29 de novembro de 2007

Água é Vida

A ligação dos povos indígenas com a natureza é mais que uma tradição, faz parte da cultura e da religião. Por isso, o ritual de acendimento do fogo espiritual aconteceu ao pôr-do-sol do dia 23 de novembro, na Praia do Pina, como parte dos IX Jogos dos Povos Indígenas que ocorre até o dia 1º de dezembro, no Recife e Olinda, com o tema ÁGUA É VIDA: DIREITO SAGRADO QUE NÃO SE VENDE.

Durante a cerimônia, representantes das nações Xikrin, do Pará, e Karajá, do Tocantins, fizeram as respectivas danças, com seus apetrechos e cantos que entoavam e evocavam os ancestrais em homenagem aos elementos que compõem a natureza: terra, fogo, água e ar. "Esse é um momento especial, quando o encontro entre os povos indígenas é celebrado às margens do grande rio (Amazonas)", explicou o representante do comitê das nações, Carlos Terena.

O Recife possui hoje a quarta maior população indígena do país - 10 etnias. “Por terem sido os primeiros a sentirem o impacto da colonização, os indígenas do Recife são tidos como povos invisíveis. Eles perderam suas características e a língua mãe, porém o sangue indígena ainda corre na veia”, defende Paulo Tupiniquim, coordenador político da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo - Apoíme. Presente na cerimônia de lançamento, o secretário de Esporte do Governo pernambucano, Nelson Pereira, declarou que os jogos indígenas revelam a capacidade que se tem de unir o esporte com os mais diversos temas. Para o secretário, o evento vai ser uma forma de mostrar para o mundo os indígenas de Pernambuco e de promover junto a eles o interesse de encontrar com outros povos, longe do poder mercantilista de exploração da cultura indígena exótica.

No âmbito nacional, os Jogos foram iniciados em 1996 em Goiânia e, desde então, realizados anualmente nas seguintes cidades: Guairá/PR (1999), Marabá/PA (2000), Campo Grande/MS (2001), Marapani/PA (2002), Palmas/TO (2003), Porto Seguro (2004), Fortaleza (2005), e Recife (2007).

Foto: Aldo Dias-Ascom ME

A experiência das edições anteriores dos JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS no Brasil permitiu aos organizadores aprimorar a realização do evento, corrigir as falhas, observar e definir novas linhas de ações para alcançar a meta principal, hoje conhecida por todos: a consolidação dos Jogos como a maior e mais importante festa de congraçamento dos povos indígenas, nascida de um sonho dos próprios índios. O critério para a participação é a força cultural das etnias, considerando tradições como a língua, a dança, os rituais, os cantos, as pinturas corporais, o artesanato e os esportes tradicionais.

Maria Beatriz Rocha Ferreira retrata a situação em "Jogos dos Povos Indígenas: tradição e mudança":

"O modelo que vem sendo realizado tem características próprias dos movimentos dos Povos Indígenas. A organização destes jogos depende da articulação entre órgãos do poder público das esferas federal - FUNAI, Ministério do Esporte (denominação atual, antes INDESP) Secretaria de Esporte Estadual e às vezes Prefeitura. Um outro elemento importante, mas não tão visível, é a atuação de personalidades indígenas e forma dos indígenas se organizarem, responsáveis pela intermediação entre as comunidades e o Estado. É importante enfatizar a importância do fórum social durante o evento. É um momento de partilha,de enriquecimento de todos, de discussão sobre diferentes temas relativos à problemática indígena, como política, educação, saúde e ecologia. Expressa de uma maneira ou de outra a integração da cosmologia indígena.

As informações de indígenas (Assurini, Caiapó, Pareci, Terena, Krahô,Karajá,Yawalapiti) obtidas nos eventos dos Jogos dos Povos Indígenas realizados em Mato Grosso do Sul, Porto Seguro e Fortaleza apontam os seguintes significados dos jogos:a) valorizar a cultura dos povos indígenas para garantir a visibilidade étnica; b) aprender tradições de patrícios; c) mostrar aos “brancos”um pouco da cultura indígena; d) oportunizar uma mudança de idéia dos brancos, que os olham com discriminação; e) encontrar etnias, que não sabiam que existiam,e que em alguns aspectos são semelhantes; f) despertar o respeito às diferenças étnicas; g) manter contato com outras etnias mesmo depois dos jogos, etc; h) aliança jogo - esporte- evento nacional."

Os jogos dos povos indígenas podem indicar importantes direções para a comunidade local,ser um lugar de celebração, um campo não tenso onde é possível discutir e buscar soluções para os problemas.Se eles nunca tivessem sido realizados, não haveria momentos importantes de contato interétnico, um pensamento sobre re-significação dos jogos tradicionais, esporte indígena, visibilidade étnica. E os jogos poderiam ficar no esquecimento, no silêncio. Enfim, o processo de mudanças nas sociedades indígenas tem mobilizado diferentes setores da sociedade, do Governo e Universidades às Organizações Não-governamentais. Faz parte de um processo de reconhecimento do valor e da identidade de ser indígena e da contribuição que esses povos podem dar ao país."

Para o líder indígena Carlos Terena, idealizador do evento criado em 1996, os jogos nasceram de um sonho acalentado por 20 anos de difundir, além da defesa legítima das questões agrárias, o lado alegre da vida nas tribos. “Eu queria que o Brasil pudesse conhecer o Brasil, mas acabou que minha idéia está servindo também para os índios, porque antes não havia intercâmbio entre nossos parentes”, diz Terena, ao comentar que até agora, por ocasião dos encontros, os grupos se observam encantados. Segundo o líder Terena, por influência dos jogos muito já se conseguiu avançar neste aspecto, inclusive revertendo situações de degradação de algumas tribos, onde se verificavam altos índices de suicídios e grande incidência de alcoolismo. – “Há gratidão e emocionado orgulho entre nossa gente a cada festa que realizamos”.

Confira a carta de Terena sobre os JPI deste ano:

IX JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS"O importante não é ganhar, sim celebrar!"

Nesse mundo conturbado por contradições entre paz e guerra, mudanças climáticas, riqueza e pobreza, mais uma vez os Povos Indígenas do Brasil através da organização indígena Comitê Intertribal – ITC e com apoio do Ministério do Esporte, vai reunir em torno de 1.300 indígenas e 34 Povos, oriundos de várias regiões do Brasil, com a realização do IX JOGOS DOS POVOS INDÍGENAS, entre os dias 24 de Novembro e 1ª de Dezembro em Olinda e Recife, para mostrar que se o futuro existe, queremos ser parte dele com dignidade e respeito.

Os Povos Indígenas, contornando pressões e ideais político-partidários e as realidades indígenas locais, logram uma verdadeira articulação que lembra Cunhambebe e a Confederação dos Tamoios na guerra contra os colonizadores e Touro Sentado nos EUA, quando engaja nessa construção do retrato do nosso País a partir das tradições indígenas, o Governo de Eduardo Campos de Pernambuco (PSB), de Luciana Santos, Prefeita de Olinda (PC do B) e João Paulo, de Recife (PT).

Diversas aldeias dos mais distantes rincões brasileiros já preparam suas flechas, arcos, bordunas, remos, artes e artesanatos para viajarem as terras dos Tapuias, Fulni-Ô, Pankararu, Xukuru, Luiz Gonzaga, Ariano, Gilberto Freire e por que não dizer entre outros, de Luis Inácio Lula da Silva. A área escolhida para as celebrações dos Jogos dos Povos Indígenas recorda grandes conflitos entre brancos e índios, quando de parte a parte morreram muitos em nome da civilização, deixando como resultado de um lado, a extinção de vários povos e aldeias indígenas, e de outro, uma sociedade que tem a cara do branco europeu, do negro e do próprio indígena. Agora, após a limpeza exercida por líderes indígenas espirituais que foram ao local, nasce o sonho de afirmar mais uma vez a identidade cultural e o resgate da auto-estima de cada etnia participante, lembrando a diversidade, a diferença entre povos e povos de ritos, costumes, línguas e visões, sem qualquer discriminação ou exclusão, apesar da insistência de alguns "indigenistas" e "intelectuais" que sempre falaram pelo índio, em afirmar dentro de seu círculo de atraso e vício colonialista, que tudo será um grande circo, que tudo não passa de folclore ou exotização.

Custa-
nos crer que enquanto os Povos Indígenas conquistam espaços internacionais na ONU com as Metas do Milênio, a criação de um Fórum Permanente como representação mundial oficial de alto nível e a recente Declaração para os Direitos Indígenas, diversos "especialistas em índios" permanecem tateando e sobrevivendo em seu reduto intelectual e acadêmico do atraso. Houve um tempo em que os Militares do arbítrio governantes do País quiseram expulsar de Brasília indígenas jovens em potencial quando estudavam para ingressar nas universidades ou em empregos na Funai, preocupados que estavam com esse crescimento indígena e nessa tentativa, criaram apelidos como "índios aculturados", "índios do asfalto", "índios falsos", cuja resposta perante todo o País, foi: "Posso ser o que você é sem deixar de ser quem sou!"

Atualmente existem indígenas estudando para serem Antropólogos, Sociólogos, Médicos, Engenheiros, Administradores de Empresa e Advogados, inclusive muitos já formados e em áreas de Mestrados e Doutorados, que estarão também participando dos IX Jogos dos Povos Indígenas como coordenadores e palestrantes no Fórum Social Indígena. Por isso um evento da natureza e qualidade étnica dos IX Jogos dos Povos Indígenas, atrai setores do Ministério da Cultura, MEC, Funai e Funasa, dentro de um compromisso do Governo Federal de assumir e respeitar o protagonismo indígena, despertando perante a sociedade nacional de que todos têm o seu pedaço de índio, inclusive para os reacionários que não admitem essa possibilidade de vanguarda indígena com soberania e autodeterminação.

O Literatura Indígena exemplifica bem esse novo tempo quando acolhe níveis de comentários de forma responsável e autônoma, possibilitando através da máquina do homem branco, um DJ que procura dar nitidez, compreensão ao som da voz indígena novo, moderno, o atual que resistiu a toda forma de opressão. Os IX JPI sentem essa muralha ainda que apodrecida, tratada pelo olhar indígena como desafio: este ano em Pernambuco com irmãos que receberam os primeiros impactos do colonizador, e daqui dois anos em Mato Grosso, terra de Rondon, Krumari, Paulinho Bororo, Kremuro e Juruna. Uma grande alegria indígena parafraseada numa profecia bíblica: Bendito aqueles que viram e ouviram!


M. Marcos Terena
Diretor do Memorial dos Povos Indigenas
Membro da Cátedra Indigena Itinerante

Fonte: MinC. Leiam o artigo "Etno-futebol indígena", de José Ronaldo Mendonça Fassheber e Maria Beatriz Rocha Ferreira. Conheçam também o projeto do site Jogos Indígenas do Brasil.

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