8 de maio de 2007

Uma princesa andina em Hollywood

Logo após falar de Luzmila Carpio e seu enorme talento, mencionar a diva Yma Sumac pode ser um contraponto meio forte: explico que, apesar de ambas serem estrelas internacionais cujas carreiras se desenvolveram em torno da música andina, enquanto em Luzmila temos a música folclórica elevada a uma sofisticação cristalina, em Yma Sumac essa música foi orquestrada com uma aura de exotismo misterioso tipicamente hollywoodiano. É claro que este blog não está dedicado apenas à música, e sim às releituras da História do continente americano e às relações interculturais que vivenciamos, em especial em referência aos povos nativos ameríndios - e é por isso mesmo que esse contraste entre a cantora boliviana de sucesso na Europa e a cantora peruana que fez sucesso em Hollywood é pertinente e interessante.

Em 1944, no Rio de Janeiro, o jornal "O Globo" comentava: "Yma Sumac domina a sensibilidade artística de todo Brasil com sua mágica e divina voz. Os problemas de nosso mundo moderno são esquecidos através do magnetismo deste presente fabuloso, que vem a nós como descendente direta de Atahualpa, último rei Inca". Atahualpa, como dissemos em mensagem recente, nunca chegou a entrar pessoalmente na capital dos incas, Cusco, como rei, mas foi utilizado miticamente pelos espanhóis para representar a conquista do Império do Tawantinsuyo, motivo pelo qual na própria cidade do Rio de Janeiro há um grande monumento doado pelo governo peruano, uma estátua gigantesca de Atahualpa, que dá nome a uma praça no final da Praia do Flamengo.

O talento de Yma Sumac foi descoberto por um funcionário do governo peruano quando ela cantou em 1935, aos 13 anos de idade, em um Festival do Sol, realizado em Cajamarca, sua terra natal diante de 25 mil espectadores. Ele levou a noticia de sua surpreendente voz até o Ministro de Educação, que tratou de conseguir que Yma viajasse com sua família a Lima, onde ela se apresentou em um concerto. Aclamada como prodígio, ela obteve apoio para estudar em um colégio católico da capital peruana. O músico ayacuchano Moisés Vivanco, que constituíra a “Companhia Peruana de Arte”, formada por 46 bailarinos folclóricos e músicos, ao assistir um concerto de Yma lhe propôs integrar seu conjunto musical: é então que ela, aos 20 anos, inicia formalmente sua carreira como “Imma Sumack” (que no idioma quechua quer dizer “que bela!”).

No mesmo ano Yma Sumac se casou com Moisés Vivanco, e partiu com seu conjunto em uma turnê artística, apresentando-se na Argentina onde realiza em 1943 suas primeiras gravações discográficas. Também se apresenta no Chile e Brasil, e em 1945 se no México. A voz de Yma Sumac recebe elogios da crítica internacional por sua perfeição que vai entre 4 e 5 oitavas na escala musical.

Na música operística, o Contralto Virago é o timbre de contralto com uma extensão muito grande: trata-se de uma anomalia vocal extremamente rara que por certa peculiaridade anatômica-fisiológica possui um registro vocal extremamente grande, o timbre natural é na tessitura do contralto com graves de cor baritonais e uma extensão generosa emitindo até o Sib 1 e no registro agudo uma extensão ainda mais excepcional podendo emitir até o Dó 6: desde a tessitura do Tenor (às vezes do Barítono), até o soprano leggero. Sua tessitura usual é do Lá 1 ao Dó 6.

Assim, Zoila Augusta Emperatriz Chávarri del Castillo, verdadeiro nome de Yma Sumac, começa a construir sua lenda pessoal: obteve do Cônsul Geral do Peru nos Estados Unidos, José Varela y Arias, um documento datado de 23 de Maio de 1946, que dizia: "Certifico por este medio que a mi buen entendimiento y en concordancia con las asersiones de autoridades en la historia de los Incas y la historia Peruana en general (cuyos nombres serán publicados según requerimiento), Imma Summack es una descendiente del Emperador Inca Atahualpa, habiendo sido su madre doña Emilia Atahualpa, descendiente directa del último Emperador Inca del Perú." Em janeiro daquele ano, havendo dissolvido a Companhia Peruana de Arte, Yma Sumac chegara aos Estados Unidos junto com seu marido e uma prima, Cholita Rivera, com os quais formava o trio “Inca Taky” (em quechua significa “o cantar da realeza”).

Apenas quatro anos mais tarde, entretanto, após trabalhar inclusive com a importação de atum peruano, e tendo sido mãe pela primeira vez aos 27 anos, Yma Sumac consegue contrato com a Capitol Records e se muda para Hollywood. Na época, fazia sucesso outra cantora latina, Carmen Miranda, com seu estilo exótico, e Yma Sumac ingressa numa vertente paralela, destinada a satisfazer o gosto do público norte-americano com imagens idílicas das selvas da América do Sul e do passado misterioso do Império Inca. Pode-se dizer que ela se tornou uma estrela hollywoodiana aliando o exotismo de seu canto raro a um visual “hipnótico”. Diziam dela: “sua voz lembra um pássaro ou um terremoto”.

Em 1954, Yma Sumac é dirigida por Jerry Hopper e atua como “Kori-Tica” em um filme technicolor da Paramount, “Secret of the Incas”, ao lado de Charlton Heston e Robert Young, um desses filmes de “caça ao tesouro” que, se conta, teriam inspirado Spielberg a fazer “Indiana Jones”. A grande inovação ou mérito da película foi ter realizado filmagens nos Andes, inclusive nas ruínas de Machu Picchu (leia crônica no New York Times quando do lançamento do filme). Consagrada como estrela, é assim mencionada hoje em um blog pop: “Imaginem um ambiente de peluche vermelho, onde Hollywood se mescla com as showgirls de Las Vegas, misturem a mística das ilhas tropicais, paraísos de lagoas tranquilas, pássaros coloridos, nativas sensuais, e como fundo, um condor a trinar musica tradicional peruana. "The birds were my inspiration since I was a little child. Each bird sings completely different. When I was six or seven years old I had a tremendous impression in my heart that the way they were singing was an inspiration for me. Some day, I said, when I grow up I'm going to imitate the songs. I never forgot the sound when I became a singer and a recorder." Ao ouvir a diva do Lounge, Yma Sumac, estamos entre o inferno e o paraíso, em tons de mambo. Virgens do deus Sol, macacos, cataclismos, criaturas das florestas, fazem parte do imaginário impronunciável, cantado pela diva da música exótica. Descendente de imperadores Incas? Dona de casa de Brooklin? Who cares???? Zoila Augusta Emperatriz Chávarri del Castillo é um ícone máximo da música, que convêm redescobrir”.

Comenta Luiz Carlos Merten: “você já ouviu falar em Yma Sumac? A cantora peruana foi um ícone dos anos 50. Como diz a revista, em plena guerra fria, capitalistas e comunistas se puseram de acordo e tanto Hollywood como o Kremlin decretaram que a melhor garganta do mundo era da diva apresentada como descendente do último imperador inca, Atahualpa. Yma Sumac rompia cristais e rebentava cordas de violino com sua voz de cinco oitavas, um fenômeno, já que a média das cantoras de óperas fica em torno de duas oitavas e meia. Yma Sumac era tão bizarra – modelo para drag queens e freaks em geral – que, fiquei sabendo agora, por Gatopardo, foi o modelo para a diva alienígena criada por Luc Besson em O Quinto Elemento (e sobre a qual comentei, aqui, outro dia). Foi também tema de estudios científicos. A ciência foi chamada a explicar o mistério dessa voz. Um professor da Universidade Auburn desenvolveu a teoria de que a voz de Yma Sumac representaria um salto do passado primitivo. Desde o século 12, não há registro documentado de outra voz igual. Onde andava Yma Sumac? Mito em todo mundo, ela sempre viveu uma relação de amor e ódio com seu país de origem, só tendo regressado agora, aos 84 anos, para receber a Ordem do Sol, a maior condecoração que o Peru outorga a civis. Pelo que representa a distinção, ela costuma ser entregue pelo próprio presidente do Peru, mas ele não compareceu para prestigiar Yma Sumac.”

A cantora nos últimos anos tem realizado raras aparições, como no festival de jazz de Montreux, Canadá, em 1997. Esta é sua discografia (afora as copilações) depois de se tornar estrela de Hollywood (tem inclusive seu nome na calçada da fama em Los Angeles) - seu site pessoal traz informações mais atualizadas:

Voice of the Xtabay (1950), Capitol H-244 (10" LP)

Inca Taqui (1953), Capitol L-243 (10" LP)

Voice of the Xtabay, Capitol W-684 (incluindo em um 12" LP os dois precedentes)

Legend of the Sun Virgin (1953), Capitol T-299

Mambo (1954), Capitol T-564

Legend of the Jivaro (1957), Capitol T-770

Fuego Del Andes (1959), Capitol ST 1169

Recital/Live in Bucharest (1961), ELECTRECOR EDE073

Miracles (1971), London XPS 608

Acesse este link para ouvir algumas mp3 de “Lendas do Jívaro”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca haverá outra soprano como Yma Sumac...