A coca legal não é cocaína
Segundo uma profecia andina as folhas de coca representam, para o homem andino, força, vida, e é um alimento espiritual que lhes permite entrar em contato com as suas divindades: as Montanhas, o Sol, a Lua, a Terra; enquanto que para os seus inimigos a coca é uma causa de loucura e dependência. Se se legalizasse a coca esta poderia ser usada com diversas aplicações medicinais, alimentícias e dietéticas sobretudo nos países desenvolvidos que têm problemas como a obesidade, o stress e a depressão. Quem sabe se a comercialização legal da coca e seus derivados não diminuiria ou acabaria mesmo com o tráfico ilegal da cocaína!
Entender o que representa a coca e seus usos, é compreender o legado ancestral, é compreender a essência desses povos que habitaram e habitam o altiplano boliviano e peruano, bem como as grandes altitudes. A conexão do povo andino com seus protetores e com a Mãe Terra é a essência de sua cosmovisão. É, de verdade, uma pena que o mundo ocidental não compreenda a verdadeira utilidade desta planta. No ocidente, a palavra coca é imediatamente associada a cocaína mas a diferença entre ambas é simplesmente abismal. A coca é uma planta sagrada para o povo andino, desde há muito tempo, com propriedades únicas, enquanto que a cocaína é uma invenção ocidental com cerca de 150 anos à base de químicos. Quando consumimos as folhas de coca de fato consumimos uma percentagem mínima e insignificante de cocaína. “São necessários 41 produtos químicos para poder extrair a cocaína das folhas de coca e requerem-se 110 quilos de folhas para produzir 600 gramas de cocaína pura. A coca contém 14 alcalóides estimulantes, sendo o principal a cocaína, apesar da sua ínfima proporção:
Cocaína : É o éter metílico da benzoil egnonina, tem propriedades anestésicas e analgésicas.
Egnonina : É um derivado carboxilado da atropina, tem propriedades de metabolizar gorduras, glúcidos e carboidratos. Afina o sangue.
Atropina : Ou escopolamina, é anestésico que produz secura no tronco respiratório.
Pectina : Absorvente e antidiarreico, junto à Vitamina E regula a produção de melanina para a pele.
Papaína : Esta protease, que em maior proporção existe na papaya, é muito parecida com a catepsina animal, é uma espécie de fermento que acelera a digestão.
Higrina : Excita as glândulas salivares quando há deficiência de oxigênio no ambiente.
Globulina : É um cardiotônico que regula a carência de oxigênio no ambiente, melhorando a circulação sangüínea. Evita o sorojche (mal de altura).
Piridina : Acelera a formação e funcionamento do cérebro, aumenta a irrigação sangüínea na hipófise e outras glândulas, traduzindo-se em uma melhoria do corpo em geral.
Quinolina : Evita a formação da cárie dental junto ao fósforo e ao cálcio.
Conina : É um anestésico poderoso.
Cocamina : É um analgésico que junto ao anterior, ajuda a aumentar as propriedades anestésicas e analgésicas da cocaína natural.
Inulina : Refresca e melhora o funcionamento do fígado, a secreção da bile e sua acumulação na vesícula. É diurético, ajuda a eliminar as substâncias tóxicas não fisiológicas. É um polissacarídeo, muito parecido com as vitaminas B-12, que produz aumento de células do sangue.
Benzoína : Acelera a formação de células musculares e evita a putrefação de alimentos, daí suas propriedades terapêuticas para gastrite e úlceras.
Reserpina: Regula a pressão arterial em hipo e hipertensão e ajuda na formação de células ósseas.
Segundos estudos científicos, a folha andina contêm menos de 0.08 % de cocaína pura, que entra na sua forma ativa através da ação alcalina da saliva, ao ser mastigada”. O equivalente ao café como estimulante no mundo ocidental é o chá de coca no mundo andino. Além de que a coca proporciona energia, força e revitalidade essencial para as populações pobres que a necessitam para trabalhar e não têm muito para comer. Segundo Paulin Arce, “atualmente, a carência da folha de coca significaria em algumas regiões a imediata elevação dos índices de desnutrição”. Para além disso, nos Andes do Perú e da Bolívia desenvolveram-se vários usos modernos da coca numa tentativa de mostrar o bom uso da planta. A coca é usada em chás, bolachas, barras energéticas, e muitos outras coisas. Há muito que estes povos utilizam as folhas de coca e sabem dos seus valores medicinais e nutritivos. A Universidade de Harvard comprovou que a coca é um suplemento alimentício de alta qualidade. Tem mais cálcio que o leite e que o ovo, e mais proteínas do que a carne, para além de todas as vitaminas e minerais necessários. Uma investigação de 3 anos do Instituto Boliviano de Biologia da Altura e Orstrom, um instituto francês, demonstrou vários efeitos. Provou-se que a coca realmente produz resistência ao esforço físico, mais ainda na respiração porque ao mastigar-se as folhas de coca há uma maior absorção do oxigênio para o sangue e para o cérebro. Os indígenas consideram a coca sagrada porque é sinónimo de lucidez. Atualmente os investigadores comprovam o facto de que quanto mais oxigênio no cérebro mais lucidez mental. A coca também evita a trombose, regula o nível de açúcar no sangue, sendo assim muito boa para os diabetes. A coca é muito mais do que um estimulante. Ela funciona com as duas fontes de energia do ser humano: o alimento e o oxigênio.
A folha de coca tem 14 alcalóides e APENAS UM DELES É A COCAÍNA!. Na verdade, para se produzir cocaína é necessário uma enorme quantidade de folhas de coca, além de que está provado que AS FOLHAS DE COCA NÃO CAUSAM ADIÇÃO. “Falar de coca e cocaína é como falar de uva e vinho. Pode-se comer a quantidade de uva que se deseje e não vamos ficar bêbedos nem alcoólatras. Igualmente pode-se mastigar a quantidade de folhas que se queira e não vamos terminar cocaínomaniacos nem adictos”.
Em “A Divindade das Folhas de Coca”, lemos como surgiu a cocaína como produto industrial e em que isso passou a afetar o uso tradicional nos Andes:
“No século XIX vários investigadores, entre outros Gaedeke em 1855 e Albert Nieman em 1858 a quem se atribuiu o descobrimento da cocaína, pelo isolamento do que se denominou erythroxylina, tiraram a planta da coca do seu contexto social e religioso, gerando primeiro uma série de produtos químicos de aplicação médica que começaram a desenvolver em laboratórios farmacêuticos, mas ao mesmo tempo o abuso e falta de controlo na utilização da cocaína em 1880 produziu o que se denominou o vício da cocainomania. Em 1914, a "Ata Harrison" de Narcóticos declarou ilegal o uso da cocaína, e em 1930 as autoridades norte-americanas proibiram a cocaína como ingrediente da Coca-Cola”.
Primeiro a coca foi usada como o primeiro analgésico descoberto. Em 1860 Albert Niemann da Universidade de Göttingen, consegue extrair cocaína das folhas de coca e assim, inicialmente, esta foi usada como um analgésico. O enorme crescimento do uso da cocaína nos países desenvolvidos - sobretudo nos jovens o que originou vários problemas de toxicodependência - e os conflitos e violência ligados ao narcotráfico trouxeram as folhas de coca a um centro de debate sobre o seu uso e cultivo. (...) Em 1949 a coca foi considerada nociva por uma comissão investigadora da Organização das Nações Unidas (ONU). Mais tarde, em 1961, numa Convenção sobre Narcóticos, sob a influência dos EUA, a ONU assumiu oficialmente a posição de que mastigar folhas de coca era uma forma de “drogadicção”, apesar de não haver evidências aditivas na coca.
De divindade andina (sagrada, alimentícia e medicinal) as folhas de coca – no seu uso de cocaína - passaram a ser encaradas pelo mundo ocidental como algo demoníaco. Por um lado temos o mundo andino com a sua cosmologia interconectada e espiritual, por outro o mundo ocidental com o crescente vazio existencial e a procura e evasão da realidade através do uso das drogas. O povo andino encara a coca como um presente de Pachamama e Inti, o Deus Sol.
“Para reforçar a relação da folha de coca com o mundo sagrado, uma série de mitos transmitidos oralmente explicavam a sua génese vinculando a planta com os Deuses Andinos. Mama Quilla (Mãe Lua) por mandato do Deus Inti (Sol), dispôs que a planta de coca fosse espalhada nas montanhas quentes amazônicas, como consolo para os habitantes do império para que pudessem acalmar a fome, a sede, e adquirir força e vigor durante todos os dias da sua vida”.
Celso Serqueira conta que: “No século 19, o alcalóide da coca - a cocaína - fazia parte de fórmulas medicinais. Suas propriedades anestésicas e estimulantes garantiram o sucesso de muitos remédios e geraram fortunas, a exemplo do vinho tônico de Angelo Mariani (Vin Mariani), no qual a Igreja tinha interesses. Esta bebida era consumida inveteradamente pelo Papa Leão XIII, que chegou a fazer anúncios enaltecendo suas qualidades e a condecorar o seu produtor com a medalha de ouro do Vaticano. O Vin Mariani levava a absurda quantidade de 250 mg de cocaína por litro; a Coca-Cola, que manteve o alcalóide em sua fórmula até 1923, não usava mais de 7 mg/litro.”
Na década de 1880 surge a Coca-Cola numa mistura de cocaína, café e cola. A cola é uma noz africana que têm mais cafeína do que o próprio café! A Coca-Cola surge como uma bebida realmente forte e poderosa para despertar, um verdadeiro estimulante. As primeiras propagandas da Coca-Cola diziam: “Estás cansado? Então toma uma Coca-Cola que te tira o cansaço. Um produto feito com cocaína” (1900). Com a proibição do uso de cocaína a Coca-Cola deixa de a ter na sua composição mas mantém as folhas de coca. ATUALMENTE, A COCA-COLA É A ÚNICA EMPRESA AUTORIZADA A COMPRAR AO PERU E À BOLÍVIA TONELADAS DE FOLHAS DE COCA PARA A SUA PRODUÇÃO. Ou seja, proíbe-se a exportação da coca a todos os países exceto a uma empresa que fatura milhões e fabrica um refrigerante que é tudo menos saudável?!? A Bolívia e o Peru não podem vender as folhas de coca, somente a Coca-Cola a pode exportar!
Seria extremamente importante para a economia dos países sul-americanos que produtos alimentícios e medicinais à base da folha de coca pudessem ser objetos de exportação para os países desenvolvidos. Isso tocaria entretanto no monopólio secreto da Coca-Cola, que segundo o jornal alemão Spiegel: não estaria nada feliz com o aparecimento de um refrigerante colombiano - desenvolvido por colombianos. A bebida, denominada de Coca-Sek, é um refrigerante amarelado baseado na folha de coca (que também é a base da cocaína) , plantadas legalmente pelos nativos. "A Coca-Sek é uma simbiose do mundo indígena e do mestiço, pensamos muito na maneira de penetrar no ocidente e nos demos conta de que o ideal era um refrigerante", conta David Curtidor, um dos líderes do projeto.
A estória da Coca-Sek é interessante. Primeiramente, se esgotou logo que surgiu nas prateleiras. Mas logo após começaram os problemas... a única distribuidora da Colômbia resolveu não fornecer mais garrafas para a empresa de Curtidor, que começou a produzir Coca-Sek também em latas. Agora, a gigante multinacional entrou com uma ação na justiça pelo fato de a empresa colombiana utilizar o nome "coca". Curtidor alega que "não somos permitidos a utilizar o nome 'coca' em nosso refrigerante - uma palavra que tem mais de 5000 anos de origem indígena, e que se refere a uma planta sagrada". A má notícia é que Curtidor alega que ainda não tem condições de produzir em larga escala para exportação. Esta se parece com aquela estória da Asahi Foods que registrou "cupuaçu" e queria exclusividade no uso da palavra.
Na Espanha, entretanto, começou a ser comercializado a Kdrink, assim explicada em seu site: “bebida refrescante, sem gás, produzida com extrato de coca, dentre outros, previamente descocainizada. Acalma a sede, aportando a seu organismo oligoelementos (minerais), antioxidantes (polifenóis), taninos , vitaminas, óleos essenciais e aminoácidos”. Na Holanda, também à base da folha de coca, a Vortex é comercializada como bebida energética. Outros produtos, como chicletes de óleo essencial de coca, que ajudariam até a combater o vício da cocaína, também poderiam vir a ser comercializados no futuro.
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