13 de setembro de 2008

A presença militar em terras indígenas

O ministro brasileiro da Defesa, Nelson Jobim, durante visita às instalações de fronteira do Exército na comunidade de Maturacá no município de São Gabriel da Cachoeira. Foto: Antonio Cruz/ABr

A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU recomenda a desmilitarização de terras indígenas. Foi aprovada na Assembléia Geral da ONU em setembro de 2007, com voto favorável do Brasil. O documento diz que "não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos povos indígenas, a menos que essas atividades sejam justificadas por um interesse público pertinente ou livremente decididas com os povos indígenas interessados, ou por estes solicitadas".

Apesar da orientação da ONU, o Comando do Exército elaborou projeto de instalação de novos postos do Exército em áreas indígenas, no Plano Estratégico de Defesa, a ser divulgado agora em setembro.

O decreto presidencial assinado pelo Presidente Lula em julho desobriga a necessidade de submeter ao Conselho de Defesa Nacional pedidos de criação de novas unidades militares em reservas. O Exército afirma que, além de ter relação harmoniosa com comunidades indígenas, "é impositivo à Força Terrestre a necessária liberdade de ação em qualquer parte do território". A respeito, é muito ilustrativo o depoimento da antropóloga Roberta Mélega no site Brasil Oeste:

"(...) Uma situação recorrente nas aldeias Yanomami ilustra bem o choque cultural que ocorre entre eles e os militares. Praticamente todos os dias, do final da manhã até escurecer, os homens mais prestigiados da aldeia se reúnem para cheirar o paricá, uma substância fortemente alucinógena. Sob efeito do paricá, alguns homens realizam curas, outros têm visões, alguns inventam canções e renovam os mitos.

Quando entra em transe, o Yanomami vai dançar e cantar no meio da aldeia, que se torna então um espaço ritualmente sagrado para a tribo. Atravessar esse espaço durante o ritual é um tabu, como eu mesma verifiquei: na primeira vez que cheguei na aldeia de Maturacá, perguntei pelo chefe, e me apontaram a sua casa, que era do lado oposto de onde eu estava, e fui atravessando a aldeia, quando vi uma mulher gesticulando. Cheguei mais perto, e ela me falou em voz baixa: “não atravesse, vá pelas laterais, pois eles estão cheirando paricá!”. Imediatamente fui para uma das laterais e contornei a aldeia até chegar a casa do chefe.

Certo dia, quando estava na aldeia de Ariabu, os chefes me pediram para avisar os militares que eles não poderiam entrar de trator para buscar coco no meio da tarde, pois estaria ocorrendo o ritual do paricá. Fui ao pelotão, avisei um oficial, e ele me disse que não havia problema, que dava para ir “pela ponta” da aldeia. Voltei para a aldeia, e algum tempo depois, quando um Yanomami estava em transe no pátio da aldeia, apareceu o mesmo militar dirigindo o trator, tentando passar pelo centro da aldeia. Os índios que estavam participando do ritual se juntaram e impediram o trator de atravessar o centro. O coco seria usado para a comitiva de generais que chegaria no dia seguinte.

Apesar de ter presenciado todo o episódio, não consigo definir se os militares agiram daquela forma por ignorância do significado do ritual para os Yanomami ou por desrespeito intencional às crenças indígenas (...)".

Fonte: Alerta Total e Folha OnLine

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