12 de agosto de 2007

Os exemplos do Alto Uaupés


“Para nós, povos indígenas, o nosso diploma é aprender a falar e a escrever a nossa língua” relatou o professor indígena Luiz Rodrigues, da Escola Kubeo Yepa Suri, localizada no Alto Uaupés, do lado brasileiro da fronteira entre Brasil e Colômbia. Esta frase marcou o segundo dia de relatos de experiências de outros grupos participantes da 5ª reunião da Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico (Canoa), que foi realizada em São Gabriel da Cachoeira (AM)

A Canoa, rede formada por organizações indígenas e não-indígenas do Brasil, Colômbia e Venezuela, está reunida em São Gabriel da Cachoeira (AM) para trocar experiências que incentivem a adoção de políticas públicas para contemplar as demandas dos povos indígenas da região. No segundo dia do evento, o tema mais debatido por todos foi Educação, entretanto houve também discussões sobre mineração, saúde, alternativas econômicas e turismo no noroeste amazônico

Os representantes da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê (COIDI), que abrange a região brasileira do Médio e Alto Uaupés, falaram principalmente do movimento de educação escolar indígena diferenciada que vem ocorrendo. Por se tratar de uma região extensa, muitas comunidades que ficam nos afluentes do Uaupés, como no rio Papuri, por exemplo, recentemente passaram a adotar a proposta de ensino diferenciado, cuja metodologia de ensino se baseia na pesquisa e na vivência nas comunidades. Entretanto, na região também há escolas diferenciadas que estão a mais tempo no movimento e já estão com seus projetos políticos pedagógicos consolidados como é o caso da escola Khumuno Wu’u, dos povos Wanano.

Na região do rio Içana, no Brasil, a educação diferenciada também vem sendo adotada pela grande maioria das escolas. A partir da criação da Escola Indígena Baniwa e Coripaco Pamáali, se iniciou a formação de agentes de manejo ambiental e de novos professores que hoje atuam nas novas escolas que vem surgindo. O grupo de representantes do Içana relatou o processo de constituição dessas novas escolas, cada uma com sua especificidade territorial e lingüística. No caso da escola Kariamã, localizada na comunidade de Assunção do Içana, no baixo Içana, por exemplo, ensina-se a língua Nhengatú, porque esta é a língua mais falada na localidade. Já a partir na Escola Paraatana, localizada um pouco acima de Assunção, ensina-se a língua Baniwa, que é a mais falada e adotada pelas comunidades. André Fernando Baniwa, vice-presidente da Foirn e diretor da Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi), falou ainda dos projetos de comercialização de artesanatos, de cestaria de arumã (Arte Baniwa) e ainda da pioneira iniciativa de comercialização da “Pimenta Baniwa”.

Em relação à saúde, os baniwa chamaram a atenção dos demais participantes para uma recente pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) sobre o alto índice de mansolenose na região do Içana. Mansolenose é uma doença transmitida por um mosquito conhecido na região como “pium” (e como “borrachudo” na região sul do País) e que causa muitas dores no corpo, febre e dor de cabeça. André Baniwa disse que é de suma importância que haja uma ação conjunta entre Brasil e Colômbia na questão do tratamento dessa doença: “Para nós o rio é um só, sem fronteiras, as ações precisam ser conjuntas. Não adianta tratarmos essa doença nas nossas comunidades do lado brasileiro, se nossos parentes colombianos vêm sofrendo desse mesmo mal”, alertou.

Do outro lado da fronteira, a Associación das Comunidades Unidas del rio Isana y Surubi (ACURIS) – da área que corresponde ao Alto Içana no lado colombiano - vem trabalhando na elaboração do “Plan de vida” (Plano de vida) das suas comunidades. O “Plan de vida” é uma série de reflexões profundas e estratégias formuladas pelos próprios indígenas que determina a governança das suas comunidades. De acordo com Hernando Velásquez, liderança da ACURIS, o “Plan de Vida” precisa ter respostas aos questionamentos que fazemos para nossas comunidades que vão ajudar a formular esse documento. “Precisamos saber como vivíamos antes? Como estamos vivendo hoje em dia e como queremos viver no futuro?”, questiona ele.

A saúde é uma grande preocupação para a ACURIS. Com base no “Plano de Vida”, a associação vem pesquisando com as comunidades e os “sabedores” (os mais velhos) sobre plantas medicinais, doenças comuns e tempos de ocorrências dessas doenças. Esses dados, ao serem sistematizados, oferecerão subsídios para a elaboração de um “Plano de Saúde de Atenção Básica Indígena”. Todas as pesquisas já feitas possuem o apoio do governo colombiano por meio das Autoridades Tradicionais Indígenas (AATIS).

Já os dois grupos do rio Negro - do médio rio Negro II e rio Negro acima e rio Xié -, por sua vez, falaram das dificuldades que vêm enfrentado para implementar uma educação diferenciada nas suas escolas. Eles apontaram que a presença de uma assessoria pedagógica é a chave para que possam de fato construir um projeto político de educação diferenciada para sua região. Mesmo sem o apoio necessário, essas lideranças vêm trabalhando para a adequação das suas escolas à cultura local.

Alguns temas específicos que são comuns aos dois lados da fronteira, como a mineração, foram levantados durante o segundo dia de reunião para a identificação de diferenças e semelhanças na regulação da atividade no Brasil e na Colômbia. No caso brasileiro, os povos indígenas têm direito ao usufruto da terra, mas o subsolo é da União. Portanto a mineração em terras indígenas no Brasil, em princípio, é proibida, pois não existem leis que regulamentem a atividade nesses territórios.

Já na Colômbia, Francisco Ortiz, da Fundação Gaia, explicou que não existe propriamente uma proibição. O Estado colombiano dá preferência de exploração para os povos indígenas, mas se estes não queriam praticar a atividade, o governo pode repassar esses direitos para alguma empresa mineradora. Entretanto, não há políticas claras que regulamentem a exploração. Ortiz informou ainda que, na cabeceira do Rio Guainia, no sudeste colombiano, uma empresa mineradora canadense vem realizando prospecção na área, e alertou que se for liberada a licença de exploração haverá um grande risco das populações de vivem ao longo do rio sofrerem com impactos ambientais. “Esses impactos não ficariam somente no lado colombiano, pois o Rio Negro é uma continuação do Rio Guainia, portanto aqui embaixo todos sofrerão tal qual os povos de cima”.

Uma outra questão levantada pelos participantes brasileiros da Canoa foi a existência de plantações de coca dentro dos resguardos indígenas da Colômbia. De acordo com Martin Von Hildebrad, da Fundación Gaia, porém, a grande maioria dos territórios indígenas colombianos está fora da área de atuação dos traficantes. “A maior área ocupada pelos produtores se localiza em torno de parques nacionais que, inclusive, estão sofrendo um forte desmatamento”, disse ele. Hildebrad acrescentou que algumas cabeceiras de importantes rios que banham a Amazônia Colombiana estão nesses parques. “Temos uma grande preocupação que é a questão das cabeceiras dos rios que estão nos resguardos indígenas. A bacia do Rio Caquetá, por exemplo, que banha grande parte dos resguardos indígenas, se encontra exatamente nesses locais. Por isso essa é uma ação prioritária para Fundação Gaia nos próximos anos, estamos organizando nossa atuação para conservação dos rios e da floresta em âmbito de bacia”, informou Hildebrand. O coordenador da Gaia lembrou da ação da campanha “Ikatu Xingu”, que luta para recuperação das cabeceiras do rio Xingu que se encontram fora dos territórios indígenas e vêm sofrendo com o extenso desmatamento para criação de gado e plantação de soja.

Fonte: "Nosso diploma é aprender a falar e a escrever a nossa língua", de Andreza Andrade

Documentário etnográfico de Stella Oswaldo Cruz Penido, fruto de projeto de pesquisa na região do Alto Rio Negro-Amazonas, na área indígena Baniwa, em parceria com a OIBI - Organização Indígena da Bacia do Içana e com a ACIRA - Associação indígena do rio Aiari, registrando métodos de cura: plantas medicinais, benzimentos, etc..

Leiam de Nilder Costa o artigo "Nobreza européia fomenta etnoseparatismo na Amazônia".

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