Amazônia Brasileira e a Mulher Beija-flor
O ministro da Justiça fuma cigarro oferecido pelos xamãs indígenas no Parque Indígena do Xingu.
Agosto de 2007. Foto: Beth Begonha / ABr
Agosto de 2007. Foto: Beth Begonha / ABr
Minha querida amiga jornalista e radialista Beth Begonha, da Rádio Nacional da Amazônia, não apenas fotografou o Ministro da Justiça Tarso Genro em sua recente viagem ao Xingu como entrevistou-o para a Agência Brasil a fim de saber da situação da Fundação Nacional do Índio, a FUNAI, órgão daquele Ministério:
Em entrevista a Beth Begonha, enviada especial da Rádio Nacional da Amazônia ao Parque Indígena do Xingu, Tarso disse que defender as terras indígenas é garantir o cumprimento da Constituição Federal, que determina o respeito aos direitos desses povos. O ministro da Justiça, que esteve no Xingu (...) como convidado para assistir à cerimônia do Kuarup, na aldeia dos índios Yawalapiti (a cada ano, o ritual acontece em uma ou algumas das diversas aldeias das 14 etnias da parte sul do parque, o chamado Alto Xingu), afirmou que a Polícia Federal está disposta a usar a força para garantir esses direitos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
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Rádio Nacional da Amazônia: Há intenção, por parte do Ministério da Justiça, de fortalecer a Funai?
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Ministro Tarso Genro: A Funai tem que passar e já está passando por uma completa reestruturação. As políticas públicas que passam por dentro da Funai são extremamente importantes, não só para nós respeitarmos os indígenas, que são os primeiros donos dessa terra Brasil, como também se referem ao futuro do nosso país. Da relação harmoniosa dos indígenas com a sociedade moderna e com a natureza, somada ao respeito aos direitos constitucionais que foram consagrados na Carta de 88, é que nós vamos ter uma nação verdadeiramente coesa e democrática; não há possibilidade que se tenha isso sem que os direitos fundamentais desses grupos étnicos sejam respeitados. E a Funai não estava aparelhada para cumprir essa missão. Sem entrar no mérito da administração anterior, porque não me cabe avaliá-la, mas todas as modificações que foram feitas, entre elas a reestruturação do quadro e o aparelhamento técnico que está sendo feito agora vão melhorar muito o desempenho da Funai e portanto, o do governo brasileiro no cumprimento de seus compromissos com esses nossos brasileiros originais.
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RNA: Existe previsão de concurso público, plano de carreira e melhoria de salários para os servidores da Funai?
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Tarso: Esta é uma questão que já está sendo tratada pelo presidente da Funai com a equipe técnica do Ministério do Planejamento. Não sou eu quem decide sobre a estrutura técnica dos quadros e sobre sua remuneração, mas é mais do que evidente que algumas modificações deverão ser feitas. Não só o quadro deve ser reestruturado tecnicamente, mas a Funai tem que acompanhar os direitos do servidor público no que se refere à reorganização do plano de carreira e a remuneração apropriada.
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RNA: Qual a importância das terras indígenas e dos povos que vivem nessas regiões?
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Tarso: É uma questão chave, porque a forma através da qual o território da nação se organiza é a forma com que seus habitantes ocupam esse território, portanto as formas de propriedade são formas de ocupação. A forma de manutenção da propriedade imemorial dos indígenas é uma maneira de constituição harmônica do território, não só do ponto de vista étnico e social, mas também do ponto de vista da defesa da biodiversidade, da defesa das suas riquezas e da manutenção dessa pluralidade étnica.
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RNA: Muitos povos indígenas enfrentam problemas em suas terras como conflitos com madeireiros e garimpeiros. Qual é a disponibilidade da Polícia Federal para atender esses povos indígenas?
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Tarso: É de parceria total. A Polícia Federal é a polícia da União e desenvolve atividades inclusive preventivas em relação a essas questões. É claro que o crescimento econômico do país às vezes se dá de forma desordenada, de forma irracional e ofensiva aos direitos dos indígenas consagrados na Constituição. Por isso, à medida que nós tivermos que usar recursos judiciais para isso, nós usaremos, e à medida que tivermos que usar força do Estado, que detém o monopólio da força, também o faremos. E estaremos fazendo nada menos que cumprir a Constituição, protegendo as terras indígenas de invasões dessa natureza.
Escrevendo na Revista da Funai sobre "Os índios e a mídia", Beth fala sobre o seu trabalho na rádio que, através do carisma de sua voz e de suas colocações pessoais, faz dela uma verdadeira celebridade das matas com o codinome "Beth Beija-flor":
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Tudo que sei sobre os povos indígenas, aprendi com eles. Quando iniciei o projeto do Amazônia Brasileira, programa que apresento e produzo na Rádio Nacional da Amazônia, tinha muito claro em minha mente os objetivos que deveríamos atingir como espaço de mídia: integrar os vários povos que vivem na Amazônia, com sua diversidade cultural e suas questões específicas, promovendo o conhecimento e a interação entre essas populações. Isso incluía também as comunidades indígenas. Desde sempre esse espaço foi pensado para ser ocupado pelos índios, e não por alguém que falasse por eles.
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Não foi tarefa difícil, devo confessar, pela receptividade dessas comunidades, pelo desejo que tinham e têm de serem vistos e ouvidos. A maior dificuldade era minha, pois, apesar de trabalhar em comunicação há 25 anos, inclusive na Amazônia, não tinha qualquer conhecimento sobre os índios nem um modelo de programa na mídia que pudesse seguir.
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Muito do que me ocorre sobre indígenas na TV e no rádio é extremamente alegórico e, em grande parte, se não explicitamente negativo, carregado de desconhecimento. O despreparo dos comunicadores é evidente. Nem tudo é maldade e preconceito. Na verdade, creio que o problema maior é mesmo o desconhecimento, a ignorância, no sentido literal.
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Não é à toa que muitos ouvintes escrevem dizendo que o Amazônia Brasileira é uma escola. Para mim também tem sido. Por esse espaço aberto, quase experimental, tem passado não só lideranças conhecidas, como Ailton Krenak e Marcos Terena, mas também pessoas anônimas, habitantes das aldeias, ouvintes do programa, que nos escrevem, telefonam e mandam e-mails, como o professor Waranaku Aweti, que, em viagem a Belém, procurou-me como ouvinte e acabou convidado do programa. Foi quando conhecemos os Aweti do Parque do Xingu.
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Lembro-me quando toda a Amazônia se emocionou com o canto de Kakotchele Krahô. Falávamos sobre o festival de sementes desse povo, considerado um dos mais antigos do planeta, quando, de repente, ele disse: “Posso cantar o canto da ema? O meu povo é o ‘povo da ema’!” Que beleza, que força! Os ouvintes escreveram comentando, ficamos todos felizes pela oportunidade de nos conhecermos. Ah, e uma das músicas mais pedidas no Amazônia Brasileira é O encanto do beija-flor, com o pajé Benki Ashaninka. Um verdadeiro hit!
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A sociedade brasileira precisa descobrir os povos indígenas. Conhecer as “pessoas” indígenas, homens e mulheres, brasileiros como nós, com suas virtudes e seus defeitos, suas dificuldades e seu saber. O papel da mídia é essencial nessa tarefa. E se a mídia, por interesse, mostra aquilo que o povo quer ver, que seja feito o convite a toda essa gente brasileira, tão acolhedora com os estrangeiros de toda parte do mundo, para que acolha, se interesse, conheça e reconheça os nossos povos do Brasil.
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Concluindo, uma foto de Beth com os Aweti no Xingu e um poema feito por um amigo índio para a musa das ondas da Amazônia Brasileira:
Talvez seja ela a perfeita síntese entre mundos e perspectivas. Síntese não é uma boa palavra, porque não se trata de fazer um só de muitos, mas de, revelando os muitos, transitar por eles, entre eles, virando outros a cada vez (e não sendo sempre o mesmo) (e não sendo sempre - necessariamente - humanos, e não sendo sempre os mesmos olhos). Ela transita entre esses mundos (mulher, animal; branco, índio(s); digital, analógico/ lógico, ilógico, alter-lógico) como um elo perdido. sua beleza está fora do alcance de qualquer visão estática, e só se mostra em movimento, em, seu movimento próprio. Afinal, ela é um beija-flor, o único que pára no ar, mas só alguns sabem e vêem quanto movimento isso requer! Por isso os olhos dela se movem sempre, de um lugar a outro, assumindo novos pontos de vista e, por isso, novos corpos, novas cores, novas vozes, sempre um novo pensar e agir. por isso os olhos dela são doces e generosos, de tanto ver. Por isso os olhos dela são grandes e sorriem. Como não amá-la?
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Tudo que sei sobre os povos indígenas, aprendi com eles. Quando iniciei o projeto do Amazônia Brasileira, programa que apresento e produzo na Rádio Nacional da Amazônia, tinha muito claro em minha mente os objetivos que deveríamos atingir como espaço de mídia: integrar os vários povos que vivem na Amazônia, com sua diversidade cultural e suas questões específicas, promovendo o conhecimento e a interação entre essas populações. Isso incluía também as comunidades indígenas. Desde sempre esse espaço foi pensado para ser ocupado pelos índios, e não por alguém que falasse por eles.
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Não foi tarefa difícil, devo confessar, pela receptividade dessas comunidades, pelo desejo que tinham e têm de serem vistos e ouvidos. A maior dificuldade era minha, pois, apesar de trabalhar em comunicação há 25 anos, inclusive na Amazônia, não tinha qualquer conhecimento sobre os índios nem um modelo de programa na mídia que pudesse seguir.
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Muito do que me ocorre sobre indígenas na TV e no rádio é extremamente alegórico e, em grande parte, se não explicitamente negativo, carregado de desconhecimento. O despreparo dos comunicadores é evidente. Nem tudo é maldade e preconceito. Na verdade, creio que o problema maior é mesmo o desconhecimento, a ignorância, no sentido literal.
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Não é à toa que muitos ouvintes escrevem dizendo que o Amazônia Brasileira é uma escola. Para mim também tem sido. Por esse espaço aberto, quase experimental, tem passado não só lideranças conhecidas, como Ailton Krenak e Marcos Terena, mas também pessoas anônimas, habitantes das aldeias, ouvintes do programa, que nos escrevem, telefonam e mandam e-mails, como o professor Waranaku Aweti, que, em viagem a Belém, procurou-me como ouvinte e acabou convidado do programa. Foi quando conhecemos os Aweti do Parque do Xingu.
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Lembro-me quando toda a Amazônia se emocionou com o canto de Kakotchele Krahô. Falávamos sobre o festival de sementes desse povo, considerado um dos mais antigos do planeta, quando, de repente, ele disse: “Posso cantar o canto da ema? O meu povo é o ‘povo da ema’!” Que beleza, que força! Os ouvintes escreveram comentando, ficamos todos felizes pela oportunidade de nos conhecermos. Ah, e uma das músicas mais pedidas no Amazônia Brasileira é O encanto do beija-flor, com o pajé Benki Ashaninka. Um verdadeiro hit!
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A sociedade brasileira precisa descobrir os povos indígenas. Conhecer as “pessoas” indígenas, homens e mulheres, brasileiros como nós, com suas virtudes e seus defeitos, suas dificuldades e seu saber. O papel da mídia é essencial nessa tarefa. E se a mídia, por interesse, mostra aquilo que o povo quer ver, que seja feito o convite a toda essa gente brasileira, tão acolhedora com os estrangeiros de toda parte do mundo, para que acolha, se interesse, conheça e reconheça os nossos povos do Brasil.
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Concluindo, uma foto de Beth com os Aweti no Xingu e um poema feito por um amigo índio para a musa das ondas da Amazônia Brasileira:
Talvez seja ela a perfeita síntese entre mundos e perspectivas. Síntese não é uma boa palavra, porque não se trata de fazer um só de muitos, mas de, revelando os muitos, transitar por eles, entre eles, virando outros a cada vez (e não sendo sempre o mesmo) (e não sendo sempre - necessariamente - humanos, e não sendo sempre os mesmos olhos). Ela transita entre esses mundos (mulher, animal; branco, índio(s); digital, analógico/ lógico, ilógico, alter-lógico) como um elo perdido. sua beleza está fora do alcance de qualquer visão estática, e só se mostra em movimento, em, seu movimento próprio. Afinal, ela é um beija-flor, o único que pára no ar, mas só alguns sabem e vêem quanto movimento isso requer! Por isso os olhos dela se movem sempre, de um lugar a outro, assumindo novos pontos de vista e, por isso, novos corpos, novas cores, novas vozes, sempre um novo pensar e agir. por isso os olhos dela são doces e generosos, de tanto ver. Por isso os olhos dela são grandes e sorriem. Como não amá-la?
Para escutar: Amazônia Brasileira
Rádio Nacional da Amazônia OC
8:00 às 10:00 hs
Horário de Brasília
amazoniabrasileira@radiobras.gov.br
beijaflordaamazonia@gmail.com
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