27 de novembro de 2009

Revelações (III)

Indian Shaker Leaders John Slocum & Louis Yowaluck.
Courtesy: Smithsonian Institution National Archives (3021)

OS TREMULANTES

“No ano de 1881 surgia, junto à tribo squaxin de Puget Sound (estado de Washington, a leste de Olympia), uma nova religião, o Shakerismo, a qual anuncia a cura dos males, salvação das penas ultraterrenas através de uma conduta ‘cristã’ e manifestações particulares de caráter emocional e místico-ritual produzidas por intensas crises de frêmito corporal por parte dos seguidores. Digamos logo que tais manifestações são, de um lado, ligadas à tradição xamanística local e, de outro, são justificadas pelos shakeristas segundo o modelo bíblico da ‘dança’ de Davi diante do Senhor.
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O fundador do movimento é John Slocum (nome indígena: Squsacht-um), nascido por volta de 1838, da tribo Squaxin. Dele pouco se sabe. Em 1881, em consequência de uma grave doença, uma madrugada ele caiu em transe e julgou-se morto, tendo ficado inanimado até a tarde. Ao despertar, ele confirmou ter realmente morrido e ressuscitado, ter realizado uma viagem para o céu, onde lhe apareceram anjos que lhe vedaram a entrada devido a seu mau comportamento. Do céu viu o próprio cadáver, miseravelmente reduzido, e compreendeu como até então se comportara mal. Os anjos ditaram-lhe as normas de comportamento para a nova religião, conferindo-lhe a missão de instruir os homens sobre ela. Diremos neste momento que o tema da autonecroscopia, e o do erro-arrependimento, que já encontramos em outros cultos proféticos, exprimem simbolicamente, neste como igualmente nos outros casos, a condenação de uma cultura religiosa arcaica, exaurida e inadequada relativamente às exigências de renovação, resultante do contato com os brancos e das suas dramáticas consequências. Quanto às manifestações de estremecimento, que ocorrem no decorrer dos ritos shakeristas, estes são de tal importância que a eles justamente se deve a denominação corrente do novo culto, dos ‘tremulantes’ (= shakers).
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(...) Além da influência cristã sobre o fundo religioso tradicional, reconhece-se no complexo shakerista também uma continuidade de desenvolvimento relativamente à religião do profeta Smohalla, surgida em 1870 e, mais remotamente, com o movimento do profeta Tolmie, chamado ‘Dança do Profeta’, que floresceu na região de Puget Sound por volta de 1834-35. Mas a obra de Slocum, se a observarmos melhor, não pode ser privada de precedentes históricos ainda mais imediatos e diretos. Pouco antes de Slocum haviam surgido outros movimentos proféticos na região; dentre os mais importantes deve-se enumerar o de Billy Clams e o de Big Bill. Quanto a Big Bill, a sua morte remonta a 1881, ano da revelação de Slocum. Big Bill, tuberculoso, achava-se em condições desesperadoras. Tendo decidido morrer, dependurou-se numa árvore. Todavia, no trespasse teve a visão do irmão morto que o aconselhava a salvar-se para pregar uma nova religião, fundada sobre vários elementos fundamentalmente cristãos (fé em Deus, penitência dos pecados). Bill, salvo da morte, torna-se profeta e anuncia a vinda de um messias salvador dos índios. Portanto, Slocum, que veio logo depois, apareceu como o esperado messias, tendo, além do mais, repetido a experiência simbólica e dramática de morte e ressurreição já provada por Bill. À luz dos fatos acima mencionados o Shakerismo parece o mais eficaz e fecundo de uma série de movimentos proféticos mais ou menos contínuos e ligados entre si.”

Fonte: LANTERNARI, Vittorio. “As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos”. São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 139 a 143)

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