Sian Kanabixi em missão
Visitando o nordeste brasileiro em missão de apresentar e representar a Cultura viva e as ciências florestais do Povo Hunikuin do Estado do Acre, entrevistei o jovem pajé Siã Kanabixi em São Luís do Maranhão na casa da família do Mestre Irineu Serra, querendo saber dele algo mais sobre os fundamentos de seu trabalho de pajelança com a aiauasca:
- Sian, fale um pouco sobre como é a formação de pajé em sua cultura e como os jovens hunikuins vêm se interessando em aprender essa ciência?
- Sian, fale um pouco sobre como é a formação de pajé em sua cultura e como os jovens hunikuins vêm se interessando em aprender essa ciência?
- Primeiro eu tenho que dizer que a pajelança hunikuin é um trabalho de muito respeito e lida com muitas forças espirituais, fazendo a comunicação diretamente com os espíritos das plantas e dos animais, como a jibóia e outros que dizemos encantados, além do espírito da água, da terra, dos astros. Então para nós é uma função dentro da coletividade da maior importância, pois cabe ao pajé coordenar os rituais tradicionais da cultura, ou seja, manter a cultura viva. Eu comecei a tomar nishipae (aiauasca) com idade de oito anos, porque meu avô pediu à minha mãe para me iniciar. Depois desse tempo, fui retomar mais tarde, aos treze anos, quando morando na Aldeia Nova Olinda, no Rio Envira, convivi com parentes que conheciam a tradição da bebida mas não estavam trabalhando com ela, e quando eu recebi um sinal na mata me ensinando a conhecer o cipó, e levei uma amostra desse cipó, que encontrei por permissão das forças da natureza mesmo, o pajé de lá ficou muito feliz desse acontecimento e foi essa a primeira vez que eu preparei o nishipae, e assim é que eu também me interessei em começar a aprender os cantos tradicionais do "huni meka" para acompanhar as tomas de aiauasca. Aos dezesseis anos voltei para meu município de origem, que é Tarauacá, indo morar na Aldeia Binkuin na Terra Indígena do Igarapé do Caucho, e lá fui escolhido como primeiro coordenador de cultura deles, responsabilizando-me por todas as atividades de nossa tradição como os rituais de batismo, katxatirim, a preparação dos rapés, tudo isso... Então assim como eu felizmente existem muitos jovens hunikuins que vêm dedicando-se a esse estudo, formando-se novos pajés a partir da dedicação de nossos mais velhos em ensinar tudo aquilo de bom que tem a nossa cultura. Nesse sentido o pessoal de Tarauacá, Jordão e Marechal Taumaturgo são privilegiados por terem mais chance de ter esses professores que são os pajés antigos, sei que em outras terras indígenas muitas vezes faz falta ter alguém que possa ensinar, mas nossa intenção é usar a tecnologia de agora para facilitar essa comunicação e poder expandir esse conhecimento entre todos nossos parentes.
- Como é a relação entre o pessoal das cidades acreanas ligado às igrejas da aiauasca (Daime ou Vegetal) e vocês, indígenas, que são origem desse conhecimento do uso da aiauasca para as curas?
- Eu mesmo não sabia da existência dessas igrejas até meus dezesseis anos, quando conheci no município de Feijó a "União do Vegetal em Cristo", do Irmão José, que foi uma pessoa que muito tempo atrás foi iniciado com o Mestre Irineu e formou lá uma escola espiritual própria e de muita luz no astral. Fiquei maravilhado com esse trabalho e busquei também expandir esse estudo para os parentes que se interessassem nessa formação cristã. Mas outros parentes meus já conheciam principalmente o Daime, pela convivência com sertanistas que conheciam os hinários do Alto Santo e cantavam entre nós quando tomavam aiauasca nas aldeias, em especial os txais Antonio Macedo e Terri Aquino. Lá no Jordão e no Alto Envira a produção de couro vegetal surgiu também como um projeto da União do Vegetal (UDV), e até hoje tem centro deles lá nos municípios. Eu ajudei então a formar em minha aldeia uma escola da doutrina do Santo Daime, coordenado na terra e no astral pelo Mestre-Império Juramidam, e foi interessante que a instrução que foi recebida para isto deixou claro que a tradição do nishipae continuaria sendo trabalhada, com mais vigor, em sua casinha própria, sem mistura com outras manifestações em língua portuguesa: ali só se canta e só se fala em nosso próprio idioma que é o rã-txa-kuin. Já o centro do daime é utilizado só para as sessões da linha do Mestre mesmo, pois é muito bom que cada estudo tenha seu setor próprio. Hoje temos em Tarauacá o Centro de Iluminação Cristã Patriarca São José, e na Terra Indígena do Humaitá fica a primeira sede, chamada "Jesus, Maria e José". Mas a convivência com a irmandade daimista do Brasil e do mundo é sempre a melhor possível, já que nossos interesses são comuns desde que estejamos preservando e zelando nossa Mãe Natureza.
- Qual o objetivo desta sua viagem ao nordeste?
- Eu venho com pouco tempo, porque estou comprometido em ir conduzindo a próxima expedição da Frente de Contato com os Índios Isolados da Funai, que irá em dezembro no Alto Humaitá, e essa é uma função muito importante para a qual fui escolhido. Mesmo assim eu quis vir, primeiramente ao Maranhão para conhecer a terra natal do Mestre Irineu e o trabalho que sua família está construindo em São José do Ribamar com o Centro de Iluminação Cristã Estrela Brilhante, aqui com o padrinho Daniel Serra, o que me deixa muito feliz de estar realizando esse sonho e conseguir aqui uma conexão direta com essa missão dele. Além disso, estou dedicado a abrir caminhos para futuros projetos da Federação Hunikuin, que representa toda a população de minha etnia no Acre, no tocante a divulgação e comercialização de nosso artesanato. As pajelanças que estou realizando, e nas próximas semanas estarei no Ceará, Paraíba e Pernambuco nesse roteiro, têm a finalidade de trazer força para esta união dos amigos da floresta e zeladores da natureza, sendo também um meio de trazer um pouco da nossa cultura para a apreciação dos irmãos nordestinos que nas suas origens tem os trabalhos com a jurema como manifestação indígena também, de resistência mesmo contra a invasão da cultura européia, e podem conhecer no nishipae nossa celebração e nosso congraçamento.
Maiores informações e contatos com Siã: siankanabixi@gmail.com
2 comentários:
Bonito trabalho,
Noé.
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