16 de maio de 2007

O olhar das estrelas

Ilustração de José Lanzellotti

No planalto oriental do Estado do Mato Grosso vive uma tribo de índios. Os orarimogodogue, mais conhecidos por bororo. Têm o hábito de se reunir todas as noites. Em voz alta, contam os fatos do dia, as aventuras e as lendas. É uma das mais vivas maneiras de perpetuarem a tradição oral da tribo. As estórias não começam com o “era uma vez”. O narrador inicia a lenda dizendo “eu digo a vós, meus filhos, a vós, meus netos, e vós escutais a minha palavra...”


O milho é um dos principais alimentos dos bororo. Um dia as mulheres foram à roça colher milho, mas encontraram umas poucas espigas. Ficaram muito tristes, pois não podiam alegrar os maridos que saíram para caçar. Lembraram então de levar uns meninos que estavam brincando para ajudá-las.
Colheram muito milho e, lá mesmo na roça, socaram e fizeram bolos para os homens caçadores. Enquanto pilavam o milho, um menino saiu com uma taquara cheia de grãos de milho e os deu para sua avó que estava na maloca.
- Prepare bolo para eu comer com meus amigos.
A velhinha não sabia que eles tinham pegado aquele milho sem ordem das suas mães. Fez o bolo e eles comeram. Mas foi um trabalhão para a velhinha. Um papagaio estava olhando tudo e sabia da tramóia dos meninos. Cortaram-lhe a língua.
Os meninos, bem alimentados pelo bolo de milho, pensaram em subir para o céu. Foram à mata, pegaram um beija-flor, amarraram em seu bico um cipó e ordenaram-lhe que voasse o mais alto possível e prendesse a ponta no céu. O Beija-flor fez como lhe haviam pedido. Enquanto ele voava, emendaram várias cordas de cipó até perder de vista. Os meninos foram subindo, subindo, um a um, pelo cipó céu acima...
Quando as mulheres voltaram da roça perguntaram pelos meninos. A velhinha, de tão cansada, dormia pesadamente. Perguntaram para o papagaio e ele nada respondeu porque tinham lhe cortado a língua.
As mulheres começaram a procurar os meninos e nada. Uma viu um cipó, olhou melhor e concluiu - eles subiram ao céu por aqui. Começaram a gritar para que os meninos voltassem. Mas o beija-flor cada vez levava mais alto a ponta do cipó. Eles não quiseram voltar, mesmo suas mães implorando, chorando. Desobedeceram.
Como castigo de sua desobediência e ingratidão, foram obrigados, todas as noites, a olhar para a terra para ver se suas mães ainda estão chorando. E os olhos dos meninos se tornaram as estrelas...

Texto de Alceu Maynard Araújo em:
BRASIL - Histórias, Costumes e Lendas - São Paulo: Editora Três Ltda., s/data

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