasião por ser nomeado chefe de posto indígena da Fundação Nacional do Índio, em 1993, um dos antigos funcionários da Funai em Rio Branco já me advertia que para uma boa convivência com os índios eu devia fazer vista grossa para o problema do alcoolismo, ou estaria me expondo a criar inimizades entre os lideranças ou até mesmo a ser vitimado por algum deles. Essa incapacidade da Funai em lidar com o assunto se extende também às organizações que se dedicam a apoiar as populações indígenas, as quais se engajaram a partir dos anos 70 na luta pela demarcação de terras e na formação de lideranças e entretanto jamais se esforçaram por tratar essa espinhosa questão que representa um grave problema de saúde. Sem incluirem em seus projetos posteriores a devida mensuração de resultados na capacitação dos indígenas em atividades de educação e saúde, essa bola de neve tem sido rolada barranco acima, originando em muitos casos falsas expectativas da capacidade de possuírem as novas gerações o alcance de recursos intelectuais para a autogestão de suas comunidades. Alcoolismo e aculturação andam de mãos dadas na Amazônia, e tanto é a aculturação que leva ao alcoolismo quanto o alcoolismo que conduz à aculturação, isso deve ser deixado bem claro. Enquanto o problema não for enfrentado, talvez por exemplo com a colaboração da República Popular da China, que encontrou em sua medicina tradicional uma planta capaz de curar este vício, estaremos enfeitando o bolo mas não tornando-o capaz de nutrir nossos jovens e crianças como devido.

No caso do município amazonense de Envira, que fica próximo ao município acreano de Feijó, a reportagem evidenciou que os kulinas estavam junto a uma ponte de madeira num caminho de terra consumindo álcool 96 graus com o rapaz que terminou sendo assassinado. Vítimas de intoxicação alcóolica, é de se imaginar que sua interação com o jovem ribeirinho tenha resultado em conflito e briga, e como o jovem apresentava problemas mentais e tampouco tinha como saber se conduzir nessa situação extrema, o incidente resultou em morte. O que se seguiu ao assassinato, ou seja, o esquartejamento da vítima, deve ter sido uma patética tentativa de ocultamento de cadáver por parte dos kulinas alcoolizados, inclusive com incineração dos despojos, o que levou a população de Envira a dramatizar a situação julgando ter acontecido canibalismo, o que condiz com seu imaginário de confronto com as populações ameríndias desde a chegada dos primeiros colonizadores ao Brasil. Aqui havia sim, antropofagia ritual por parte de muitas etnias, mas nunca o canibalismo tal qual imaginado pelos europeus da Idade Média.

O fato jornalístico difundiu-se na mídia internacional com esse viés espetacular de crime bárbaro e hediondo. Os fundamentos da questão, entretanto, não foram considerados: quem são os madihá kulina, quem são os ribeirinhos dos pequenos municípios da Amazônia, qual grau de aculturação ambos grupos encontram-se submetidos, qual a situação do comércio de bebidas alcoólicas na região e quais atividades de combate ao alcoolismo implementadas pelas instituições dedicadas à educação e saúde dessas comunidades. Vinte anos após o lançamento da Aliança dos Povos da Floresta, temos que ficar com as considerações do brasilianista Roberto Mangabeira Unger, hoje Ministro de Assuntos Estratégicos do governo brasileiro, no esboço de proposta de seu “Projeto Amazônia”:

Grande parte da Amazônia está reservada aos indígenas. Destinatários de terras, os indígenas estäo, entretanto, desfalcados de instrumentos e de oportunidades. Negam-se-lhes os meios para fazer algo com as terras que lhe säo reservadas. Sem condiçöes para progredir ou sequer para sustentar-se, ameaçam afundar na desagregaçäo social e moral - no ócio involuntário, no extrativismo desequipado, no alcoolismo e no suicídio. Estranha combinaçäo de generosidade e de crueldade, essa com que os tratamos.
A transformaçäo da Amazônia deve vir acompanhada pela libertaçäo dos indígenas. Libertá-los näo é apenas dar-lhes terras e proibi-los de usá-las. Libertar-los é assegurar-lhes os meios para educar-se (em mais de uma língua e mais de uma cultura), para empreender e para associar-se com os governos e os empresários que lhes possam servir de sócios. O soerguimento dos povos indígenas será um dos indícios mais importantes de êxito na transformaçäo da Amazônia”.

Para se saber mais a respeito, leiam: "Pajé yawanawá nega prática de canibalismo entre kulina do Envira", "Índios Kulinas negam Canibalismo" e Blog do Brasiliense.