29 de dezembro de 2008

Padre Paolino e os Indios

Foto: Erikson, 1985.
"Nestes últimos anos foram aposentados muitos índios, mais Kaxinauá que Kulina, mas o que se pensava que fosse um bem se tornou verdadeira calamidade. Os velhos baixam para a cidade com uma enorme canoada de gente para tirar o dinheiro da aposentadoria e compram álcool e ficam bêbados e o dinheiro não dá para nada. Não tendo dinheiro para comprar a gasolina, vão com a Funai. Gostaria que as crianças não procurassem comida nas caixas de lixo.

Nestas viagens tocadas pela fome exterminam tudo andando no rio Purus, que era tão rico, e hoje não se vê mais nada. Nada mais de tracajá, de tartaruga, de surubim, de mutum. Está se espalhando o deserto em tudo. Adeus às riquezas da fauna do rio Purus. As professoras das escolas fazem a mesma coisa, perdem mais de dois dias de aulas por mês, pois descem para tirar o dinheiro e muitas vezes comprar álcool para as aldeias delas. O que deveria ser uma ajuda se torna uma calamidade. Continuo a viagem na aldeia Fronteira. Antigamente os Kaxinauás eram fortes e resistentes e agora estão liquidados pelo álcool e a doença toma conta, de modo especial a cirrose hepática.

Tudo que estou contando mostra a situação dos índios. O que notei mais e que as crianças, que são muitas, estão passando fome. Precisamos tomar providências e o senhor como senador e médico pode ajudar. O conselho que dou é de conseguir com a Funai central trocar o dinheiro da aposentadoria e dos professores: não entregar dinheiro, mas mercadoria correspondente ao dinheiro e ter um barco que vai entregar diretamente nas aldeias e incentivar a agricultura. Que o Governo compre arroz, banana, feijão e deixe para as crianças das escolas. Os adultos mantenham as crianças com a ajuda do Governo e com o trabalho. Fiscalizar seriamente os marreteiros e fazendeiros para que não usem mão-de-obra barata indígena a troco de álcool. Não deve acontecer que o dinheiro do Governo seja o maior incentivador do vício e o índio baixando na cidade, aprenda do branco tudo que há de pior.

Lanço este grito angustiante para salvar os índios, que estão afundando como um barco velho. Confio realmente que o bom amigo lance em meu nome este grito angustiante de socorro lá no Senado. Salvemos os índios e com eles a fauna e a flora."
(1999)

"Não gosto realmente de lembrar o índio como folclore, mas como realmente ele e, na sua simplicidade, na sua partilha, nas suas danças nas noites e luar, nos altos dos barrancos do rio Purus, enquanto a lua estendia um véu misterioso de prata e tornava aquelas noites em um saber quase místico. Admiro o índio, especialmente o Kulina, que conheço mais e no meio deles vivi e saboreei a cultura.

Tudo falava de alegria. Os meninos se levantavam de manhã, ajeitavam os seus pequenos arcos e pequenas flechas, se internavam na mata caçando e voltavam à roda de um foguinho, assavam a caça – que muitas vezes era um calango, um rato coró. Como era bonito escutar a descrição da caça.

As meninas seguiam as mães com um cesto nas costas e iam para o roçado, limpando e ajudando-as com pequenas facas, que limpavam estivas, às vezes com a pequenina na tipóia, que ficava mamando enquanto a mãe limpava o roçado e, chegando na aldeia, faziam o fogo e assavam macaxeira e bananas, enquanto a menina maiorzinha embalava a criancinha na rede cantando saudosas e suaves melodias. Tudo respirava serenidade.

Não quero dizer com isto que não tivessem defeitos porque todo ser humano tem, mas a grande vantagem que mais achava neles é que não tinham ganância. A criança era criada com liberdade e não era nunca açoitada. Um dia, uma criancinha foi tirar um peixinho que assava no fogo no terreiro e se queimou e correu para a mãe, chorando, e a mãe não bateu nem repreendeu. Só disse: "Vai buscar de novo". E ela foi e se queimou e chorou de novo e correu até a mãe. A mãe disse: "Vai buscar de novo", mas ela não foi e aprendeu que não devia mexer com fogo.

Infelizmente esta cultura foi deturpada pela ganância que introduziu o álcool, e o gado que tinham e que prosperava bem foi vendido a troco de enxada e de álcool. Um patrão fez um grande campo ara o gado com a mão-de-obra barata dos índios e o pagamento era o álcool, porque o índio não valia nada, não sabia nada. Pelo menos agora, entendemos que devemos amar os índios e a cultura deles e o esforço do Governo está neste sentido, embora aprenderam o infeliz caminho da cidade, mas reconhece-los, ajudá-los e amá-los já é muita coisa. Infelizmente pedem o que prejudica mais, mas porque querem imitar o branco e dos brancos assumem os defeitos. Os índios devem ser amados porque no fundo da cultura deles nos dão uma mensagem de esperança. No mundo de um capitalismo selvagem, consumista e individualista, nos dizem que devemos partilhar, que a vida é alegre, devemos vive-la em abundância.

Os homens iam pra as roçadas e cantavam e trabalhavam todos juntos. Tudo era partilhado, era trabalho, era caça, era pesca. Não era uma sociedade competitiva e egoísta. É verdade que nas casas não tinha nada, mas é verdade que todos, desde pequenos, se acostumavam a procurar na floresta e no rio o que comer. Sempre íamos nos roçados com eles, mas sempre me colocavam perto de uma pessoa de confiança, porque não conhecendo a mata podia acontecer alguma coisa e de fato um dia, levantando o facão, vi o índio segurar o braço e gritar "cobra, cobra" e era uma perigosa papagaia. Outra vez, dois meninos estavam ao meu lado e com o facão terçado roçavam o mato. A um certo ponto o menino gritou "macá"; não entendendo bem, continuei e os dois seguraram a minha mão e mostraram uma terrível "pico de jaca". Nestes pequenos atos percebia a delicadeza deste povo humilde, simples, mas também extremamente brincalhão.

Um dia estavam roçando e havia muita jurubeba. Não sabendo bem a língua, gritavam "pari". Eu pensava que fosse "Padre" e ficava parado e a jurubeba caía em cima de mim com os espinhos e eles riam, mas "pari" queria dizer "cuidado, cuidado!".

Ia caçar com eles, mas eu não sabia caçar e tinha ódio por causa da guerra de armas, mas eles defendem a personalidade de cada um e ninguém pode ser desprezado na comunidade e quando chegava na aldeia me davam um quarto de veado para levar para casa. Assim era a pesca, embora não pescasse quase nada, dividiam o peixe e me davam para entrar honradamente na aldeia e não ser humilhado. Na aldeia sempre vi muita criatividade. As mulheres descaroçavam o algodão, fiavam e ao mesmo tempo falavam e riam animadamente".
(16 de abril de 2002)

Fonte: Cartas publicadas em "As Histórias do Padre Paolino Baldassari", em livro editado pelo Gabinete do Senador Tião Viana em 2004. Leia mais sobre Padre Paolino no blog de Rogelio Casado . Imagem: DOBES

24 de dezembro de 2008

O trabalho do Pajé Txaná Uri


http://txanauri.blogspot.com
daqui do Antisuyu enviando um abraço:
um bonito Natal e feliz 2009 pra vcs todos aí!

23 de novembro de 2008

O trabalho das Pajés Yawanawa


Em 2006, o jornal britânico Independent chamou a atenção para o "ressurgimento da população indígena brasileira e do seu delicado equilíbrio entre adaptar o mundo moderno e a sua visão de mundo tradicional". Como exemplo das mudanças, foi citada a pajé Katia Luísa, da tribo dos Yawanawa, no Acre, a primeira mulher a ocupar essa função na história da tribo. De acordo com a reportagem, os Yawanawa, "como outras tribos, chegaram perto de desaparecer", mas hoje têm uma população de 620 pessoas e "devem ultrapassar os mil em dois anos". O jornal destacou a importância da primeira pajé como um exemplo de "deixar de lado objeções tradicionais" e cita as palavras do cacique Yawanawa, Taska: "O espírito é o espírito, não tem sexo, então, uma mulher pode ser iniciada no espiritual".

No mesmo ano, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, cinco mulheres foram escolhidas para receber o prêmio Bertha Lutz, uma homenagem, realizada no Senado Federal, em reconhecimento às mulheres que atuam em defesa da cidadania, dos direitos humanos e políticos da mulher brasileira. Entre os vários currículos enviados ao Conselho Mulher-Cidadã Bertha Lutz, foi escolhido o da indígena acreana Raimunda Putani Yawanawá, primeira pajé mulher do Brasil.“Esse prêmio é um reconhecimento à nossa luta, uma forma de respeito às tradições do povo Yawanawá e de todos os povos indígenas brasileiros”, disse a pajé. “É um reconhecimento às mulheres do nosso povo. É uma prova de que as mulheres podem fazer qualquer coisa, um exemplo para nosso povo, para os jovens e crianças”, completou Kátia Yawanawá, irmã de Raimunda e também pajé.

Para se tornarem pajés, Raimunda e Kátia precisaram superar alguns obstáculos. Venceram o preconceito dos sábios de seu povo e passaram um ano isoladas na mata, comendo alimentos crus e tomando apenas uma bebida especial a base de milho. Fizeram o juramento ao Rare – raiz da planta mais sagrada para o povo Yawanawá, que representa o Criador – e se tornaram pajés. Agora, são guias e conselheiras espirituais da tribo, guardiãs dos usos, costumes e sabedoria de seu povo.

Fonte: Reviver Saúde Holística , Funai e Altino Machado

20 de novembro de 2008

Asháninkas, os Ashaninkas do Peru

Crianças ashaninka no Rio Cuti, foto de Carlos Montenegro

Chamados na bibliografia de épocas anteriores como andes, atis, chunchos, chascosos, kampas, cambas, tampas, thampas, komparias, kuruparias e campitis, os asháninkas foram tradicionalmente mais conhecidos como campas. Eles viviam dispersos em um vasto território que compreendia os vales dos rios Apurímac, Ene, Tambo, Perené, Pichis, um setor do Alto Ucayali e a zona interfluvial do Gran Pajonal, organizados em pequenos grupos residenciais. O eixo do sistema de intercâmbio que gera a coesão de dita sociedade e que contrarresta o efeito centrífugo da guerra intragrupal, é o intercâmbio de sal gema, extraída do chamado Cerro do Sal ou das aflorações de água salgada, situadas nas cabeceiras do rio Perené.

Antes do contato europeu, os asháninkas mantinham relações de intercâmbio com as populações andinas, fato atestado pelos machados de bronze achados no território deste grupo. Estas rotas de intercâmbio continuaram sendo empregadas pelos comerciantes da zona de Tarma após o contato europeu, obtendo assim ferramentas de metal. A partir de 1635, os asháninkas começaram a ser evangelizados por dominicanos e franciscanos, sendo estes últimos que constituíram efetivamente a presença do Estado colonial espanhol em seu território. Os franciscanos fundaram inicialmente uma missão para os campas e amueshas próxima do atual povoado de La Merced. Até 1640 os franciscanos tinham sete centros nesta zona. Entretanto, foram destruídos por uma rebelião provocada pela chegada de mineradores espanhóis. Em 1671, os franciscanos restabeleceram as missões próximo ao Cerro do Sal e fundaram outras ao longo do rio Perené. Entretanto, em 1674, se produziu um levantamento dirigido por Fernando Torote, chefe asháninka instigado a parecer pelos piros, os quais tinham a interferência dos franciscanos no intercâmbio de sal entre eles e os asháninkas.

Em 1709, uma nova tentativa de evangelização, dirigida pelo Padre Francisco de San Joseph conseguiu avanços substantivos que em três décadas chegaram a 38 missões. Entretanto, as epidemias que assolaram aos povos reduzidos, assim como a rebelião de Juan Santos Atahualpa, provocaram nesta época o término da atividade missionária, fechando-se a região a colonos e missionários por cerca de cem anos.

Foi só em 1869 que a resistência armada dos asháninkas se viu quebrada no vale de Chanchamayo e se fundou nesse ano a cidade de La Merced não longe do lugar da antiga missão franciscana de Quillazú. As hostilidades continuaram até o estabelecimento em 1889 da Peruvian Corporation, empresa de capitais ingleses à qual se concederam 500 mil hectares nas margens dos rios Perené e Ene em território asháninka. Com esta concessão se iniciou na Selva Central peruana a penetração colonizadora que continua até hoje.

Nos vales adjacentes ao Perené, com o início do "boom" do caucho se instaurou o comércio de escravos campas, especialmente de mulheres e crianças, que continuou até a década de 50 do século 20. Por volta de 1920, missionários adventistas iniciaram um trabalho missionário na área, sendo seguidos em 1950 pelo Instituto Lingüístico de Verão. Em 1965, os asháninkas, em particular os do Gran Pajonal e Satipo, se viram envolvidos na violência gerada pelos enfrentamentos entre as guerrilhas do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e o exército peruano.

Em 1974, o Estado peruano criou a Lei de Comunidades Nativas que outorgou aos grupos indígenas garantias sobre setores de seu território tradicional. As aldeias que haviam aparecido como resultado das etapas de contato anteriores acolheram a esta legislação e, sob a pressão da colonização do território pelos camponeses andinos, se foram criando muitos outros assentamentos. Entre 1986 e 1996, os asháninkas se viram envolvidos na violência desatada, tanto pelos grupos Sendero Luminoso e Movimiento Revolucionario Túpac Amaru, assim como pelas ações desenvolvidas pelas forças antisubversivas para controlar estes movimentos.

Na atualidade, as ações de exploração petroleira nas bacias dos rios Ene, Tambo, Perené e Pichis representam novos riscos para a sociedade asháninka no Peru. Nesse país vivem hoje nos departamentos de Ayacucho (Sivia), Cusco (Echarate e Quimbiri), Huánuco (Puerto Inka, Tornavista e Yuyupichis), Junin, Pasco (Puerto Bermúdez) e Ucayali, nos rios Baixo Apurímac, Ene, Tambo, Satipo, Pichis, Baixo Urubamba, Alto Ucayali, Pachitea e Juruá, assim como nos principais afluentes. No Brasil, o município acreano de Marechal Taumaturgo é a principal sede dos grupos ashaninka, que criaram a Apiwtxa como sua Escola da Floresta, alcançando um novo patamar de comunicação e interação com a sociedade local.

Fontes: Peru Ecologico e Ecotribal

Yaminahuas, os Jaminawas do Peru

Alto Rio Juruá - índios das tribos yaminahua e amahuaca, no rio Amoáca - 1913
Não se dispõe de documentação histórica sobre a região habitada pelos yaminahuas senão a partir de mediados do século XIX, em que se realizaram as primeiras explorações. Entretanto se pode assumir que desde o século XVIII a presença européia na bacia do rio Ucayali teve efeitos indiretos entre esta sociedade com o início da circulação de ferramentas de metal nas redes interétnicas de intercâmbio e a provável disseminação dos vírus da varíola e a influenza que podem haver provocado epidemias não registradas e elevada mortandade.

O primeiro contato direto dos yaminahuas com o mundo ocidental aconteceu em fins do século XIX durante o período do caucho. Tal contato foi regular e violento, marcado de um lado pelo rapto de mulheres e crianças que se converteriam em escravos dos patrões e pelo assalto dos acampamentos caucheros com o objeto de roubar machados, facas, roupa e outros produtos da tecnologia ocidental. O efeito imediato deste contato inicial foi uma drástica queda demográfica.

Como conseqüência disto, houve uma distorsão da estrutura dos assentamentos locais e das relações em seu interior. Os pequenos grupos locais, antes autônomos, se viram forçados a fundir-se formando comunidades mistas, o que trouxe como resultado um incremento dos conflitos.

Com o fim da era do caucho e a retirada da população forasteira da área, os yaminahuas tiveram um período de calma relativa; entretanto, em anos posteriores se produziram sucessivos assaltos dos yaminahuas aos povos mestiços com o objeto de roubar-lhes objetos de metal.

A partir de 1930, chegou na zona uma nova onda de população mestiça, dedicada à extração de madeiras nobres, e na década de 40 os yaminahuas do Purus foram recrutados para a produção madeireira por um grupo de piros e marinahuas a serviço de um patrão. Nos anos 50 foram visitados, tanto pelos missionários evangélicos do ILV, como pelos da missão dominicana. Estes últimos, transferiram um pequeno grupo yaminahua do Purus para a missão dominicana de Sepahua, localizada sobre o rio Urubamba.

As intensas pressões exercidas em seu território no Peru durante os anos 70, por parte dos madeireiros, os fez mudar para áreas tradicionalmente ocupadas pelos amahuacas, gerando conflitos violentos entre ambos grupos.

Localização geográfica no Peru: Região Ucayali, Provincia de Atalaya, províncias de Raimondi, Sepahua e Yurua. Em Madre de Dios, no Tahuamanu. Rios: Purus, Curanja, Piedras, Mapuya, Huacapishtea, Tahuamanu, Cashpajali e Sepahua. Estabelecidos no Brasil nos rios Chandless e Juruá, nos municípios de Sena Madureira (Iaco) e Cruzeiro do Sul, no Acre. Também habitam na Bolivia, no Rio Acre, de onde muitos vieram a formar a Terra Indígena Cabeceiras do Rio Acre, no município acreano de Assis Brasil.

Fonte: Peru Ecologico

Cashinahuas, os Kaxinawás do Peru


Vídeo de margolaine


Os cashinahuas foram encontrados pelos invasores europeus já no século XIX nas cabeceiras dos rios Yurúa e Curanja no território peruano e nas do Envira e Tarauacá em território hoje brasileiro. Os patrões caucheros, com os quais entraram em contato, os dispersaram por diferentes territórios, reduzindo-se a população deste grupo como resultado de epidemias e abusos.

Como conseqüência deste processo violento, muitos cashinahuas no Brasil optaram por integrar-se aos mestizos. Nem todos estavam de acordo com esta decisão e, até 1908, uma parte deles migrou para o Peru onde ficaram isolados até aproximadamente 1945. Só então buscaram o contato com os brancos a fim de procurar ferramentas já que as que tinham haviam acabado. Assim, alguns retornaram ao Envira no Brasil e outros se mudaram para o Curanja onde iniciaram um contato com comerciantes aos quais entregavam caucho em troca de mercadorias diversas.

Até 1951, foram vítimas de uma epidemia após a qual se mudaram para perto da população branca, e começaram a usar roupa ocidental. Até 1970, o ILV (protestante)estabeleceu uma escola bilingüe e um posto médico na comunidade de Balta no rio Curanja. De lá muitos regressaram ao Brasil formando a Aldeia Cana Recreio, no município acreano de Manoel Urbano, e após a criação do município de Santa Rosa do Purus outro grupo veio do Peru para a Terra Indígena Alto Purus onde formaram a Aldeia Porto Rico.

Localização: Departamento de Ucayali, Província do Alto Purus, município de Esperanza - rios Curanja e Alto Purús, no Peru. No Acre habitam na bacia dos rios Alto Envira e tributários, assim como nos rios Jordão, Humaitá, Juruá e Breu, e são comumente chamados "kaxinawá".

Fonte: Peru Ecologico

Piros, os Manchineri do Peru


Os piros tiveram seus primeiros contatos com os espanhóis em mediados do século XVII, quando os missionários franciscanos e jesuítas chegaram em suas explorações às zonas dos rios Tambo e Alto Ucayali. Neste primeiro avanço franciscano deram morte aos padres Herrera e Biedma. Nos últimos anos desse século, o jesuíta Richter visitou este grupo e redigiu um catecismo em seu idioma.

Em finais do século XVIII, os piros estenderam seu território até os rios Tambo, Ucayali e Cujar. Em 1795, se fundou a primeira missão piro e, em 1809, a segunda. Após as guerras da Independência peruana e o fechamento da sede missional de Santa Rosa de Ocopa, em inícios do século XIX, os missionários se retrairam. Entretanto, a atividade missionária com os piros continuou a cargo do Padre Plaza desde a missão de Sarayacu.

Em princípios do presente século, os piros se viram envolvidos na violência desatada pelos patrões caucheros, sendo recrutados como mão de obra para a extração de gomas e como caçadores de escravos. Uma proporção importante deste grupo foi levada fora de seu território tradicional pelos patrões, que geraram sua dispersão.

A partir de 1950, os piros começaram a ser evangelizados pelo Instituto Lingüístico de Verão e missões dominicanas, sob cuja assessoria se constituoram uma série de assentamientos que, em 1975, se acolheram à Lei de Comunidades Nativas.

LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA:
CUSCO - LA CONVENCIÓN - ECHARATE
LORETO - UCAYALI - PAMPA HERMOSA
MADRE DE DIOS - MANU - MADRE DE DIOS
MADRE DE DIOS - TAHUAMANU - IÑAPARI
UCAYALI - ATALAYA - RAYMONDI
UCAYALI - ATALAYA - SEPAHUA

Rios no Peru: Urubamba, Cushabatay, Madre de Dios e Las Piedras. Conhecidos no Acre como manchineri, se localizam no rio Purus, entre a boca do rio Iaco e do Curinaha e nos rios Maloca e Caspahá.

Fonte: Peru Ecologico

Madija, os Kulinas do Peru

Foto: Renata Freitas

As primeiras informações sobre os madija os descrevem como uma sociedade guerreira de agricultores e caçadores que habitavam os rios Juruá e Purus, e que atacavam frequentemente a seus vizinhos. Em 1869, o explorador inglês Chandless fez uma breve resenha deste grupo. Posteriormente, o sacerdote francês Constantin Tastevin, que explorou a região entre 1908 e 1914 com fins missionários, os encontrou na zona do rio Xirúa e na do Tarauacá, afluentes do Juruá no Brasil. Foi só a partir de 1890, que se deu inicio à exploração intensiva dos recursos desta zona com o "boom" do caucho, estabelecendo os kulinas relações permanentes com os patrões dedicados a esta atividade.

Após este período, os kulinas se internaram novamente na mata levando uma vida seminômade e evitando contato com os brancos. Em 1940, se instalaram na zona do Alto Purus, adotando elementos da cultura material das populações ribeirinhas, tais como a canoa e a rede de pesca.

Em 1954, os missionários do Instituto Lingüístico de Verão (ILV) se estabeleceram em um lugar denominado Shamboyacu nas proximidades do rio Purus, e depois de um tempo se transferiram com a população kulina - ali congregada - para a hoje Aldeia San Bernardo, no município peruano de Esperanza.

Rios que habitam: Alto Purus e Santa Rosa, no Peru. No Acre. na bacia dos rios Alto Purus, Chandless, Acarauá, Tarauacá e Envira, nos municípios de Santa Rosa do Purus, Manoel Urbano, Sena Madureira e Feijó.

Fonte: Peru Ecologico

19 de novembro de 2008

Ameríndia

Pintura de Marco Lenisio

De volta ao Acre, após a viagem com o pajé-mirim Ixã Dua Bake, da Terra Indígena Kaxinawá do Alto Jordão, que estamos paulatinamente relatando no blog Txaná Uri, me mudei para a cidade fronteiriça de Assis Brasil, onde me dedicarei à extensão indígena agora pela Secretaria Estadual de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar, antiga Emater. Quinze anos atrás acompanhei o professor Julio Jaminawa em viagem à sua aldeia Ananaia, na Terra Indígena Cabeceiras do Rio Acre, em três dias de caminhada pelo leito do rio na temporada de verão. Agora regressei com melhores condições de apoiar as comunidades indígenas do município, pois como engenheiro florestal poderei desenvolver bons projetos de educação ambiental e fruticultura junto das populações jaminawa e manchineri, o que deve enriquecer em breve as páginas deste nosso blog.
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Já estive me atualizando sobre a situação do movimento indigenista nas associações e organizações jaminawa e manchineri, e como uma das principais demandas de ambas etnias (uma de língua pano e a outra de língua aruak) é o resgate de sua cultura, um dos caminhos que tenho pensado seria a criação no município de uma "Comissão Ameríndia para o Fortalecimento das Identidades Étnicas Binacionais na Amazônia". Inclusive recebemos no município estes dias um grupo de estudantes secundaristas da etnia Piro da região Ucayali, no Peru, que vem a ser a mesma etnia Manchineri do Brasil, pena que a visita foi muito breve. Várias etnias hoje acreanas têm aldeias na selva peruana das quais permanecem afastados por questões nacionais além dos motivos logísticos de terem se distanciado ou desmembrado quando da invasão da região por caucheros peruanos e seringalistas brasileiros, e sua reaproximação em projetos de interesse comum possibilitaria a recomposição de sua memória cultural, hoje em estado fragmentário.
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Seria muito bom utilizar as modernas tecnologias para essa reaproximação e essa conscientização de sua identidade binacional (ou trinacional em alguns casos), como têm feito os Ashaninka, e tais projetos teriam também o cunho de defesa dos direitos humanos dos povos indígenas, como por exemplo na livre circulação de bens culturais (especialmente o artesanato) entre grupos étnicos divididos entre um lado e outro da fronteira. Parceiros dispostos a fortalecer essa idéia e abrir caminhos a esses projetos de desenvolvimento e resgate cultural serão muito benvindos! Amigos, a este respeito ou sobre qualquer outro aspecto de interculturalidade conexo, por favor escrevam-me pelo e-mail alcanave@gmail.com: inclusive para remeterem textos que desejem publicar neste nosso blog Karipuna. Meu nome é Eduardo "Txaná Shanê".
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Sobre os Jaminawa, não deixem de ler: "O Saber é Estranho e Amargo - Sociologia e Mitologia do Conhecimento entre os Yaminawa", de Oscar Calavia, Miguel Carid e Laura Pérez (UFSC). e "Nawa, Inawa", de Oscar Calavia. Sobre os Manchineri e a Terra Indígena Mamoadate, uma sugestão é o artigo "Etnozoneamento, uma importante ferramenta de gestão ambiental em terras indígenas", na coluna Papo de Índio escrita pelos txais Terry Aquino e Marcelo Piedrafita. Abraços a todos!

1 de novembro de 2008

Naiá e Jaci

Pintura de Marco Lenísio
"Há muitos anos, nas margens do majestoso Rio Amazonas, Naiá, uma jovem e bela índia ficava a admirar e contemplar por longas horas a beleza da lua branca e o mistério das estrelas. Enquanto o aroma da noite tropical enfeitava aqueles sonhos, a lua deitava uma luz intensa nas águas, fazendo Naiá subir numa árvore alta para tentar tocar a lua.

Ela não obteve êxito.

No próximo dia, ela decidiu subir as montanhas distantes para sentir com suas mãos a maciez aveludada do rosto da lua, mas novamente ela falhou.

Quando chegou lá, a lua estava tão alta que retornou à aldeia desapontada.

Ela acreditava que a Lua era um bonito guerreiro - Jaci, e sonhava em ser a noiva desse bravo guerreiro.

Na noite seguinte, Naiá deixou a aldeia esperando realizar seu sonho.

Ela tomou o caminho do rio para encontrar a lua nas negras águas. Refletida no espelho das águas, lá estava a Lua, imensa, resplandecente.

Naiá, em sua inocência, pensou que a lua tinha vindo se banhar no rio e permitir que fosse tocada.

Ela mergulhou nas profundezas das águas desaparecendo para sempre.

A lua, sentindo pena daquela tão jovem vida agora perdida, transformou Naiá em uma flor gigante - a Vitória Régia - com um inebriante perfume e pétalas que se abrem nas águas para receber em toda sua superfície, a luz da lua".

Fonte: Luxuriante

20 de outubro de 2008

Os "índios" da África são negros

Escravidão negra no estado de Maryland, uma das treze colônias inglesas que deram origem à República norte-americana. Gordon foi chicoteado pela senhora chamada Viúva Gillespie, que os escravos conheciam como "Glasby", no Dia de Natal. Por haver sido depois fotografado, nos primórdios da técnica criada no século 19, hoje sua imagem é heróica, pois carregada de simbolismo repercute as flagelações anônimas que testemunha para o resto dos tempos. Na época da Guerra Civil os anti-escravistas reproduziram o ícone como figura de campanha. Mas: caberia essa imagem para a parte de trás da nota de um milhão de dólares da hoje campanha de Obama?


Uma escultura de 1863 e um gravado da mesma época que diz que a foto de Gordon foi tirada durante um exame médico de suas formações queloidianas nas cicatrizes.

O que vem por aí

Barack Obama não será apenas o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América, e sim o primeiro presidente não-branco. Haverá democracia racial naquele país? Os EUA afinal, são resultado de ex-colônias inglesas que, através de puritanos wasp (white, anglo-saxon and protestant), quiseram edificar no continente ameríndio não uma Nova Jerusalém mítica e sim seu ideal de Nova Roma Imperial secular. A foto que circulou neste domingo nos meios de massa mostra uma criança negra segurando uma bandeirinha dos EUA e uma nota de mentira com o retrato do candidato democrata à Casa Branca durante comício em Fayetteville, na Carolina do Norte. Um milhão de dólares valerá quanto no final do mandato de Obama? Ao dizer votar com consciência, estará o norte-americano de classe média afinal votando com o bolso?!... Uma imagem, como diz o jargão, pode valer mais que mil palavras...

19 de outubro de 2008

El Niño de la Caja


Oração ao Menino da Caixa, em homenagem aos milhares de crianças indígenas em situação de mendicância nos quatro recantos da América:

"Niño Jesús de la Caja
te pido que cuando salga a trabajar
no me pase nada
que las calles sean seguras
y así poder caminar tranquilo".

Em português brasileiro seria:

"Menino Jesus da Caixa
te peço que quando saia a trabalhar
não me aconteça nada de ruim
que as ruas sejam seguras
e assim eu possa caminhar tranquilo".

Fonte: Pako Bardales

18 de outubro de 2008

Encontro em Pucallpa


Um Encontro Binacional se realizará de 30 de outubro a 1 de novembro na cidade peruana de Pucallpa, na qual participarão lideres indígenas e instituições públicas e privadas de Peru e Brasil, cuja fronteira refugia à maior quantidade de povos em isolamento de todo o mundo. O evento é organizado pelo CIPIACI e o Centro de Trabalho Indigenista do Brasil (CTI).

Após o achado de flechas diferentes das utilizadas por indígenas brasileiros que comprovam a fuga de não-contactados peruanos para território brasileiro devido à presença de derrubadas ilegais de madeira, organizações internacionais preparam o primeiro “Encuentro Regional para Garantizar la Protección y el Respeto de los Derechos de los Pueblos Indígenas en Aislamiento de la Frontera Perú-Brasil”.

Considerando a gravíssima situação de vulnerabilidade na qual sobrevivem os indígenas não-contactados da fronteira e a latente necessidade de uma articulação binacional e multisetorial, o Encontro busca formular um plano de ação conjunto que envolva os governos, as empresas e a sociedade civil de Brasil e Peru, com a finalidade de garantir os direitos desses povos.

Segundo o Centro de Trabalho Indigenista do Brasil (CTI), “esta ameaça permanente exige ações inmediatas que garantizem os direitos destes seres humanos. Exige uma visão e articulação mais além das fronteiras: no mínimo, uma perspectiva binacional”.

Para a organização brasileira, urge iniciar um processo de articulação entre organizações indígenas, ambientalistas e de direitos humanos de ambos países.

Antonio Iviche Quique, coordenador geral do Comitê Internacional para a Proteção dos Povos em Isolamento e Contato Inicial (CIPIACI), afirma que os governos de Brasil e Peru estão impulsando projetos de integração econômica, energética e de infraestrutura na fronteira, espaço habitado milenarmente por povos indígenas; e entretanto seus direitos não são considerados em absoluto.

“Estamos no início deste processo de integração e já se estão dando movimentações de indígenas isolados para o Brasil em busca de espaços onde viver, não é necessário fazer muito esforço para entender o que ocorrerá quando estes projetos se intensifiquem”, agrega Iviche Quique.

Cabe ressaltar que Brasil e Peru ostentam juntos 71% da selva amazônica e compartilham cerca de 2.800 Km. de fronteira. Das dez Reservas Territoriais existentes e propostas no Peru, para a proteção de indígenas isolados, sete estão localizadas na fronteira com o Brasil, ou próximas a ela. No lado brasileiro é exatamente na fronteira com o Peru onde se encontram as maiores concentrações populacionais de indígenas isolados do país.

O evento contará com a participação do Governo do Brasil, através da presença do Dr. Márcio Meira, Presidente da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, instituição do Estado Federal brasileiro, assim como de José Carlos Meirelles, da Frente de Proteção Ambiental do Rio Envira, dentre outros altos funcionários do país.

Na representação do Peru participarão organizações e federações indígenas com jurisdição ao longo da fronteira, organizações ambientalistas, a Defensoria do Povo e funcionários dos setores envolvidos na problemática dos povos em isolamento.

Contato: Gabriela Mendoza Mendizábal - Oficina de Comunicaciones CIPIACI
Celular: (0051) (1) 997-898-663 - comunicaciones@cipiaci.org

Fontes: CTI e Servindi

7 de outubro de 2008

Vitórias Xacriabás

Grafismos coloridos da Lapa dos Desenhos, no vale do Peruaçu, região de São João das Missões - MG (Foto: Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG)

Boas notícias nos chegam de Minas:

Estivemos lá durante a campanha, em casa do eleito Hilário Correia, presidente da Associação da Aldeia Barro Preto, para que o amigo pajé Ixã Kaxinawá conhecesse o Centro de Medicina Tradicional Xacriabá, projeto do Cimi que teve u´a mão de nosso amigo Espaia (alô, alô, Brasília, mandem notícias pra nós...). Pois foi lá nas aldeias que presenciamos o esforço de Zé Nunes, liderança xacriabá agora reeleito prefeito de São João das Missões, no norte de Minas Gerais., e Ixã chamou força com seu canto hunikuin numa das reuniões (no Riacho dos Buritis).. José Nunes foi o primeiro prefeito indígena da história do Brasil ao se eleger em 2004, e todo o movimento indigenista brasileiro deveria sentir muito orgulho dele assim como sente na memória de Angelo Cretã, liderança kaingang que foi o primeiro vereador indígena do Brasil (eleito em 1976). A reeleição do prefeito xacriabá Zé Nunes pelo PT em São João das Missões foi acompanhada da eleição de seis indígenas dentre nove vereadores do município. Destes, cinco se elegeram pelo PT e formam a íntegra da bancada do partido, que é 'étnico' no município. Além da bancada petista xacriabá, o prefeito terá, em sua base de apoio, um sexto vereador, não indígena, eleito pelo PDT.

Do outro lado, a oposição terá os demais três vereadores, um dos quais uma xacriabá. São os seguintes os vereadores indígenas eleitos em São João das Missões com respectivos partidos, votos e percentuais:

TONINHO DE ALÍPIO PT 393 7,42%
ZITA PR 392 7,40%
JOÃO DE JOVINA PT 347 6,55%
DOMINGOS DE NIRA PT 306 5,78%
DÃO DE ROSALVO PT 258 4,87%
HILÁRIO CORREA PT 234 4,42%

Destes, Toninho representa a aldeia do Brejo do Mata Fome, a maior da Terra Indígena, e, 'grosso modo', as comunidades na parte centro-oriental da Terra Indígena. Domingos de Nira tem bases eleitorais na região do Sumaré (centro-sul da TI), mas reside na sede do município e é também o representante indígena com maior penetração no eleitorado não indígena. João de Jovina é também da região do Sumaré. Hilário é da aldeia do Barreiro, no centro-norte da TI, a que tem a associação indígena mais organizada e mais empreendedora. E Dão de Rosalvo é da comunidade do Morro Falhado e representa, as comunidades no Nordeste da TI. Seu pai, Rosalvo, é cunhado do falecido cacique Rosalino (assassinado em 1986), pai do prefeito Zé Nunes. A oposicionista Zita, por fim, é da comunidade xacriabá da Rancharia, no sudeste da TI e do município.

Houve outros indígenas concorrendo à vereança em São João das Missões e que não foram eleitos. Outros dois vereadores indígenas eleitos em Minas são maxacalis, respectivamente pelos municípios de Santa Helena de Minas e Bertópolis. Maria Diva, do PRB, vai já para o seu terceiro mandato em Santa Helena, onde houve um segundo candidato indígena, Joviel, por um outro partido, não eleito. Em Bertópolis, Ismail Maxakali, do PMDB, elege-se para o seu primeiro mandato, com apoio do cacique Guigui, da aldeia Vila Nova, no Pradinho. O vereador maxacali que encerra agora o seu mandato em Bertópolis - o primeiro de um índio neste município - Milton, não se recandidatou. Há cerca de um ano ele consolidou seu rompimento com o cacique hegemônico no Pradinho e no município, Guigui, e fundou uma nova aldeia, a Cachoeira, no vizinho município de Santa Helena, para onde transferiu os títulos eleitorais do seu grupo; e deve ter apoiado aí, suponho, Maria Diva ou Joviel.

Uma novidade em Minas é a não reeleição do cacique Manuel Índio (Pataxó), em Carmésia, onde iria já para um sétimo mandato, já que é vereador desde 1982. Nos últimos pleitos, Manuel, que é da aldeia Sede, vinha concorrendo, pelo mesmo partido, o PMDB, com algum outro candidato indígena, representante das aldeias de Imbiruçu e Retirinho, o qual, no entanto, não lograva êxito. Em 2006, a aldeia do Retirinho teve seu contingente reduzido com a saída do cacique Kanatio e seu grupo para a nova aldeia de Mouã Mimatxi, no município de Itapecerica. E em 2007 a própria aldeia Sede passou por um seccionamento que deu origem à nova aldeia do Alto das Posses. Nesta eleição de 2008, o concorrente indígena de Manuel é desta nova aldeia e contou com apoios importantes nas aldeias do Imbiruçu e do que restou do Retirinho. É possível que uma maior densidade eleitoral deste segundo candidato indígena tenha retirado votos a Manuel de modo a que ambos não tenham sido eleitos.

Por fim, uma outra novidade em Minas foi uma primeira candidatura de um caxixó, Gleison, pelo PPS, em Martinho Campos, que, no entanto, não se elegeu. O PPS de Martinho Campos foi fundado pelos Caxixó e é também, assim, um 'partido étnico' no município. O PT, que já tinha diretório no município, originalmente procurado pelos índios, não se interessou em filiar e absorver um seu candidato. Mesmo não tendo eleito o seu candidato à câmara, os Caxixó apoiaram o candidato vitorioso à Prefeitura, rompendo um longo ciclo de domínio de uma facção política municipal altamente hostil à causa caxixó.

Um fato interessante e importante em Minas é o destaque político dos professores indígenas, formados, desde 1999, pelo Programa de Implantação de Escolas indígenas em Minas Gerais (Piei). O prefeito reeleito Zé Nunes é professor indígena, bem como dois dos seus secretários municipais no primeiro mandato, Marcelo, do Gabinete, e Chiquinho, da Educação; dois dos vereadores na legislatura 2005-08, Geusani e Jonesvan; e um para a legislatura 2009-12, Dão de Rosalvo, todos da primeira turma do PIEI. Entre os Maxacali, o atual vereador Milton, o futuro vereador Ismail e o candidato Joviel são também professores formados naquela primeira turma; enquanto que o primeiro candidato caxixó, Gleison, é um primeiro 'político' indígena da segunda turma, formada em 2003. Todos os onze nomes aqui citados, inclusive o Prefeito Zé Nunes, são, desde 2005, alunos na primeira turma do curso superior de Formação Intercultural em Educação Indígena (Fiei), da UFMG.

Fonte: José Augusto Laranjeiras Sampaio

1 de outubro de 2008

O Tribunal das Águas e o Brasil

Aldeia Uru-Eu-Wau-Wau nas proximidades do Rio Madeira

12 de setembro de 2008 - La Antigua, Guatemala. Reunião do Tribunal Latino-americano da Água recebe acusação contra a República Federativa Brasileira. Notícia que não ecoou na mídia, inusitadamente?...

Caso: Construção de mega-empreendimentos no rio Madeira. Estado de Rondônia, República Federativa de Brasil.

Atores de denúncia: Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

Em oposição ao: Governo Federal da República do Brasil, através da Advocacia Geral da União (AGU) Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA)

Fatos:

1. A bacia hidrográfica do rio Madeira com 1.244.500 km2, é uma das principais sub-bacias da Amazônia e é compartilhada por Brasil, Bolívia e Peru;

2. O Estado brasileiro, no seu Plano de Crescimento Acelerado (PAC), concedeu permissão para a construção de grandes barragens para geração hidrelétrica;

3. Os direitos de utilização de recursos hídricos do rio Madeira foram aprovado pela resolução da Agência Nacional de Águas: ANA. N º 555 (projeto de Jirau) e ANA. N º 556 (projeto de Santo Antônio);

4. Estes reservatórios são conhecidos como Santo Antônio, com uma área de alagamento de 271,3 km2, e Jirau com uma área de 258 km2 de inundação;

5. Os projetos hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau são partes da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul (IIRSA), nascido em 2000;

6. Ambas as barragens terão uma capacidade combinada para abastecer 8% da demanda energética atual do Brasil;

7. Essas barragens estariam em funcionamento em 2012;

8. O governo boliviano fez um apelo ao princípio da informação prévia sobre, porque o projecto de Jirau e Santo Antônio estão a 84 e 190 quilômetros da fronteira boliviana, respectivamente;

9. A hidrelétrica de Santo Antonio será localizada a 7 km da cidade de Porto Velho e Jirau a 127 km da mesma.

Considerações:

1. O reconhecimento da universalidade do direito humano à água, em adequada quantidade e qualidade, como um direito humano fundamental cujo exercício pleno deve ser totalmente protegido pelo Estado (Audição, Cidade do México, 2006);

2. Como um direito social, o direito à água não deve ser exercido em detrimento daqueles que estão mais próximos à fonte de litígios (Audição, Guadalajara, 2007);

3. Água na cosmogonia indígena é uma preponderância de natureza holística, que transcende utilitarista materiais e preconceitos prevalente nos meios produtivos sobre o mesmo. (Audição, Antigua Guatemala, 2008);

4. A estreita e tradicional dependência dos povos indígenas que têm sistemas de estilos de vida tradicionais sobre os recursos biológicos, e conveniência para a repartição eqüitativa dos benefícios resultantes o uso de conhecimentos tradicionais, inovações e práticas relevantes para a conservação da diversidade biológica e utilização sustentável dos seus componentes (Convenção sobre Diversidade Biológica Diversidade, junho 1992);

5. O Estado de Direito se fundamenta no respeito e promover a dignidade humana de todos;

6. Os estudos de impacto ambiental de ambos os projetos não consideram os impactos indiretos a povos indígenas pouco conhecidos e isoladas, como são os povos Karitana, Karipuna, Oro Bom, Cassupá, Salamai, Katawixi, Uru-eu-Wau-Wau;

7. Os processos de consulta foram deficientes e a gestão de comunidades atingidas não foram cumpridas;

8. Não está previsto um processo que facilite a participação na tomada de decisões sobre impactos sócio-ambientais dos dois projetos;

9. Estes projetos são de grande dimensão, com efeitos sobre o ciclo hidrológico, que afeta a vida de milhares de pescadores no Estado de Rondônia, a produção agrícola da população na região inferior da bacia do reservatório e o patrimônio histórico, cultural e arqueológico dos indígenas que vivem na área, assim como a biodiversidade terrestre e aquática nas áreas a serem inundadas;

10. As dimensões dos reservatórios de Santo Antonio e Jirau envolvem inundação de grandes extensões da floresta amazônica;

11. A construção do acima exposto pressupõe um potencial conflito transfronteiriço dada à natureza fronteiriça da bacia do rio Madeira e da oposição manifestada pelo Governo da Bolívia à construção de projetos hidroelétricos;

12. O Governo brasileiro não respeita as leis e tratados internacionais que assinou, concretamente o artigo 7.3 da Convenção 169 da OIT estabelece que: "Os governos devem assegurar que, sempre que haja lugar, deverão ser realizados estudos em cooperação com povos interessados, a fim de avaliar os impactos sociais, culturais e espirituais sobre o meio ambiente e desenvolvimento que as atividades planejadas podem ter sobre estas pessoas. Os resultados desses estudos devem ser considerados como critérios fundamentais para o desempenho das atividades acima referidas, "bem como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que, no seu tópico 10 inclui a participação dos cidadãos nos projetos de desenvolvimento;

13. O governo brasileiro, em suas gestões, violou a Constituição Federal do Brasil nos artigos 1, 225 e 231, bem como ou artigo 2, III, do regulamento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que afirma: Garantir aos índios e aos grupos indígenas isolados o direito de permanecem da mesma forma, e a manutenção da integridade do seu território;

14. O governo concedeu a concessão da obra em 11 de agosto de 2008. À luz dois factos e considerações, o Juiz do Tribunal de Justiça Latino-Americano da Água.

Resolve:

1. Censurar o governo do Brasil pela iniciativa de construção de obras de grande impacto ambiental e social de uma vida útil de menos de 50 anos, que implicam uma magnitude de destruição ambiental imprevisível, que coloque em risco o desenvolvimento físico e bem-estar social das populações que vivem nas áreas afetadas;

2. Censurar o Governo do Brasil por ignorar os direitos indígenas, por não implementar a Convenção 169 da OIT, o top 10 da Convenção Rio, a Constituição Federal no artigo 1 º, 225 e 231, e conforme artigo 2 º, inciso III, da regulamentação da Fundação Nacional de Índio (FUNAI);

3. Censurar o governo do Brasil por não considerar o impacto destas obras para além das suas fronteiras.

Recomendações:

4. Que o governo brasileiro suspenda a licença para a construção de mega-barragens sob o princípio da precaução;

5. Que o governo brasileiro respeita a Constituição Federal, bem como a convenções e tratados internacionais em matéria de populações indígenas, incluindo os direitos dos povos indígenas em isolamento;

6. Que o Governo do Brasil realize estudos que envolvam os povos indígenas Íesidentes nas áreas que seriam afetadas e garantir a segurança dos povos para manter seu isolamento condição;

7. Que o Governo do Brasil complete os estudos de impacto ambiental e eficácia nas suas conclusões;

8. Que o governo do Brasil considere o impacto destes projetos na República da Bolívia, respeitando o direito internacional relacionadas com o princípio da bacia hidrográfica como unidade indivisível de gestão.

Fontes: UNISINOS e MAB

30 de setembro de 2008

Quem são eles (os isolados e a guerra do mogno)

Foto: Heinz Plenge Pardo - Frankfurt Zoological Society

A caoba ou mogno (Sweetenia macrophylla), também conhecida como “ouro vermelho” por seu alto valor comercial, é a espécie mais procurada no mercado internacional. Na América do Sul, a maior extração comercial desta espécie se encontra no Peru. A sobre-exploração comercial e a talha ilegal em Áreas Naturais Protegidas ou em terras indígenas junto com o deflorestamento para uso agrícola são a causa de seu progressivo desaparecimento. Hoje resta muito pouco mogno em Madre de Dios, abundando esta árvore só nas zonas mais remotas, onde vivem os povos indígenas em isolamento voluntário como yoras, mashcopiro e amahuacas. Os contatos são quase sempre breves e violentos, e culminam no derramamento de sangue ao defenderem os grupos indígenas suas terras com arcos e flechas, e os madeireiros com armas de fogo.

Não houve novidade na aparição na mídia dos índios desconhecidos encontrados pela Funai nas brenhas do Acre. Há muito se sabe que estas populações indígenas vivem nas planícies adjacentes aos rios, nas províncias de Iñapari e Iberia. A região também abriga a outros não contactados ou grupos indígenas isolados, como os Chitonahua, Amahuscar, Maxonahuas, e Morunahuas. A sobrevivência física e cultural destes povos indígenas depende da proteção das matas de Madre de Dios, região peruana cuja capital é Puerto Maldonado, cidade no eixo da rodovia trans-oceânica projetada e em finalização ligando o estado brasileiro do Acre ao Oceano Pacífico. Com isso também a selva onde viviam os grupos isolados passou a ser atingida, e o vandalismo da exploração madeireira na região teve oportunidade de sucessos contra grupos que vêm nos últimos meses se movimentando em direção do território brasileiro (no Acre o bravo sertanista Meirelles está na frente de contato no Igarapé Xinane, confiram as novidades de lá em Altino Machado).

"A organização da exploração ilegal da madeira no Peru se baseia em um sistema regional amazônico que existe há muito tempo, conhecido como "habilitación", o qual está financiado e controlado por intermediários e por uma poderosa sociedade de madeireiros. Os intermediários (habilitadores) adiantam dinheiro a pequenos bandos de lenhadores equipados (habilitados) para ingressar na mata a cortar árvores, as transportam a serrarias de "branqueamento" para "legalizá-los", e logo os envíam a depósitos de madeira situados nos centros urbanos. Os grupos de lenhadores ilegais estão em constante movimento e bem armados, e se comprovou que usam armas de fogo para resistirem a qualquer tentativa de confiscar sua madeira na mata. A talha é efetuada por trabalhadores florestais sem recursos, enquanto que os intermediários e os magnatas da madeira de cidades e povoados se encarregam da comercialização".

Fonte: Tom Griffiths. Leiam também, de Débora Gabrich,"Os Índios Invisíveis, a Transnacionalização da Amazônia e a Reificação da Natureza".

Povos indígenas

Rodolfo Stavenhagen, Vice-presidente do Instituto Interamericano de Direitos Humanos e Julián Burger, membro do escritório para os Povos Indígenas do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, falam neste vídeo-reportagem andaluz.

Beleza guatemalteca


Fonte: INTERGUAT - Guatemala

Escola das Américas

Massacre de El Mozote, 1981, El Salvador

"os Estados Unidos intervieram em onze diferentes países sul e centroamericanos durante a Guerra Fria, incluindo Guatemala, Costa Rica, Güiana, Equador, Brasil, Peru, Chile, Bolívia, Honduras, Nicarágua, e El Salvador. O objetivo principal destas intervenções foi facilitar mudanças de governos que fossem amigáveis para com os Estados Unidos (e na maioria absoluta dos casos bem menos amigáveis para com as populações nativas desses países.) Para este fim, desenvolveram a Escola das Américas (School of the Americas), que foi usada para treinar exércitos nativos nas técnicas e ideologia da insurgência e contra-insurgência".

Saibam mais em: "The Meaning of U.S. Imperialism, Genocide and Militarism", no Democratic Underground. Fonte: Brendan

15 de setembro de 2008

Imagens Sonoras do "Huni Meka"

"De duplos e estereoscópios: paralelismo e personificação nos cantos xamanísticos ameríndios", de Pedro de Niemeyer Cesarino, aborda os cantos do cipó na etnia Hunikuin:

"Os cantos huni muka dos Kaxinawá (Guimarães 2002:212-ss.) em muito ilustram tais especificidades do paralelismo mobilizado por artes verbais ligadas a práticas xamanísticas. Referentes aos usos e aos rituais do nixi pae (ou ayahuasca [Banisteriopsis caapi]), os huni muka são propriamente caminhos. Os dami, suas imagens, representações ou transformações visionárias são os caminhos (bai) abertos pelo nixi pae capazes de colocarem o cantador em relação aos yuxin ("espíritos") ali presentes, ou ao "povo do nixi pae", aqueles que realmente compreendem as palavras especiais do canto composto na língua dos antigos (shenipabu hãtxa). O huni muka sobrepõe/comunica o huni, a pessoa que canta, a Yube, a sucuri ancestral hipóstase do cipó, bem como o próprio cipó-homem (pois a ayahuasca é uma pessoa para os Kaxinawá e tantos outros povos amazônicos).

Longos e reiterativos, tais cantos possuem um tom recitativo e uma curva melódica pouco acentuada; perto de seu fim, tendem a "adquirir um ritmo vertiginoso de elocução, reforçado pelo staccato das sílabas regulares e pelo caráter reiterativo dos versos" (Guimarães 2002:211). Acompanhados de estribilhos, os huni muka são dotados de uma cadência encantatória, cujo ritmo "serve como um dinamizador das imagens que vão sendo impulsionadas paratática e paralelisticamente, em uma montagem que oscila, dialeticamente, entre a quebra e a continuidade" (Guimarães 2002:214-215). Seus estribilhos dizem muito também da sinestesia, outra característica notável de certas imagéticas xamanísticas:

Cada som [do estribilho] tem uma luz diferente, uma luz ou então daquelas forças. Tem várias luzes, cores: azul, vermelho, brilhoso. E tem vários nomes de cipó diferente: baka, pati, shawa, shane [...] o pati é verde, bem macio; o baka é bem leve e brilhoso, branco como escama de peixe; shawa é daqueles vermelhos, tipo sangue – quando pega mesmo, você vê sangue igual chuva; tem shane que é azul, um pássaro bem azul. Cada cipó tem sua cor e suas músicas (Norberto Sales Tene citado por Guimarães 2002:211-212).

Na música do huni muka, o cantador joga com um conjunto razoavelmente fixo de versos, combinando "indefinidamente e com grande liberdade seqüências inteiras do canto, alternando versos e repetindo-os ao sabor da sua – ou de alheia – inspiração" (Guimarães 2002:214). Um esquema de tal combinação é apresentado abaixo, acompanhando o original em shenipabu hãtxa (a língua dos antigos), a fim de esclarecer ao leitor algo do jogo das reiterações e das estruturas paralelísticas dos versos, estrofes e cenas em questão (Guimarães 2002:216-217).

(1) Na mão imensa da onça
(2) A força moendo moendo
(3) O corpo inteiro seguindo
(4) O homem – lenho estalando
(5) Sobre ti, agora, caindo
(6) O homem – lenho rachando
(7) Faísca quente chegando
(8) Faísca quente chegando
(9) O homem – gomo esticado
(10) Esticado o talo nascendo
(11) O homem – gomo esticado
(12) Esticado o talo nascendo
(13) O corpo inteiro seguindo
(14) Na mão imensa da onça
(15) A força moendo moendo
(16) O homem – lenho estalando
(17) Sobre ti, agora, caindo
(18) Faísca quente chegando
(19) O homem – lenho rachando
(20) Sobre ti, agora, caindo
(21) O homem – gomo esticado
(22) Esticado o talo nascendo
(23) Com o encanto guardado
(24) Jibóia – baú de encantos
(25) Jibóia – baú de encantos
(26) Jibóia branca fez de ponte
(27) Jibóia branca cara a cara
(28) Jibóia branca cara a cara
(29) Jibóia branca fez de ponte
(30) Com ela parada no meio
(31) Parada dentro da passagem
(32) Com ela parada no meio
(33) Gameleira cheia de frutas
(34) Zoando levou embora
(35) Nuvem de curica branca
(36) Com ela parada no meio
(37) Gameleira cheia de frutas
(38) Nuvem de curica branca
(39) Zoando levou embora
(40) Paxiúba cheia de frutas
(41) Nuvem de queixada branca
(42) Tan-tan queixo batendo
(43) Paxiúba cheia de frutas
(44) Nuvem de queixada branca
(45) Tantan queixo batendo
(46) O cacho apoiado no esteio
(47) Ouvindo primeiro subindo
(48) O cacho apoiado no esteio
(49) Ouvindo primeiro subindo
(50) Jabuti esticando a língua
(51) Ouvindo primeiro subindo
(52) Com ela parada no meio
(53) Jibóia – baú de encantos
(54) Jibóia branca fez de ponte
(55) Jibóia branca cara a cara
(56) Com ela parada no meio
(57) Jibóia – baú de encantos
(58) Jibóia branca fez de ponte
(59) Jibóia branca cara a cara
(60) Ouvindo primeiro subindo
(61) O cacho apoiado no esteio


O canto justapõe e recombina as unidades verbais até criar o efeito da cena total trazida pelo nixi pae. A sobreposição da pessoa do cantador à do cipó-gente, bem como o encontro subseqüente com Yube e os yuxin ("espíritos", "almas", "pessoas outras") deixam suas marcas na estrutura do canto, acima dividido segundo as unidades consagradas por Hymes (1992) em seu estudo das narrativas chinook. São elas as linhas (cujas palavras estão acima indicadas por letras e numerais minúsculos), as estrofes (indicadas em letras maiúsculas e numerais) e as cenas (em algarismos romanos). A primeira cena (compreendendo as estrofes A1, A2, B1, B2, B3) é aquela em que se visualiza a condição ambivalente do huni, como nos diz a própria expressão "huni karu" (linha 4), ao justapor "lenha (karu) do cipó/homem" a "lenha do homem". Sobrepondo o preparo da bebida alucinógena "ao preparo dos próprios homens, [convertidos em] lenha moída, sovada, e que acaba revelando o núcleo ou gomo onde guarda sua força" (Guimarães 2002:218), a cena inicial do canto mostra o huni deslocado pela nixi pae. Assim tomado pela experiência visionária – pelos passeios do aspecto excorporado de sua pessoa, de sua "alma do olho", o bedu yuxin (Kensinger 1995; Lagrou 1998) – o huni é levado a posições outras: os desenhos ou padrões (kene) que iniciam a experiência do nixi pae se convertem aos poucos em Yube, dona de todos os padrões e também xamã primordial, que em seguida devorará a pessoa.

Entramos então na cena II (estrofes C1, C2, D1, D2, E1, E2, F1, F2), na qual o canto justapõe a visualização de Yube à dos yuxin (os "espíritos" ou as "pessoas" do nixi pae) caracterizados pela cor branca (hushu). São eles a própria yube hushu, o txere hushu (o pássaro curica branca, que é a forma adquirida pelo bedu yuxin ao se desgarrar da pessoa em estados limiares) e yawa hushu (a queixada branca). O que mostra, portanto, este huni muka? A combinação de imagens, o efeito estereoscópico da sobreposição de cenas, nota Guimarães (2002:222), compõem "uma imagem do próprio espírito do olho em sua viagem pelos caminhos da miração". Imagem, porém, que corresponde à experiência imediata do cantador/locutor, isto é, de seu bedu yuxin, e não à experiência mediatizada de ouvintes submetidos a transmissões narrativas como a das akinhá xinguanas: as queixadas-itseke da narrativa Jamugikumalu, presentes na virtualidade memorial do mito, não são as mesmas que as queixadas-yuxin deste canto Kaxinawá, presentes enquanto tais para a alma do olho.

Observemos que a divisão em estrofes e cenas acima sugerida, se segue o modelo de Hymes apenas a título ilustrativo, não deve deixar de ser acompanhada de uma ressalva feita por Tedlock (1983) em seu estudo sobre narrativas Zuñi e Quiché: o arranjo das unidades do canto no instante da performance visualiza algo mais afim a uma ação dramática (como, aliás, bem notou Franchetto para as akinhá Kuikuro) do que à rígida estruturação das formas. Pois a "poesia" aí presente, acompanhando Tedlock e o poeta Charles Olson 1997 [1950], deve ser compreendida para além da limitação do verso ao discurso métrico, a fim de considerá-lo enquanto instância aberta ou projetiva capaz de comportar toda a carga do drama e das possibilidades da respiração: cantos como eventos, portanto, se vale a aproximação com certa poesia contemporânea ocidental. Eventos ou arenas que, no entanto, nada dizem de um sujeito lírico ou da criação artística auto-centrada, mas sim das ações e das experiências de cantadores que têm sua pessoa partida em múltiplos aspectos (tais como o bedu yuxin dos Kaxinawá), e assim submetidas às variações posicionais do visível e do invisível (Viveiros de Castro 1986; 2002b). O que a imagética de cantos como o huni muka nos traz é justamente aquilo que apenas cantadores cindidos em sua pessoa podem ver: o que o mito narra e rememora do invisível, cantos tais como os huni muka, por sua vez, mostram (e agem sobre)."

Boa constrictor imperator, jibóia que a cultura hunikuin identifica como Dua Busin

O texto completo deste artigo, adaptado da dissertação de mestrado de Cesarino em 2003, o leitor encontra em Mana vol.12 no.1 - Apr. 2006

Xavantes, Senhores das Águas


"Owners of the Water": trailer para um filme a ser lançado sobre o movimento social indígena contra o agrobusiness irresponsável da soja na Amazônia brasileira. Dirigido por Laura Graham, David Hernandez Palmar, Caimi Waiasse. Editado por Drew Annis e Laura Graham.

Os Xavantes agora em seu próprio site podem se comunicar :

"O povo Xavante se autodenomina A'wê Uptabi, povo verdadeiro. Vive hoje entre os estados de Mato Grosso e Goiás, Centro-Oeste do Brasil, numa região de cerrado. São cerca de 9 mil pessoas, vivendo em 55 aldeias, em sete reservas diferentes: Rio das Mortes, Couto Magalhães, Marechal Rondon, Areões, São Marcos, Sangradouro e Parabuburi. A língua que falam está classificada no tronco Jê.

Nossa aldeia é a Etêniritipa. É considerada entre os Xavantes como a aldeia mãe, por ser a última a ter contato com os brancos, há cinqüenta anos atrás. Depois disso foi denominada como Pimentel Barbosa. Localiza-se na Reserva Rio das Mortes, próxima às cidades de Canarana e Cascalheira. Na aldeia vivem cerca de quatrocentas pessoas, em 25 ocas dispostas num semicírculo em torno do Warã, voltadas para o rio e para a serra do Roncador.


Esta região hoje está cercada por fazendas de criação de bois e plantação de arroz e soja. Isso significa desmatamento e determina um processo de degradação do solo, além da poluição dos rios que adentram a reserva e são fonte de água para a aldeia. Atualmente, o projeto Brasil em Ação, do Governo Federal, está prevendo a construção de uma hidrovia que deverá passar pelo rio das Mortes, Araguaia e Tocantins, criando um corredor de exportação de soja e outros produtos para os países desenvolvidos. A construção da hidrovia vai modificar muito o rio, vai alterar o ecossistema e o fluxo das águas. Esse projeto não é bom nem para o rio, nem para as pessoas e os animais que vivem ali. Com isso, é clara a interfêrencia direta e indireta do branco na cultura Xavante, o que causa sérios problemas para a sobrevivência da aldeia.


Foi exatamente por este motivo que decidimos fazer este site. Precisavamos de um espaço para mostrar nossa cultura, nossa sabedoria, nosso jeito de viver neste mundo. É preciso que o branco entenda que não estamos contra ele, e sim a favor de uma harmonia para ambos os povos.


Somos guerreiros. Temos estratégias para sobreviver e seguir nossa tradição. Por isso decidimos trabalhar com o Projeto Aprendiz na construção deste site, e ter este espaço mágico do computador para que a gente possa conversar com muitas pessoas que partilham do nosso pensamento e também se preocupam com a saúde do nosso planeta. E que esta conversa traga frutos bons, mudanças na realidade de nossos povos, mais respeito e oportunidade para o futuro."

Leiam também: "Índios pedem distância de agrotóxico", de Alecy Alves.

14 de setembro de 2008

O Kenê Shipibo-Konibo

Pintura de Loyver Yui López, 2007
73 x 65 cm, acrílico sobre tela

A BELEZA

por Luisa Belaunde, antropóloga amazônica

"Segundo o pensamento shipibo-konibo, a beleza se nota a flor da pele. Alguém, ou algo, é belo quando tem kenê, ou seja, quando traz o corpo coberto de desenhos, uma filigrana de grafismos geométricos na qual traços curvos e retos se unem para formar redes de luz que envolvem a pele com uma nova pele feita de circuitos de energia colorida.

A arte de traçar kenê pertence tradicionalmente às mulheres, quem, segundo a cosmologia aprenderam a fazer desenhos copiando-os do corpo de uma mulher Inka, proveniente do eterno mundo de fogo do sol que atravessou o rio que separa os imortais dos mortais. Ela trazia sobre a pele os desenhos da jibóia, a poderosa senhora cósmica dos rios e do arco-íris, o caminho que une a água ao sol. Segundo o pensamento shipibo-konibo, todos os desenhos de tudo o que existe se originam nas manchas da pele da jibóia primordial; e por esta razão, para poder ver e fazer desenhos é necessário consumir as plantas que manifestam o poder da jibóia, especialmente, piripiri e ayahuasca.

Desde meninas as mulheres são tratadas com piripiri, uma planta Cyparacea que é utilizada para agudizar a visão e fazer ver desenhos na mente, para depois plasmá-los com precisão sobre a pele, os tecidos, as cerâmicas e a madeira. As mulheres pintam, usando hastes de madeira e tintas naturais. Também bordam, tecem e fazem adornos de miçangas.

Todos nós as temos visto em alguma feira de artesanato do país vendendo seus produtos, mas poucos de nós imaginamos a complexidade de seu pensamento artístico e a destreza necessária para produzir desenhos. As mulheres não necessitam de esboços. Diretamente fazem visível sobre um suporte material os desenhos que vêem em suas mentes, e desta maneira embelezam o entorno humano transformando-o à imagem do mundo dos Inkas. Sem as mulheres para fazer kenê, os homens não teriam nenhum adorno material e nosso mundo não luziria parecido ao dos deuses.

Mas os homens também vêem desenhos em suas mentes, ainda que tradicionalmente não cultivem a habilidade de materializá-los. As visões de kenê lhes permitem exercer o xamanismo, que costuma ser uma especialidade masculina. Durante as sessões de toma de ayahuasca, os participantes conseguem perceber às redes de filigrana de luz colorida que afloram de todo o existente, indicando o estado de sua saúde, tanto física como emocional e espiritual. Por meio do canto, o xamã se comunica com a energia da jibóia primordial e os outros espíritos donos das plantas, e sua voz vai traçando desenhos imateriais que envolvem ao enfermo com a energia das plantas e o curam. Cantar é traçar desenhos imateriais de cura, claros e perfumados.

No kenê se unem a estética e a medicina, o material e o imaterial, o feminino e o masculino. As habilidades de ver e fazer kenê repousam sobre a mimetização do ser humano com a energia das plantas que, por sua vez, manifestam os poderes generativos da jibóia primordial. Todas as formas visuais, olfativas, sonoras e tácteis dos desenhos shipibo-konibo são uma celebração da beleza da jibóia que os Inka eternos luzem com todo esplendor no céu".

Tambor Shipibo comercializado pela "Central Interregional Artisans of Peru" (CIAP)

Fontes: Barin Bababo (Wordpress e Flickr). No Brasil, o Povo Hunikuin (conhecido também como "Kaxinawá" ou "Cashinahua"), que também pertence ao grupo linguístico Pano assim como os Shipibo-Konibo, encontra-se em processo de tombar o seu Kenê (etnografismo) como patrimônio cultural junto ao Ministério da Cultura, o que lhe permitirá valorizar e dinamizar o comércio de seu importante artesanato têxtil.

13 de setembro de 2008

"Rerum Naturalium" e a Ipecacuanha

No último de maio de 1560 ("anno Domini 1560 sub finen mensis Maii"), em São Vicente, no Brasil, a derradeira povoação dos Portugueses, na parte Sul ("quae ultima est in India Brasilica vergens ad austrum Lusitanorum habitatio"), o padre José de Anchieta, então aos 26 anos de idade, escreveu notável carta ao P. Diego Laynes, em Roma, Prepósito Geral da Companhia de Jesus ("+Reverendo in Christo Patri Icacobo Laynes, Preaposito Generali Societatis Iesu"). Firmou, como de costume: "Minimus Societatis Iesu", o mínimo, o menor de todos, o último como se há traduzido, comparando-se ao dedo mínimo (minimus digitus, Plaut) da maravilhosa mão atuante da benemérita Companhia de Jesus.

Anchieta trata nessa sua epístola, intitulada "Rerum Naturalium", das coisas peculiares da terra brasileira (scribit de rebus terrae peculiaribus), abrangendo situação, estações do ano, ventos, tempestades, sol, chuva e duração dos dias, o peixe-boi, a pesca, a cobra sucurijuba, lagartos, a capivara (locus, tempora anni, venti, tempestates, sol, pluvia, et dierum spatia, boves marinus, piscatus, angues "sucuriuba", lacerti, animal "capivara" dictum) e, mais, ainda: as lontras (lutrae, a Lontra paranensis Rengger, existente no Brasil-Sul), o caranguejo e a cura do câncer (cancri-animalia, et sanatio a cancro-morbo), as cobras jararaca, cascavel e outras (colubres "iararaca", "cascavel", aliique), aranhas e vermes (araneae et cerucae, aliás Anchieta limita-se às aranhas e a um bicho parecido com a centopéia, a taturana, larva dos lepidópteros), as onças (pantherae), o tamanduá, a anta ("tapira" sive "anta"), a preguiça, o sariguê, os ouriços ("pigritia", "sarigué" et ericius), os macacos (simiae); o tatu, os veados, os gatos selvagens e outros animais ("tatu", cervi, cati silvestres aliaque animalia), os bichos de taquara e outros vermes (vermes arundinum, isto é, vermes de cana, de taquara, as primeiras formas da mariposa Pyralidae-Myelobia smerintha, a larva desta borboleta que se cria no ôco dos bambus, et alii), as formigas formicae, as abelhas, moscas e mosquitos (apes, muscae et culices), os papagaios, o "guará" e outras aves (psittaci, "guará" aliaeque aves), ervas, a mandioca, e outras plantas (herbae et plantae "mandioca", aliaeque), árvores de bálsamo, pinheiros e outras (arbores balsami, pinus et aliae), plantas medicinais (plantae medicinales), pedras e conchas (lapides et conchae), espectros noturnos e demônios (nocturnae imagines et daemonia), e finalmente, o Taumaturgo assinala a inexistência de deformidades entre os índios que quando têm filhos monstros, ou resultados de adultérios, sepultavam-nos vivos (non est deformitas membrorum in Indis, quia filios deformes sepeliunt vivos et etiam adulterino sanguine natos).


Podemos antever na obra de Anchieta a difusão do conhecimento etnobotânico dos indígenas brasileiros no mercado colonialista: a mais célebre das drogas brasileiras difundidas no século XVII foi a ipecacuanha (Cephaelis ipecacuanha) e a história da sua entrada na literatura e na prática médicas ilustra bem a participação portuguesa no enriquecimento da proto-farmacologia seiscentista européia. A ação da raiz da ipecacuanha, utilizada pelos índios tupis no Brasil, foi conhecida pelos jesuítas logo no século XVI. O Padre José de Anchieta descreveu-a na já referida carta de 1560 e o Padre Fernão Cardim tratou igualmente da ipecacuanha no capítulo sobre ervas medicinais do tratado sobre o Clima e Terra do Brasil. O tratado de Fernão Cardim foi publicado em inglês por Samuel Purchas em Hakluytus posthumus (1625), nas condições atrás descritas, dando assim a primeira notícia impressa sobre a ipecacuanha. As primeiras descrições detalhadas da ipecacuanha devem-se contudo a Georg Markgraf (1610-1644) na Historia rerum naturalium Brasiliae e a Willem Piso (1611-1644), na Historia naturalis Brasiliae, publicadas juntas em Leyden em 1648. Apesar de conhecida, a ipecacuanha foi pouco utilizada até que Jean Adrien Helvetius (1661-1727) a usou para curar o Delfim de França de disenteria em 1688. No século XVIII as suas virtudes foram confirmadas por Carlo Gianelli (1696-1759) em De admirabili radicis ipecacuanhae virtute (Pádua, 1745), mas persistiram várias confusões e incertezas sobre a verdadeira natureza da raiz até que Bernardino António Gomes, depois de regressar do Brasil, a descreveu na Memória sobre a ipecacuanha fusca do Brasil ou cipó das nossas boticas (Lisboa, 1801), juntamente com a classificação feita por Brotero com base nas suas observações. O esclarecimento da natureza botânica da ipecacuanha veio permitir que Joseph Pelletier e o fisiologista François Magendie, em colaboração, isolassem o seu princípio ativo, a emetina, em 1817.

Fonte: Alfredo Gomes, in "Anchietana", 1965: Histórias e Lendas de São Vicente

A presença militar em terras indígenas

O ministro brasileiro da Defesa, Nelson Jobim, durante visita às instalações de fronteira do Exército na comunidade de Maturacá no município de São Gabriel da Cachoeira. Foto: Antonio Cruz/ABr

A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU recomenda a desmilitarização de terras indígenas. Foi aprovada na Assembléia Geral da ONU em setembro de 2007, com voto favorável do Brasil. O documento diz que "não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos povos indígenas, a menos que essas atividades sejam justificadas por um interesse público pertinente ou livremente decididas com os povos indígenas interessados, ou por estes solicitadas".

Apesar da orientação da ONU, o Comando do Exército elaborou projeto de instalação de novos postos do Exército em áreas indígenas, no Plano Estratégico de Defesa, a ser divulgado agora em setembro.

O decreto presidencial assinado pelo Presidente Lula em julho desobriga a necessidade de submeter ao Conselho de Defesa Nacional pedidos de criação de novas unidades militares em reservas. O Exército afirma que, além de ter relação harmoniosa com comunidades indígenas, "é impositivo à Força Terrestre a necessária liberdade de ação em qualquer parte do território". A respeito, é muito ilustrativo o depoimento da antropóloga Roberta Mélega no site Brasil Oeste:

"(...) Uma situação recorrente nas aldeias Yanomami ilustra bem o choque cultural que ocorre entre eles e os militares. Praticamente todos os dias, do final da manhã até escurecer, os homens mais prestigiados da aldeia se reúnem para cheirar o paricá, uma substância fortemente alucinógena. Sob efeito do paricá, alguns homens realizam curas, outros têm visões, alguns inventam canções e renovam os mitos.

Quando entra em transe, o Yanomami vai dançar e cantar no meio da aldeia, que se torna então um espaço ritualmente sagrado para a tribo. Atravessar esse espaço durante o ritual é um tabu, como eu mesma verifiquei: na primeira vez que cheguei na aldeia de Maturacá, perguntei pelo chefe, e me apontaram a sua casa, que era do lado oposto de onde eu estava, e fui atravessando a aldeia, quando vi uma mulher gesticulando. Cheguei mais perto, e ela me falou em voz baixa: “não atravesse, vá pelas laterais, pois eles estão cheirando paricá!”. Imediatamente fui para uma das laterais e contornei a aldeia até chegar a casa do chefe.

Certo dia, quando estava na aldeia de Ariabu, os chefes me pediram para avisar os militares que eles não poderiam entrar de trator para buscar coco no meio da tarde, pois estaria ocorrendo o ritual do paricá. Fui ao pelotão, avisei um oficial, e ele me disse que não havia problema, que dava para ir “pela ponta” da aldeia. Voltei para a aldeia, e algum tempo depois, quando um Yanomami estava em transe no pátio da aldeia, apareceu o mesmo militar dirigindo o trator, tentando passar pelo centro da aldeia. Os índios que estavam participando do ritual se juntaram e impediram o trator de atravessar o centro. O coco seria usado para a comitiva de generais que chegaria no dia seguinte.

Apesar de ter presenciado todo o episódio, não consigo definir se os militares agiram daquela forma por ignorância do significado do ritual para os Yanomami ou por desrespeito intencional às crenças indígenas (...)".

Fonte: Alerta Total e Folha OnLine