Anjos Caídos
"O PRANTO E O CANTO PELO ANJOS CAÍDOS", por Plínio Marcos
Publicado no caderno Folhetim da Folha de S.Paulo, no domingo 3 de abril de 1977.
Neste texto foi mantida a grafia original
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(...) O arco, a flecha, o tacape, o cocar de penas multicoloridas, o barro, a farinha, feitos pela geração enferma da outrora gloriosa tribo seriam levados pelos tristes índios sem cor, sem brilho, sem canto, com passos trôpegos, ao posto comercial dos brancos cidadãos contribuintes e seriam trocados pela branca aguardente dos brancos cidadãos contribuintes. E a branca aguardente dos brancos cidadãos contribuintes envenenaria o sangue, a energia, o trabalho, a fé, a esperança do índio. Envenenaria o índio, e o arco do índio, e a flecha do índio, e o cocar de penas multicoloridas, e o barro do índio, e a farinha do índio, e a cor, e o brilho, e o canto do índio, e a honra, e a liberdade, e o respeito do índio por si mesmo, e todos os fundamentos da tribo do índio, e o ventre apodrecido das mulheres da tribo, que geraria cada vez mais a mais miserável das descendências do índio.
E o arco, a flecha, o tacape, e o cocar de penas multicoloridas, e a cuia iriam enfeitar as brancas paredes das brancas moradas dos brancos cidadãos contribuintes. E o olhar seco do velho índio, seco como o olhar de um corpo sem alma, via, via, via, pela primeira vez, que esse comércio já há tanto tempo praticado por sua gente, por ele mesmo e por seus antepassados, com os brancos cidadãos contribuintes, lhes envenenava o sangue, os fundamentos recebidos por herança, os gritos de guerra de toda uma raça, o sonho, a energia, o trabalho, a ânsia de liberdade, sobretudo a ânsia de liberdade. E o seco olhar do velho índio, seco como o olhar de um corpo sem alma, via, via, via que era o tempo dos tempos de sua raça. Via, via, via, o olhar seco do velho índio, seco como o olhar de um corpo sem alma, que era a grande hora de dor da sua tribo. E sentia que era chegado o seu momento-limite de cacique, o momento de tomar a decisão mais corajosa de todos os tempos da tribo. Era o momento doloroso da escolha. (...)
Leia mais sobre o dramaturgo brasileiro Plínio Marcos no site Almanaque Folha OnLine
Um comentário:
Olá!
Parabéns pelo belo blog!
Até.
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