28 de novembro de 2009

Revelações (IV)

GHOST DANCE

"Todos os índios devem dançar. Em todo lugar. Seguir a dança. Logo, com a próxima primavera, virá o Grande Espírito. Trará caça de todo tipo. Abundarão as presas por toda parte. Todos os índios mortos regressarão e viverão entre nós. Serão fortes, como nossos jovens guerreiros.
Quando o Grande Espírito vier a nós, os índios todos subirão às montanhas, ao mais alto e distante dos brancos, onde não nos possam fazer dano. Enquanto os índios permanecerem lá, uma grande inundação arrastará a seus inimigos e os afogará. Depois as águas se retirarão e ninguém senão os índios povoarão a terra e a caça generosa estará por toda parte.
Até lá, os homens-medicina dirão aos índios que dancem e que passem esse aviso adiante. Aqueles que não participarem na Dança dos Espíritos, que não acreditarem nestas palabras, crescerão pouco, apenas um palmo e assim ficarão. Outros se converterão em madeira e serão pasto das chamas."
(Wovoka)


"O mais importante entre os antecedentes da Ghost-Dance, segundo Mooney, que delineia as origens, o desenvolvimento e a decadência desta, é o movimento fundado por um profeta delaware anônimo (de Tuscarawas, Michigan) em 1762 como resultado de uma visão. Naquela época, a ocupação do território nativo por parte dos brancos, a imposição por meio desses de hábitos e condições de vida que contrastam com a tradição originária, provocam uma das mais graves crises registradas na história aborígine. O profeta delaware anunciava, no novo culto fundado por ele, a libertação dos brancos mediante luta aberta (deviam-se empregar armas tradicionais, isto é, arco e flexa e não espingardas). Propugnava a fraternidade e união entre todos os índios, a cessação das guerras intertribais que haviam perturbado sua existência, a renúncia à poligamia, ao uso do álcool. Estas constituíam as causas mais graves de desagregação social e cultural para as tribos. Além disso, requeria-se o abandono de usos e costumes adquiridos depois da vinda dos brancos (por exemplo, o fuzil). O antigo ‘culto da medicina’ era definitivamente substituído pelo novo culto, o qual cumpria uma função de cura e salvação de todo mal físico, moral e social. Os ritos de sacrifício arcaicos, as preces ao Grande Espírito foram conservados. A luta cruenta devia endereçar-se contra os invasores ingleses, enquanto que os franceses deviam ser tratados como amigos e aliados.

A revelação desse culto provinha diretamente, segundo as palavras do próprio profeta, do Grande Espírito. A profecia culminava com a anunciação de uma nova era de liberdade, beatitude, fim do domínio dos brancos. No culto do profeta delaware encontram-se em germe todos os temas que, a seguir, inspirarão outros movimentos proféticos, como, setenta anos depois, o do profeta Kanakuk e, depois, de Smohalla, de Tenskwatawa, de Wowoka.

(...) Em 1805 Tenskwatawa teve sua visão profética em estado de transe, entrava no reino dos espíritos e recebia do Grnde Espírito em pessoa as instruções para fundar a nova religião, a qual ordenava o retorno à cultura original, a luta contra a feitiçaria, contra os cultos mágico-médicos arcaicos e contra o álcool, a reconstituição da propriedade coletiva, a proibição de matrimônios com os brancos, o abandono das vestimentas e instrumentos europeus. Apresentaram-se a Tenskwatawa delegações de tribos vizinhas e longínquas, para aprender suas instruções. O profeta era tido como a encarnação de Manabozo, herói-demiurgo da mitologia algonquina. (...)

Nos decênios sucessivos, numerosos profetas surgiram entre os índios das pradarias, antes de Wowoka com seu grande movimento da Ghost-Dance (1890). Entre os outros, destacam-se as figuras de Kanakuk (do grupo Kikapu, 1827), Tavibo (Ute, 1870), Smohalla (índios do rio Colúmbia, 1870). (...) Por volta de 1870 surge entre os Paviotso (próximos dos Paiute, na Grande Bacia, limites de Nevada com a Califórnia) a Ghost-Dance, a qual em uns dois anos se difundiu por todo o ocidente (Oregon, Nevada, Califórnia) dos Estados Unidos. Passando de tribo em tribo, ela se associa a contextos culturais diferenciados localmente, ora assumindo nomes locais e todavia mantendo sua identidade essencial no núcleo central do culto. O núcleo é constituído pelo tema do retorno dos mortos. O profeta, caído em transe, declara ter morrido e ressuscitado; revela a viagem empreendida por ele rumo aos espíritos dos mortos e anuncia seu iminente retorno por ocasião da renovação do mundo. Os profetas são xamãs-curadores. Nessa qualidade, gozam de um prestígio religioso justificado pela tradição cultural.

O fundador da Ghost-Dance dos Paviotso é o profeta Wodziwob, na região de Walter Lake (Nevada Ocidental), no ano de 1869. (...) Segundo Mooney, a revelação viera a Wodziwob durante uma ascenção solitária à montanha, onde se encontrou com o Grande Espírito: este lhe havia revelado estar iminente um cataclisma ou agitação geral do mundo, com consequente desaparecimento dos brancos do território. Os brancos serão engolidos pelos abismos que se abrirão na terra e seus bens – edifícios, mercadorias, objetos, instrumentos – ficarão à disposição dos índios, os quais gozarão assim de uma era feliz, livres de toda sujeição. Outras revelações subsequentes precisavam que brancos e índios seriam engolidos igualmente pelo terremoto, mas que os índios seguidores do culto ressurgiriam depois de alguns dias para viver em prosperidade. Para eles retornaria a caça abundante como antes. O Grande Espírito, junto com os espíritos dos mortos, desceria à terra para instaurar a nova era paradisíaca. A dança circular do novo culto é muito semelhante à dança posterior do profeta Wowoka.

(...) Ora, os mórmons de Salt Lake City (Utah) acreditaram identificar as míticas tribos perdidas de Israel precisamente com os índios seguidores do profeta Wodziwob. (...) Vários mórmons aderiram à Ghost-Dance; o próprio Smohalla acabará por incorporar na sua ‘religião do sonho’ elementos derivados dos mórmons. Finalmente, quando mais tarde, em 1892, a Ghost-Dance do profeta Wowoka alcançar seu resplendor, os mórmons de Salt Lake City publicarão um manifesto anônimo, no qual se dará por cumprida a profecia de Joseph Smith. Este havia predito na realidade, no ano de 1843, que quando houvesse transcorrido o octogésimo quinto ano do seu nascimento, o messias desceria à terra e se mostraria corporalmente. Isto deveria acontecer precisamente em 1890. Os mórmons reconheciam portanto no profeta Wowoka a encarnação do Messias.

(...) Filho do profeta Numataivo ou Tavibo (morto em 1870), Wowoka (= ‘o Cortador’) nasceu por volta de 1856 em Mason Valley (Nevada) entre os Paiute. Adotado pela família de um agricultor local, David Wilson, recebeu o nome inglês de Jack Wilson (ou também John Wilson). Já antes de receber a primeira revelação profética, era famoso como xamã-curandeiro. Jazia doente e febril, quando, em 1886, teve uma visão, em estado de transe. Apenas mais tarde, em 1888, anunciava ao povo dos Paiute a nova religião, a Ghost-Dance, a qual em breve seria eficaz e amplamente difundida entre os Washo, os Bannock, os Shoshoni, os Arapaho, os Cheyenne, os Kaiowa, os Sioux, os Pawni, os Cado, em resumo entre os mais diversos grupos de indígenas das pradarias, difundindo-se de ocidente a oriente em direção nordeste e na direção sul entre os Walapai, os Cohonino, os Mohave (Arizona). O culto da Ghost-Dance, apesar das variantes locais, devia conservar em toda parte os temas centrais do retorno dos mortos, da catástrofe e da renovação do mundo, depois da derrota dos brancos. (...) O profeta recebeu do Grande Espírito o prodigioso poder de governar o tempo, os elementos, a chuva. Wowoka convidava os índios a usar roupas de corte e feitio ocidental e ele mesmo dava o exemplo.

‘Abstém-te da guerra, não faças o mal, mas sempre o bem!’: são esses os preceitos da religião de Wowoka. (...) Não obstante a atitude cordata e benévola do fundador para com os brancos, - especialmente se a confrontarmos com a dos profetas precdentes - , é notável o fato de que no seu mito quiliástico não haja um lugar efetivo para os brancos e que o advento da era prometida se refira unicamente aos brancos, livres uma vez para sempre da ocupação européia. Na palingenesia cósmica, os índios se reencontrariam com seus ancestrais mortos. Não é pois de surpreender que tal doutrina, mesmo no seu pacifismo declarado, tenha desaguado logo, num terreno excepcional, em aberto conflito insurrecional. O anseio de renovação, a esperança quiliástica do novo culto deviam dar frutos entre os Sioux, onde uma situação de frustração crônica tornara-se ainda mais grave pelas recentes usurpações dos brancos. A Ghost-Dance tornava-se assim abertamente movimento de libertação, de guerra."

Visita de líderes arapahoe a Wowoka

Fonte: LANTERNARI, Vittorio. "As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos". São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 148 a 168). Imagens: Oso Blanco

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