8 de setembro de 2007

Neruda em Machu Picchu

"A Conquista foi um grande incêndio. Os conquistadores de todos os tempos e todas as latitudes recebem um mundo vasto e ressonante, deixam um planeta coberto de cinzas. Sempre foi assim. Nós os americanos, descendentes daquelas vidas e daquela destruição, tivemos que escavar, para buscar debaixo das cinzas imperiais as gemas deslumbradoras e os colossais fragmentos dos deuses perdidos. Ou também tivemos que olhar para as alturas: às vezes uma torre dos antigos tempos, vencendo o miserável passo dos séculos, eleva seu orgulho sobre o continente. Porque eu distingo a arte subterrânea e a arte dos espaços abertos dos antigos americanos. E esta é minha própria maneira de conhecê-los e compreendê-los."

(Pablo Neruda, no texto "Nuestra América es Vasta e Intrincada", publicado em Cuadernos.)

"Quando passei pelo Alto Peru fui ao Cusco, subi a Machu Picchu. Fazia tempo que eu tinha regressado da Índia, da China, mas Machu Picchu é ainda mais grandiosa. Todas as civilizações dos manuais de História nos falavam da Assíria, dos ários e dos persas e de suas construções colossais. Depois de ver as ruínas de Machu Picchu, as culturas fabulosas da antigüidade me pareceram de papelão, de papier maché. Mesmo a Índia me pareceu minúscula, embadurnada de pintura, banal, feira popular de deuses, diante da solenidade altaneira das abandonadas torres incásicas. Eu não pude apartar-me daquelas construções. Compreendia que se pisávamos a mesma terra hereditária, tinhamos algo que ver con aqueles altos esforços da comunidade americana, que não podíamos ignorá-los, que nosso desconhecimento ou silêncio era não só um crime, mas também a continuação de uma derrota. O cosmopolitismo aristocrático nos tinha levado a reverenciar o passado dos povos mais afastados e nos tinha colocado uma venda nos olhos para não descobrirmos nossos próprios tesouros. Pensei muitas coisas a partir de minha visita ao Cusco. Pensei no antigo homem americano. Vi suas antigas lutas enlaçadas com as lutas atuais. Ali começou a germinar minha idéia de um Canto Geral americano. Antes havia persistido em mim a idéia de um canto geral do Chile, à maneira de crônica. Aquela visita mudou a perspectiva. Agora via a América inteira a partir das alturas de Machu Picchu. Este foi o título do primeiro poema com minha nova concepção. Fui precisando o que nos era necessário. Tinha que ser um poema extraordinariamente local, parcial. Devia ter uma coordenação entrecortada, como nossa geografia. A terra devia estar invariavelmente presente. Escrevi muito tempo mais tarde este poema de Machu Picchu. Como é a preparação de uma nova etapa de meu estilo e de uma nova preocupação em meus propósitos, este poema saiu demasiado impregnado de mim mesmo. O começo é uma série de lembranças autobiográficas. Também quis tocar ali por última vez o tema da morte. Na solidão das ruínas a morte não pode ser afastada dos pensamentos. Escrevi Macchu Picchu na Isla Negra, em frente ao mar"

(extrato da conferência "Algo sobre mi poesía y mi vida", na Universidad de Chile, que realizou o poeta ao completar seus 50 anos. Foi publicado na Revista Aurora, Nº1, julho de 1954)

Pablo Neruda (1904-1973) em Machu Picchu

"Canto Geral" tornou-se um clássico não só da literatura hispano-americana mas também da poesia universal do séc. XX, chamado pelo próprio Neruda, em "Confesso que Vivi", sua obra memorialística, de "meu livro mais importante". "Canto Geral" é uma obra atípica e representa uma reviravolta na poética de Pablo Neruda. O livro foi escrito em circunstâncias adversas, quando Neruda, por ser membro do Partido Comunista, sofria forte perseguição pela polícia do presidente chileno González Videla, sendo obrigado a transpor a Cordilheira dos Andes e refugiar-se no exterior. Lançado em 1950, o livro teve duas primeiras edições quase idênticas: uma oficial, e pública, no México; e outra, clandestina, no Chile. "Canto Geral", obra de caráter enciclopédico, reúne os mais variados temas, gêneros e técnicas, dividindo-se em 15 seções e 231 poemas. O livro nasceu marcado pelo sofrimento, tendo o poeta testemunhado, por intermédio dele, o seu grande amor tanto pelo Chile e por seu povo, quanto pelos povos oprimidos da América Latina. É uma obra que une o combate e a ternura.

Para baixar o disco com Neruda recitando seu poema "En las alturas de Machu Picchu", clique AQUI. Também se poderá baixar o arquivo pdf do livro "Canto General". As mp3 do disco CANTO GENERAL (lançado em 1975 pelo Conjunto Aparcoa e Marés González) estão disponíveis em dois arquivos compactados, um com o LADO A e outro com o LADO B.

LADO A:
1. América (Aparcoa) com a voz de Pablo Neruda "El hombre tierra fue..."
2. Canción Caribe (Pablo Neruda-Gustavo Becerra) canção"Como la copa de la arcilla..."
3. Quenas (folclore - arr. Aparcoa) "Era el Sur un asombro dorado..."
4. Una Sañosa Porfía (A.Encina - XVºS) canção sem letra
5. Conquista Española (Aparcoa) "ya van, ya van, ya llegan..."
6. Colonia (Pablo Neruda-Gustavo Becerra) canção "Cuando la espada descansó..."
7.Los Jilgueros (folclore - arr. Aparcoa) "La inteligencia, con un hilo helado..."
FACE B:
8. Oligarquías (Aparcoa) "Cuando ya todo fue paz y concordia..."
9. Chacabuco (Sergio Ortega) "Gota a gota una leche de turquesa..."
10. El Pueblo (Pablo Neruda-Violeta Parra) canção "Paseaba el pueblo..."
11. Pido Castigo (Aparcoa) "Ellos aquí trajeron..."
12. Santa Laura (Sergio Ortega) sem textote
13. Siempre (folclore - arr. Aparcoa) "Aunque los pasos..."

"Estos Aparcoa le sacan sonido al aire, al humo, a la nieve, a la lluvia, a cuanto existe. Y al corazón del pueblo. Son así. Andan por los caminos, recogen los instrumentos verdaderos, meten los ojos, la nariz, la boca y los oídos en la fragancia natural de Chile, en sus rápidas alegrías, en sus constantes dolores. Y salen cantando. Salen cantando con flautas y tambores, con el aire y el agua, con la tierra y el pueblo. Tienen razón. Solo cantando podemos vivir: honor a estos intransigentes muchachos que van y vienen con su música, a otra parte, porque en todas partes los estamos esperando." (Pablo Neruda, Isla Negra 1970)

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