12 de junho de 2007

O mundo nascente

Bebê da tribo Nez-Perce, foto de Edward S. Curtis

“A história do homem recomeça em cada novo indivíduo que nasce. Mas a civilização não recomeça com ele. E a cada dia, o novo indivíduo que nasce encontra uma sociedade mais complexa na qual terá que se inserir. A inserção do novo indivíduo na sociedade é tarefa da educação. Nas primeiras comunidades humanas que se formaram, essa inserção terá sido possivelmente mais simples. A cultura dessas comunidades estava muito próxima da prática comum de vida de seus membros. Todos os seus integrantes eram igualmente cultos. Como não havia linguagem escrita, não havia analfabetos. Apenas um homem, ali, detinha um conhecimento exclusivo - o feiticeiro. Ele foi o primeiro charlatão da cultura e também um pioneiro. Ele encarnava o inconformismo do homem com respeito aos limites das possibilidades de conhecer e agir. Ele é o precursor do teólogo, do filósofo, do cientista. É também o primeiro sinal de que no futuro a divisão do trabalho social determinará a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. No curso da História, o processo social avançou. Até certa altura desse processo, a cultura será ainda um desdobramento do conhecimento mágico do feiticeiro tribal. É a cultura dos mosteiros. Como o desenvolvimento das técnicas e das ciências ainda não se dera, a apropriação cultural era o conhecimento de Deus e das normas morais. O objetivo da sociedade humana aparecia como sendo, não o reino da terra, mas o reino do céu, e toda a educação visava preparar o homem para gozar as futuras delícias do Paraíso. Os detentores dessa cultura tinham um extraordinário poder sobre os homens - um poder fundado em conceitos mas que permitia aos seus detentores submeter os homens e mesmo exterminar os que a ele não se submetiam. É o desenvolvimento da economia, da ciência e da técnica que vai minar o poder teológico e gerar um novo poder cultural e político. Em nossos dias, a distância entre a cultura científica e a do homem comum é incalculável, e mesmo entre os homens cultos a complexidade do conhecimento acumulado faz com que cada um deles seja inculto com respeito ao campo do outro. Serão raros ou inexistentes os exemplos de homens que hoje efetivamente abarquem todos os campos do conhecimento. Essa subdivisão do trabalho intelectual e do trabalho técnico gera a pulverização da cultura e dificulta a visão unitária que possibilitaria ao homem situar-se com segurança em relação ao seu próprio destino e seu próprio mundo. Com isso a cultura chega contraditoriamente ao oposto do que era seu propósito original, ou seja: tornar a vida humana menos insegura e fazer do homem sujeito de sua própria História. Há naturalmente o esforço para superar essa compartimentação do conhecimento, mas a esse esforço se opõem tanto a velocidade das transformações técnico-científicas como as contradições de interesses no nível econômico, político e ideológico. Esse é o quadro social em que se deve inserir o novo indivíduo que nasce. É nessa sociedade extremamente complexa que a educação deve exercer seu papel”.

(Ferreira Gullar)

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