30 de outubro de 2009

Cultura mãe


Palácio de Governo do estado mexicano de Oaxaca. O mestre pintor Arturo García Bustos, que foi assistente de Diego Rivera e aluno da pintora Frida Kahlo, pintou grandes murais em cada uma das escadas. No muro central, na parte de baixo, o artista plasmou uma alusão a cultura indígena, como dando a entender que a base e raiz de tudo é a "cultura mãe".

Fonte - Aquí Oaxaca

29 de outubro de 2009

Oração da causa

Oração da causa indígena

"Pai-Mãe da Terra e da Vida,
Deus Tupã de nossos pais e mães,
Venerado nas selvas e nos rios,
No silêncio da lua e no grito do sol:
Pelos altares e pelas vidas destruídas
Em teu nome, profanado,
Nesta nossa Abia Yala colonizada,
Te pedimos que fortaleças
A luta e a esperança dos povos indígenas
Na reconquista de suas terras,
Na vivência da própria cultura,
Na fruição da autonomia livre.
E dá-nos (a nós, neocolonizadores)
Vergonha na cara e amor no coração
Para respeitarmos esses povos-raiz
E para comungar com eles em plural Eucaristia.
Awere, Amém, Aleluia!"

(D. Pedro Casaldáliga).
Fontes: Hexell e Mundo Jovem.

28 de outubro de 2009

O espaço do índio

Pataxó com estudante em visita ao espaço do antigo Museu do Índio no Rio de Janeiro


Em defesa dos direitos dos povos indígenas brasileiros, escreve Maria Rachel Coelho:

"O Museu do Índio foi inaugurado em 19 de abril de 1953. É esta a data usada nos textos em geral e na Revista Comemorativa dos 30 anos do Museu. Embora consideremos1952 de acordo com Darcy Ribeiro. Em seu livro, “ Aos trancos e barrancos: como o Brasil deu no que deu”, Rio de Janeiro, Guanabara, 1985, Darcy afirma que a inauguração do Museu deu-se em 1952.

O Museu do Índio, desempenhou um papel histórico na longa luta em defesa das populações indígenas, tendo à frente nomes emblemáticos como o do Marechal Rondon e do próprio Darcy. Em termos museográficos, o museu – projeto do arquiteto Ary Toledo – foi considerado um marco da museografia, passando a exercer enorme influência nacional e internacional. O tombamento do prédio em 1997 foi importante para sua preservação e no trabalho de revitalização da própria área em que se insere.

Feito esse breve e bem confuso histórico, nos dias de hoje, no casarão abandonado vivem dezenas de índios de diversas etnias. Os índios levam uma vida comunitária em que misturam valores da selva e da civilização. Os cerca de 35 mil índios que vivem no Estado do Rio de Janeiro, ali tem aconchego garantido, já que o Museu do Índio transferido em 1978 para a Rua das Palmeiras em Botafogo é dirigido por autoridades não indígenas e a burocracia impede que os indígenas tenham qualquer auxílio,salvo, em eventos festivos.

O prédio no Maracanã, está em precárias condições e os índios se revezam, e na garra e improviso se mantêm na área, temendo perdê-la para mendigos e para o próprio Poder Público. Apenas dois banheiros atendem a todos, que dormem em barracas de acampamento, amontoados em uma parte onde não chove, já que todo o resto da casa está devastada . O fornecimento de água e luz foi feita por escambo com a Secretaria da Agricultura, que ali tem hoje dois prédios.

(...) estamos desesperados com uma informação de que um projeto idealizado pelo ex-prefeito Cesar Maia, idéia apresentada à prefeitura na época pelo escritório Gilson Santos e Carlos Porto Arquitetos – o mesmo que criou as jóias do Pan, como o Engenhão e a Cidade dos Esportes já está na mesa do Secretário de Defesa Agropecuária, Inácio Afonso Kroetz e do Coordenador de Apoio Laboratorial, Jorge Caetano Junior, para ser concretizado na primeira quinzena do mês de outubro próximo, segundo o qual o imóvel estaria sendo vendido por 30 milhões para uma empresa privada espanhola, pela prefeitura do Rio para a construção de um Shopping Center e um imenso estacionamento para 3.000 automóveis. Segundo o projeto tal Parque, ainda ligaria o Maracanã à Quinta da Boa Vista, e visa a Copa do Mundo de 2014, quando o Estádio do Maracanã exibirá dois jogos, incluindo o da final.

Sem falar na desintegração do complexo laboratorial que funciona no Ministério da Agricultura em anexo a casa do índio.

A desintegração física e técnico-científica desse órgão é gravíssima para o Rio de Janeiro porque todo o controle de produtos industrializados, tanto na área animal, quanto vegetal e também os produtos importados e exportados nesta área são feitos pelo laboratório do Ministério da Agricultura -RJ. Qualquer produto para poder desembarcar (porto, aeroporto ou fronteiras), precisa de um laudo analítico de qualidade sob pena de colocar a saúde da população em risco de febre aftosa, alimentos contaminados, pragas da agricultura etc. Como um porto como o do Rio de Janeiro, importante desde à época do Império vai perder essa função para outra cidade. Só tem essa estrutura hoje para avocar tal fiscalização Pedro Leopoldo em Minas Gerais ou Campinas.

Trata-se da defesa de uma área restrita e exclusiva do Governo Federal que está sendo privatizada.

Temos todos os documentos e certidões que comprovam o relatado. Estamos atentos e tomando as medidas legais.

O que os índios que moram lá querem é a reestruturação da casa e sua transformação em um Centro Cultural, resgatando e divulgando a cultura indígena. E já temos até um empresário alemão querendo investir na reforma do casarão".

Como os atores sociais envolvidos não tem sido respeitados, dias depois alertou novamente Maria Rachel:

"SOUBE DO RESULTADO DA REUNIÃO REALIZADA ONTEM NO RIO DE JANEIRO POR UMA COMITIVA DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DE BRASÍLIA ACERCA DO ANTIGO MUSEU DO ÍNDIO NO MARACANÃ. E A DECISÃO TOMADA É DE DEMOLIREM TUDO O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL.

FICOU DECIDIDO QUE OS LABORATÓRIOS QUE FUNCIONAM NO PRÉDIO DO MINISTÉRIO SERÃO TRANSFERIDOS PARA A BARÃO DE TEFÉ.

NEM FALARAM EM ÍNDIOS, ESTÃO ENTREGANDO TUDO PARA O GOVERNO DO ESTADO E PARA A PREFEITURA DO RIO, QUE POR SUA VEZ, VÃO NEGOCIAR O TERRENO COM UMA EMPRESA ESTRANGEIRA.
APAGARAM TUDO E TIRARAM FOTOS DO PRÉDIO ESVAZIADO PARA FORJAREM QUE NÃO FUNCIONA NADA LÁ.

NA CASA MORAM ÍNDIOS, SERES HUMANOS, NO TERRENO EXISTEM CERCA DE 50 ÁRVORES SECULARES, NINHOS DE PÁSSAROS.

ELES ESTÃO APAGANDO TODA UMA HISTÓRIA.

NA COMITIVA VIERAM DOIS ENGENHEIROS E FOI FEITO UM RELATÓRIO E TIRADAS FOTOS COM O PRÉDIO VAZIO PRA JUSTIFICAR O ABANDONO. VÃO EXTINGUIR O LABORATÓRIO DA AGRICULTURA.

ESTÃO ENTERRANDO UM SONHO DE DARCY RIBEIRO E NINGUÉM FAZ NADA.

PEÇO SUA AJUDA, A QUALQUER MOMENTO OS ÍNDIOS VÃO SER ACORDADOS COM TRATORES, ALGUÉM TEM QUE FAZER ALGUMA COISA. "

Parece que, para muita gente que se pretende "civilizada", o índio deveria ser tratado como entulho, e seus direitos simplesmente descartados. Alô, sociedade civil, isto também é violência! Deveríamos encaminhar uma denúncia ao MPF.

Fontes: Maria Rachel Coelho e Garassari (fotos do Museu).

O povo Kurâ e suas curas

"A doença é um fato universal. Mas para além do aspecto biológico, o adoecer é um fenômeno sociocultural. Diversos são os sistemas de representações no que diz respeito ao processo saúde/ doença, a vida e a morte. No Brasil tem-se mais de 200 línguas, 180 delas indígenas. No entanto, as políticas publicas com relação a esses povos , no campo da saúde, não levam em consideração tal diversidade sócio-cultural. Como todas as políticas públicas, elas são construídas a partir de princípios generalizantes e homogeneizadores.

O grande desafio é fazer com que os direitos garantidos constitucionalmente sejam colocados efetivamente em prática. Mas imenso é o abismo entre o pensar biomédico e o pensar das populações indígenas, que articulam o processo saúde/ doença à cosmologia. Tomar-se-á, aqui, como referencial empírico, a sociedade Kurâ-Bakairi, para demarcar o abismo intercultural que há entre o pensar ocidental e o pensar de populações tradicionais, tendo por referencial a prática da escarificação, condenada e tida como irracional pelo pensar biomédico.

Os Bakairi escarificam os seus corpos em várias situações e momentos de suas vidas. Ou seja, sangram a pele com um sarjador, por eles denominado
pain-hó. Tal prática, entre eles, foi registrada pela primeira vez por Karl Von den Steinen, cientista e explorador alemão que, nos idos de 1884 e 1887, dirigiu expedições ao Xingu (1940, 1942). Passado mais de um século, todavia, nada se tem escrito na bibliografia etnológica que venha a desvelar o seu sentido semântico mais profundo. Por que escarificam os seus corpos os Kurâ-Bakairi?"

Leiam o artigo completo em Saúde Indígena, Cosmologia e Políticas Públicas, de Edir Pina de Barros, da UFMT. Foto: Lunaé Parracho, em Agência Raizes.

Arte e Moda

A desenhista de moda Cristina Prado apresentando um desenho de sua colecao 2010 no desfile que se organizou no evento do PRIMEIRO ENCONTRO IBERO-AMERICANO DE ARTE TEXTIL INDÍGENA ORIGINARIO semana passada na Bolivia. O Brasil nao teve participacao desta vez, esperamos que na proxima vez o riquissimo artesanato textil das mulheres indigenas da Amazonia Ocidental tenha maior oportunidade.

Fonte - Cristina Prado. Ver mais em Radio 19 de Abril

26 de outubro de 2009

A mente de Wakonda

“No princípio todas as coisas estavam na mente de Wakonda. Todas as criaturas, incluindo o homem, eram espíritos. Moviam-se no espaço entre a terra e as estrelas. Andavam em busca de um lugar onde pudessem tomar uma existência corporal. Ascenderam até ao Sol, mas o Sol não era adequado para nele viver. Mudaram-se para a Lua e viram que também não era boa para fazer dela a sua morada. Então desceram à Terra. Viram que estava coberta de água. Flutuaram pelo ar dirigindo-se para norte, o este, o sul e o oeste e não encontraram terra seca. Sentiram-se sumamente penalizados. Mas logo da água surgiu um grande rochedo. Estalou em chamas e as águas ascenderam pelo ar sob a forma de nuvens. Apareceu a terra seca; cresceram as ervas e as árvores. A multidão de espíritos desceu e converteu-se em seres de carne e osso. Alimentaram-se das sementes das plantas e dos frutos das árvores. E a terra vibrava com as suas expressões de alegria e gratidão para com Wakonda, o criador de todas as coisas.”

(ensinamentos da Sociedade do Guijarro, segundo Wakidezhinga, um antigo chefe).

Fontes: Dragon´s Quest e A Space Odissey

17 de outubro de 2009

Debret e os índios brasileiros

"É no índio selvagem que encontramos o princípio e o germe de tudo aquilo que o espírito humano concebeu como idéias filosóficas, elevadas, admiráveis e mesmo bizarras, aplicadas por ele unicamente através do instinto e da inspiração."
(Jean-Baptiste Debret, "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil", Sobre os indígenas, vol. 1)

Debret (1768-1848) foi chamado de "a alma da Missão Francesa". A idéia da missão artística francesa foi dada ao príncipe-regente dom João VI pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt, que fora um discípulo de José Bonifácio de Andrada e Silva na escola de minas de Freiburg. Os portugueses do Rio de Janeiro na verdade espantavam-se com a presença de revolucionários franceses a serviço da família real portuguesa que Napoleão expulsara da ex-metrópole. Debret e seus colegas, por sua vez, retratavam, com vistas a um público europeu, uma sociedade de castas, onde escravos e senhores conviviam entre um misto de intimidade e sadismo — hábitos tão distante dos ideais iluministas e românticos de igualdade e liberdade. Era desenhista, aquarelista, pintor cenográfico, decorador, professor de pintura e organizador da primeira exposição de arte no Brasil (1829). Em 1818, trabalhou no projeto de ornamentação da cidade do Rio de Janeiro para os festejos da aclamação de dom João VI como rei de Portugal, Brasil e Algarves.

Desenhista oficial da corte, Debret fixou em suas aquarelas os costumes, usos e paisagens do Brasil, criando um documento histórico de importância fundamental para a recriação da nossa realidade na primeira metade do século 19. Não se limitou à sua excepcional habilidade como desenhista; reuniu notas e organizou um vasto material sobre aspectos econômicos, políticos, sociais, geográficos, etc. Durante os quinze anos que permaneceu no Brasil, desenvolveu um trabalho sem trégua. Sua objetividade e imparcialidade na fixação das características da vida brasileira causou escândalo na corte. Ao desenhar e descrever cenas da realidade em que vivia o escravo, despertou a inimizade e a oposição dos mais conservadores. Na obra "Viagem Pitoresca ao Brasil", que lançou na França em 1834, coleção composta de três volumes com um total de 150 ilustrações, Debret retrata e descreve a sociedade brasileira.

A respeito de Debret escreveu Bitran Trindade: "Sua obra permite a identificação de um país nascente, ao traçar um paralelo com as nações européias. Mostra o que há de selvagem, o que há de civilizado. Incute o ideal de progresso. Tudo com o traço inconfundível do artista, que “debretizou” as informações recebidas, ajustando-as ao seu modo de representar".

16 de outubro de 2009

Figurações

E os índios nas charges brasileiras, como figuram?

A Constituição da República - cujo fundamento, entre outros, é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) - repudia quaisquer condutas que trilhem a estrada do menosprezo à pessoa humana, ou sua redução com propósitos ultrajantes. Assim, em 2003, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre, decidiu que a Comunidade Indígena Toldo Chinbangue, de Chapecó (SC), deveria ser indenizada em R$ 100 mil por ter sofrido danos morais. Os magistrados acompanharam, por unanimidade, o voto do relator do caso na corte, desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, e condenaram o vereador chapecoense Amarildo Sperandio de Bairros (presidente da Câmara), a Sociedade Jornalística Diário do Iguaçu, do mesmo município, e o chargista Alex Carlos Tiburski dos Santos a pagarem a quantia. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública contra os três réus, relatando que o jornal Diário do Iguaçu, que circula no Oeste catarinense, veiculou em 31 de janeiro de 2001 uma matéria em que o parlamentar pratica discriminação e preconceito contra os indígenas e uma charge de Santos que tem o mesmo efeito, além de incitar a prática de homicídio contra os membros da comunidade caingangue. No desenho, um índio portando um telefone celular foge, em pânico, acossado por um agricultor e ameaçado de ir para “sete palmos abaixo da terra”. Na reportagem, o vereador afirmou que “é um absurdo os índios quererem ainda mais terra, se não produzem” (leia mais abaixo um trecho da matéria).

Na época, havia um clima de tensão e conflito entre indígenas e colonos na localidade de Sede Trentin, no interior de Chapecó, pois os silvícolas reivindicavam a incorporação de mais 912 hectares à sua reserva, mas, para isso, os agricultores que teriam suas terras desapropriadas exigiam receber indenização por toda a área e não apenas pelas benfeitorias que haviam realizado, como estipula a Constituição. A empresa jornalística, o vereador e o chargista alegaram que não ocorreu ofensa moral e que exerceram os direitos à livre expressão do pensamento, à crítica artística e à liberdade de imprensa. Bairros afirmou ainda que, devido à garantia de inviolabilidade parlamentar, não pode ser responsabilizado por opinião manifestada no exercício do cargo. Em janeiro passado, a sentença da 1ª Vara Federal de Chapecó entendeu que não houve discriminação nem incitação ao preconceito racial e negou a indenização. O MPF recorreu ao TRF contra essa decisão, destacando, entre outros argumentos, que o direito de expressão não é absoluto, pois caminha lado a lado com o direito à inviolabilidade, à honra e à imagem das pessoas e tem por limite a observância dos direitos fundamentais previstos na Constituição. O texto da apelação ainda ressalta que o direito de o indivíduo dizer o que pensa não o exime de ser responsabilizado por ofensas feitas a terceiros de forma desarrazoada. “O regime democrático garante o direito à liberdade de expressão. Tal prerrogativa, contudo, não se traduz no propósito de assegurar a impunidade da imprensa”, salientou o recurso do MPF, afirmando que os índios da etnia tiveram sua integridade moral extremamente afetada pela publicação da matéria jornalística e da charge.

O desembargador Thompson Flores adotou a fundamentação exposta no parecer do MPF, como a afirmação de que o eurocentrismo dos colonizadores que aportaram no continente americano sem respeitar diferenças culturais propagou a imagem corrompida de que os índios seriam preguiçosos e pouco afeitos ao trabalho. Conforme o texto, existem no Brasil “formas sutis de racismo e de intolerância que, mais de um século após a abolição da escravidão, continuam a produzir efeitos insidiosos contra a inserção socioeconômica de índios e afrodescendentes”. O MPF ressaltou também que “beiram a irresponsabilidade o desenho e os dizeres publicados, haja vista, principalmente, o clima de conflito que pairava sobre aquela região", registrando que, naquele contexto, “qualquer manifestação maliciosa poderia acirrar os ânimos entre as partes, possibilitando um desfecho indesejado“. Apontou também que a charge foi formulada a partir do ponto de vista dos agricultores, como, por exemplo, o entendimento de que o simples fato de o índio estar atento a inovações tecnológicas (como o celular) o desvincularia de sua identidade cultural e comprometeria o seu direito à terra. “Não há dúvida, a intenção dos demandados foi, além de ironizar, ridicularizar a imagem dos índios da Comunidade Toldo Chinbangue, bem como ratificar o preconceito à cultura indígena”, concluiu o parecer, lembrando que a divulgação da charge gerou clima de intranqüilidade entre os índios da região, principalmente aqueles cujos filhos estavam matriculados em escolas fora da reserva.

Maria Goretti Leite de Lima, em sua análise sobre "O índio na mídia impressa em Roraima", observa claramente que o elemento charge, por ser uma criação do chargista, na verdade revela a interpretação do autor dos fatos retratados de acordo com a ordem do dia da redação do jornal, podendo, portanto, ser de fácil manipulação, correspondendo assim ao desejo dos editores dos órgãos de imprensa. No caso de Roraima na época da luta do governador do estado contra a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a visão estereotipada, preconceituosa e discriminatória do indígena desde Colombo até os dias atuais, (...) é reforçada nas charges, em que vemos o índio indefeso, incapaz, necessitado de apoio da sociedade branca para sobreviver. Por isso, o importante é saber ler a escrita nas entrelinhas, para ter o discernimento de quem são as partes envolvidas nesse jogo midiático e assim filtrar a boa informação da "apelação".

15 de outubro de 2009

Pizango pode ser Presidente


Na segunda-feira 12 de outubro, antes de iniciar a Movilización por la Minga Global en Defensa de la Madre Tierra em Lima, Miguel Palacín, Coordenador Geral da CAOI (Coordinadora Andina de Organizaciones Indígenas) anunciou que o líder indígena amazônico Alberto Pizango, asilado na Nicarágua, será candidato presidencial nas eleições de 2011 pelo partido Perú Plurinacional.

Palacín, que também é dirigente do Movimiento Cumbre de los Pueblos (MCP), um espaço de articulação entre sindicatos, agremiações camponesas, agrárias e comunidades afetadas pela mineração, assinalou que as bases e as comunidades andino-amazônicas decidiram que Pizango seja o candidato que os represente. Por isso, uma delegação do MCP viajou a Manágua para consultar ao líder amazônico, o qual aceitou a decisão das comunidades. Assim como o fez quando como presidente de AIDESEP (Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana) foi interlocutor dos povos amazônicos ante o governo aprista, para defender a cultura e os territórios ancestrais, que após o Massacre de Bagua provocou a perseguição política, motivo dele hoje estar na Nicarágua.

O Coordenador Geral da CAOI acrescentou que Pizango será o candidato presidencial de Perú Plurinacional, partido que se ganhar os comícios, devolverá o poder aos povos originários que foram despojados deste, há mais de quinhentos anos.

Fonte: Mariategui e Chaskinayrampi

14 de outubro de 2009

Interlocutores privilegiados


"Mas como a experiência da catástrofe pode ser abordada frontalmente ? Esta é a questão do testemunho.

Trata-se não somente de “fazer saber” (como um publicitário), também não é apenas uma reconstituição dos fatos (como um historiador), mas de trazer para o espaço público a primeira pessoa. Não é um discurso meramente testemunhal (Eu vi), mas um discurso de engajamento ao evento. O retorno da memória na escrita em primeira pessoa é acompanhado de um retorno da culpabilidade, de um permanecer vivo (o que eu cedi para permanecer vivo, terei me tornado igual?), quais foram as escolhas para permanecer vivo ? É possível retornar a inocência diante de tal desumanização ? É possível negociar com a vergonha ? O sobrevivente é exposto a um duplo perigo: ele revive sua culpabilidade em relação as vítimas e se expõe ao julgamento dos destinatários da escrita. A imensa simpatia do público não impede que eles sejam vistos como juízes potenciais. E o escritor-testemunha se descobre absorvido pelo monstruoso que ele carrega.

O discurso da testemunha não é o mesmo de uma garrafa jogada ao mar, ele implica interlocutores muito precisos. Ele pede um interlocutor capaz de conceder o perdão, capaz de receber a narrativa em nome dos que foram mortos. O discurso da vergonha pressupõe um interlocutor privilegiado que pode reconhecer a situação humilhante em face da qual é possível restabelecer a dignidade. Mas será que tal interlocutor existe ? Talvez precise advir, precise ser inventado. O discurso psicanalítico, segundo Sarah Kofman, a deixou doente com sua neutralidade distante. O discurso filosófico é capaz de ouvir, mas nada pode fazer com o silêncio."

O leio em um texto de Claudia Perrone, "Literatura, Testemunho e Potência de Criação", que faz parte da revista LITERATURA E AUTORITARISMO, sobre a produção cultural em regimes autoritários. Mas será que tal interlocutor existe?

Aqui no Acre eu estava desde a Aliança dos Povos da Floresta de 1988 vigilante. Vi como foi conduzida a formação de lideranças indígenas daqui da Amazônia Ocidental, e o ambiente formador daquela época pós-ditadura, quando me lembro que para a gente do sul e sudeste do Brasil o resto do país era considerado um grande rincão de desonestidade, de ausência de direitos humanos e de livre-exploração, as comunicações eram todas muito mais rudimentares à comparação de hoje e existiam mesmo lugares onde a colônia ainda se sentia latejante, selva bruta e mata grossa a ser assegurada ao Brasil a qualquer custo segundo o ideário formatado na Escola Superior de Guerra desde os tempos em que o General Golbery era um jovem. Nova Califórnia...

Hoje é a Florestania. Grandes avanços da cidadania dos moradores das selvas acreanas (pois assim se pronuncia o termo gentílico daqui, e as palavras começam com a fala e não com a escrita - vejam o protesto dos "acrianos" com o novo acordo ortográfico). Mas a inclusão continua acontecendo gerando exclusão. Há contaminação do indigenismo com a política e por isso problemas indigenistas causados por políticas que terminam demonstrando equivocado cunho particular ou pessoal invés do sentido humanitário que tal serviço indigenista pressupõe. Há lideranças complicadas por choques culturais e excesso de individualismo, justamente pela construção de um modelo algo trôpego na fase inicial de empoderamento, quando foi dado aos lideranças o direito de opinar sobre quem seriam os moradores das aldeias que seriam instruídos como professores e agentes de saúde. Não houve aplicação de testes vocacionais ou coisa que o valha, nem com estes primeiros que os líderes (caciques e tuxauas) puderam nomear - pois obviamente o escolhido pelos caciques é que seria validado em assembléia da aldeia, já que neste caso não havia qualquer oposição, apenas alguns interlocutores privilegiados entre o mundo dos brancos e o mundo das aldeias, os que melhor sabiam falar português.

Isso deve ter acontecido antes em muitas outras histórias do Brasil. Mas aconteceu aqui no Acre recentemente. Um americano me disse em uma aldeia onde se encantou e quis deixar uma contribuição, que tinha medo de destinar um dinheiro ao cacique ou ao filho do cacique e estes ficarem com o dinheiro só para eles, que queria poder fazer uma doação para todos mas temia a injustiça social. Isso é muito legal, por um lado, porque um gringo assim observador e analítico tem cabeça fria e coração quente, e assim como este teve a prevenção, outros também devem observar se estão lidando com gente honesta. Por isso é bonito ensinarmos aos nossos amigos índios a saberem agir com honestidade, transparência, atraindo para si também gente honesta e transparente, pois do modo que interagimos é que somos interagidos, não sei se me faço entender em meu acreanês.

Andei matutando mesmo essa coisa de existirem sempre interlocutores privilegiados, mas não no sentido mais corrente de negociadores de diálogo facilitado com alguma autoridade, e sim no de uns poucos que se beneficiam ao serem representantes de muitos. E isso é tão amplo que eu não posso abraçar. O meu discurso com os amigos sempre tem sido o de que agora precisam formar parentes em contabilidade para assim eles próprios saberem fazer prestação de contas de seus projetos, pois só assim vão obter sua autonomia. Mas alerto também aos lideranças mais jovens que vem despontando aí nas discussões ideológicas de cada uma das associações ou movimentos das diferentes etnias que, é fundamental que sejam aplicados testes vocacionais nas crianças que estudam nas aldeias, para poder identificar dentre delas quem são os mais aptos a aprenderem contabilidade ou educação ou enfermagem ou o que surgir no campo da cultura, da etnobiologia e da informática, pois gerações inteiras podem se perder por um mau professor que se perpetua em sua função por ser da família próxima de uma liderança importante. É da maior importância que os profissionais do futuro surjam espontaneamente através de seus próprios talentos e interesses, o que nos possibilitam os testes vocacionais, jamais profissionais apenas por interesse econômico ou de privilégio social.

A meu ver: política sim, indigenismo sim, mas política pra lá e indigenismo pra cá, pois política é representação pública e indigenismo não, indigenismo é serviço humanitário! Vejo muito cristão por aí sem um pingo de humanidade, mas é só venha a nós, venha a nós, e ao "Vosso Reino" nada... Portanto, estou aqui rogando um pouco de humanitarismo por parte de todos, pois [aqui] tem muito lideranças procurando por sua própria renovação. O sonho da Aliança dos Povos da Floresta não é um sonho de aliança étnica? Então aí entram todas as etnias, e todos em conselho se entendem sobre indigenismo, essa coisa de política é bestagem dos brancos, eles que se iludam, serviço humanitário é assunto de relações internacionais, e a Aliança dos Povos da Floresta poderia servir como exemplo a uma Aliança dos Povos da Terra, quem sabe um dia...

O mundo agradece.

12 de outubro de 2009

Para curumins e cunhantãs


Criado a partir do site Povos Indígenas no Brasil, o PIB Mirim pretende, por meio de material destinado à pesquisa escolar - no qual temas centrais se desdobram em uma série de questões organizadas pela equipe do ISA - e do espaço Aldeia Virtual - jogo online situado em uma aldeia circular no Cerrado brasileiro - apresentar a diversidade de povos, romper com a idéia de "todos os índios são iguais" e despertar o interesse e o respeito das crianças às culturas indígenas existentes no Brasil. Tudo isso escrito em linguagem acessível ao público infantil-juvenil. Não deixem de conferir em: Pib Mirim - ISA