18 de agosto de 2007

As bondades da folha

"El Yatiri", pintura de Arturo Borda (1918)

O autodidata Arturo Borda (1883-1953) foi o criador do indigenismo pictórico na Bolívia, e nesta obra clássica retratou um xamã aymara (yatiri) utilizando ritualmente as folhas de coca em frente à paisagem do Lago Titikaka. Uma antiga lenda aymara recolhida nos anos 20 nos explana a eterna significância da Coca dentro da cultura andina:

"Os homens sábios
que enxergam mais adiante que o resto de seu povo
quando chegam os maus tempos,
o inverno,
são recolhidos por Deus
como sementes boas
para semear neles.
E através deles nos homems,
os alimentos que correspondem
à nova era a se viver.
Alimentos para o corpo e para o espírito.
Pois o espírito se nutre
de conhecimento, de consciência.
Assim quando o conquistador do norte
envolvido em seus ferros,
veio a conquistar um ser,
um povo nascido nos Andes,
nas montanhas
templos naturais para Deus,
um escolhido entre os sacerdotes
em um entardecer vermelho sangue
escutou a voz interna d´ELE
que fala assim:
Amo muito a meu filho, a teu povo
porque obedeceu meu mandato
e se manteve puro.
Também por isso o dotei
de muita sabedoria;
mas agora o resto
de meu rebanho além do teu mundo
já chegou.
Não apenas em corpo,
também em espírito.
Por isso teus irmãos
estão combatendo entre eles.
Os buscadores de ouro já estão aqui
para oprimir o coração
e cravar seus espinhos de ferro na carne.
Mas não deves esquecer que a dor
é o receptáculo da felicidade,
ela penetra no coração
pelo caminho que abriu a dor.
Os tempos que tocam viver são esses.
Escavarás no coração da terra teu caminho
como o verme faz para tirar o ouro e a prata
(deuses de barro que o homem construiu).
Mas no fundo dessa busca encontrarás
as trevas e te perderás nelas
e isso te fará ansiar a luz que ficou para trás.
Assim quanto mais desçam
mais ânsias terão de subir
e poderão chegar a mim.
A pureza de teu coração me comoveu
e por isso, para lutar contra a treva
que subjaz no fundo da Pachamama
para suportar o frio, a fome
e a tristeza dos corações
separados de teu pai,
te darei um presente para teus hermanos.
Sobe a aquele monte alto
onde encontrarás uma pequena planta,
mas de muita força.
Guardem com amor suas folhas
e quando sintam dor em seu coração,
fome em sua carne
e escuridão em sua mente...
levem-as a sua boca
e com doçura extraiam seu espírito
que é parte do meu.
Obterão amor para sua dor
alimento para seu corpo
e luz para sua mente.
E ainda mais...
observa o baile dessas folhas
com o vento e obterás respostas
para tuas perguntas.
Mas se teu carrasco chegado do norte,
o conquistador branco,
o buscador de ouro a tocar,
só encontrará nela
veneno para seu corpo
e loucura para sua mente.
Porque seu coração está tão endurecido
como sua espada e seu traje de ferro.
E quando a COCA,
que é assim como a chamarás,
tente abrandá-lo,
só conseguirá rasgá-lo
como os cristais de gelo
formados das brandas nuvens
que destróem as rochas
e demolem as montanhas."

Tradição oral Aymara recolhida por Antonio Díaz Villamíl. Fonte: Comunidad Tawantinsuyu.


Não deixe de visitar o Museo de la Coca (site em inglês/espanhol).

Leia: "Hernán Gómez o Intik Amaru: El chamán de Huechuraba", por Rosario Mena.

Assista também ao vídeo do II Foro Internacional de la Hoja de Coca.

Coma coca, una hoja de coca comida es una hoja de coca menos para el narcotrafico
Con una hoja de coca legal podremos curar y alimentar a la humanidad entera.

(Agustín Guzmán)

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