19 de agosto de 2007

Poronominaré

Arte de Xondaro

"O velho pajé Cauará saiu para pescar, demorando muito a voltar. A filha preocupada resolveu procurá-lo perto das águas mansas do rio. Após muito andar, sentou-se na relva para descansar. Anoitecia e a lua surgiu atrás das montanhas, ficando a jovem a contemplá-la. Subitamente, destacou-se do astro um vulto muito estranho que vinha em sua direção. A índia parecia hipnotizada, sendo em seguida tomada de profunda sonolência. Neste momento o pajé, que havia retornado a aldeia, preocupou-se com a ausência da filha. Tomou então um pote com paricá, pó alucinógeno que, inalado, lhe despertava os poderes de pajé, entrando assim em transe.

Muitas sombras desfilaram a sua frente e entre elas surgiu a silhueta de um homem que subia aos céus em direção à lua. Aos poucos, outras imagens foram tomando formas humanas com cabeça de pássaros, anunciando ao pajé que sua filha estava numa ilha, não muito distante dali. Imediatamente Cauará dirigiu-se ao local revelado, encontrando a moça enfraquecida e faminta. Voltaram à aldeia. Passados alguns dias, a jovem, preocupada contou ao pai um sonho impressionante: no alto da montanha ela dava à luz uma criança muito clara, quase transparente. Não havia leite em seus seios, sendo o seu filhinho alimentado por uma revoada de beija-flores e borboletas.

À sua volta, outros animais que também se encantaram com o bebê, lambiam-no carinhosamente. Algum tempo depois, a filha de Cauará notou que, embora virgem, esperava uma criança. O pajé, estranhando o fato, entrou novamente em transe. As alucinações lhe mostraram ser o homem que ele vira subir à lua, o pai de seu neto. Numa madrugada em que os animais, as aves e os insetos pareciam agitados e felizes, nasceu na serra de Jacamin o neto do pajé - Poronominaré, o dono da terra. Ao ser informado do feliz acontecimento, Cauará seguiu para a montanha para conhecer o herdeiro. Surpreso, encontrou a criança com uma barbatana nas mãos, indicando a cada animal o seu lugar na Natureza. Ao cair da tarde, quando tudo já estava em pleno silêncio, ouviu-se uma cantiga feliz. Era a mãe do dono da terra que subia aos céus, levada por pássaros e borboletas."

Fonte: Escola Vesper (Estudo Orientado). Leia também a narração com maiores elementos apresentada pelo Lobo do Cerrado, baseada na versão recolhida por Brandão de Amorim e publicada por Luís da Câmara Cascudo em "Antologia do folclore brasileiro". A Escola de Samba Acadêmicos do Ipiranga, de São Paulo, no carnaval de 2004 utilizou essa mesma lenda ameríndia como enredo:

"Poronominaré - o dono da terra" (Xodó, Buchecha e Dú)

Ô Ô Ô Ô, tem festa na floresta amor
É alegria que eu trago nesse carnaval
Com Acadêmicos eu vou, que vou

Nascido no alto da Serra de Jacamim
Festejado pelos animais, Poronominaré surgia
Neto do velho pajé Cauará
Veio na missão de botar ordem na natureza

Numa noite de luar a jovem índia se encantou
Com a imagem que no céu se fez
A fazendo alucinar
a criação de um novo mundo
Palmas a nossa bateria
Que hoje na avenida saudamos Poronominaré

É assim, que começa nossa história
Através de Brandão de Amorim
Trouxe o mito até aqui
O velho pajé teve a visão
Que o fez pensar
Que a imagem que subia ao céu
Buscando o luar (o luar)
Traria sua filha protegida
Pelas mãos do criador

Na floresta, ele os encontrou
Um povo com cara de colibri
E achava que um deles fosse herdeiro

Daí então ele se transformou
Em um lagarto, e comprovou
Que o grande dia de encontrar
A jovem índia na ilha
Até lá foi o pajé."


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