Direitos dos Povos Indígenas afirmados na ONU
A declaração, de 46 artigos, estabelece os padrões mínimos de respeito pelos direitos dos povos indígenas do mundo, que incluem a propriedade das suas terras, acesso aos recursos naturais dos seus territórios, preservação dos seus conhecimentos tradicionais e autodeterminação. O embaixador adjunto do Peru na ONU, Luís Enrique Chavez, que apresentou o documento ao plenário da Assembleia Geral, sublinhou que a organização tinha agora a «oportunidade e a responsabilidade» de "prencher um vazio" no âmbito da proteção dos direitos humanos. "Trata-se da proteção de um grupo de seres humanos que, como testemunham os diferentes mecanismos de proteção dos direitos humanos, se conta entre os mais vulneráveis", acrescentou.
Todavia, o embaixador da Austrália, Robert Hill, declarou na sua intervenção que o seu país votava contra porque são atribuídos direitos às populações indígenas que entram em conflito com os do resto da população e com as normas constitucionais dos países democráticos. "A Austrália manifestou a sua oposição ao uso do termo autodeterminação, que está sobretudo relacionado com situações de descolonização. Não podemos apoiar um texto que põe em perigo a integridade territorial de um país democrático", afirmou. O Canadá sublinhou também que o documento não se adequa à sua legislação em matérias como a propriedade de terras, a sua exploração ou as forças armadas. "Há que conseguir um equilíbrio entre estes direitos dos povos indígenas, o Estado e as terceiras pessoas", referiu o embaixador canadense na ONU, John McNee.
Por seu turno, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, saudou a adoção da declaração de direitos e instou os Estados membros a "garantirem que a sua visão seja posta em prática", disse a sua porta-voz, Michele Montás. A declaração garante aos povos indígenas o direito de participar nas decisões do Estado sobre questões que afetam diretamente a eles, como educação, propriedade da terra e saúde. 'Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisão sobre assuntos que afetam seus direitos, através de representantes escolhidos por eles mesmos de acordo com procedimentos próprios, bem como o direito de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomdada de decisão', diz o documento.
Parágrafos preambulares de uma minuta que serviu de base à Declaração nos permitem uma visão preliminar do novo documento da ONU, cujo teor completo ainda não foi difundido:
1 - Afirmando que todos os povos indígenas são livres e iguais em dignidade e direitos, de acordo com as normas internacionais, e reconhecendo o direito de todos os indivíduos e povos de serem distintos e de considerarem-se distintos, e serem respeitados como tais;
2 - Considerando que todos os povos contribuem para a diversidade e a riqueza das civilizações e culturas, as quais constituem patrimônio comum da humanidade;
3 - Convencidos de que todas as doutrinas, políticas e práticas de superioridade racial, religiosa, étnica ou cultural são cientificamente falsas, legalmente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas;
4 - Preocupados com o fato de os povos indígenas terem sido freqüentemente privados de seus direitos humanos e liberdades fundamentais, tendo como resultado a perda de suas terras, territórios e recursos, assim como a pobreza e a marginalização;
5 - Celebrando o fato de que os povos indígenas estão se organizando para pôr fim a todas as formas de discriminação e opressão onde quer que ocorram;
6 - Reconhecendo a urgente necessidade de promover e respeitar os direitos e características dos povos indígenas, que se originam em sua história, filosofia, culturas, tradições espirituais e outras, assim como em suas estruturas políticas, econômicas e sociais, especialmente seus direitos a terras, territórios e recursos;
7 - Reafirmando que os povos indígenas, no exercício de seus direitos, deveriam ver-se livres de discriminação adversa de todo tipo;
8 - Respaldando os esforços para consolidar e fortalecer as sociedades, culturas e tradições dos povos indígenas, através de seu controle sobre os processos de desenvolvimento que afetem a eles ou às suas terras, territórios e recursos;
9 - Enfatizando a necessidade da desmilitarização das terras e territórios dos povos indígenas, o que contribuirá para a paz, a compreensão e as relações amistosas entre os povos do mundo;
l0 - Enfatizando a importância de dar especial atenção aos direitos e necessidades das mulheres, jovens e crianças indígenas;
11 - Convencidos de que os povos indígenas têm o direito de determinar livremente suas relações com os Estados nos quais vivem, num espírito de coexistência com outros cidadãos;
12 - Ressaltando que os Convênios Internacionais sobre os Direitos Humanos afirmam a fundamental importância do direito à autodeterminação, assim como o direito de to. dos os seres humanos de procurar seu desenvolvimento material, cultural e espiritual em condições de igualdade e dignidade;
13 - Tendo em conta que nada nesta Declaração pode ser usado como justificativa para negar a qualquer povo seu direito à autodeterminação;
14 - Conclamando os Estados a cumprir e implementar efetivamente todos os instrumentos internacionais aplicáveis aos povos indígenas;
15 - Solenemente proclamamos a seguinte Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas:
Parte 1:
1 - Os povos indígenas têm o direito à autodeterminação, de acordo com a lei internacional. Em virtude deste direito, eles determinam livremente sua relação com os Estados nos quais vivem, num espírito de coexistência com outros cidadãos, e livremente procuram seu desenvolvimento econômico, social, cultural e espiritual em condições de liberdade e dignidade.
2 - Os povos indígenas têm o direito ao pleno e efetivo desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos na Carta das Nações Unidas e outros instrumentos internacionais de direitos humanos.
3 - O povos indígenas têm o direito de serem livres e iguais a todos os outros seres humanos em dignidade e direitos, e de serem livres de distinção ou discriminação adversa de qualquer tipo baseada em sua identidade indígena.
Parte II:
4 - Os povos indígenas têm o direito coletivo de existir em paz e segurança como povos distintos e de serem protegidos contra o genocídio, assim como os direitos individuais à vida, integridade física e mental, liberdade e segurança da pessoa.
5 - Os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de manter e desenvolver suas características e identidades étnicas e culturais distintas, incluindo o direito à auto -identificação.
6 - Os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de serem protegidos do genocídio cultural, incluindo a prevenção e a indenização por:
a) qualquer ato que tenha o objetivo ou o efeito de privá-los de sua integridade como sociedades distintas, ou de suas características ou identidades culturais ou étnicas;
b) qualquer forma de assimilação ou integração forçadas;
c) perda de suas terras, territórios ou recursos;
d) imposição de outras culturas ou formas de vida;
e) qualquer propaganda dirigida contra eles.
7 - Os povos indígenas têm o direito de reviver e praticar sua identidade e tradições culturais, incluindo o direito de manter, desenvolver e proteger as manifestações de suas culturas, passadas, presentes e futuras, tais como os sítios e estruturas arqueológicas e históricas, objetos, desenhos, cerimônias, tecnologia e obras de arte, assim com o direito à restituição da propriedade cultural, religiosa e espiritual retiradas deles sem seu livre e informado consentimento ou em violação às suas próprias leis.
8 - Os povos indígenas têm o direito de manifestar, praticar e ensinar suas próprias tradições espirituais e religiosas, costumes e cerimônias; o direito de manter, proteger e ter acesso em privacidade aos sítios religiosos e culturais; o direito ao uso e controle de objetos cerimoniais; e o direito à repartição de restos humanos.
9 - Os povos indígenas têm o direito de reviver, usar, desenvolver, promover e transmitir às futuras gerações suas próprias línguas, sistemas de escrita e literatura, e designar e manter os nomes originais de comunidades, lugares e pessoas. Os Estados tomarão medidas para assegurar que os povos indígenas possam atender e serem entendidos nos procedimentos políticos, legais e administrativos, quando seja necessário, através da provisão de intérpretes ou outros meios efetivos.
10 - Os povos indígenas têm o direito a todas as formas de educação, incluindo o acesso à educação em suas próprias línguas, e o direito de estabelecer e controlar seus próprios sistemas educacionais e institucionais. Os recursos serão proporcionados pelo Estado para estes propósitos.
11 - Os povos indígenas têm o direito à dignidade e à diversidade de suas culturas, histórias, tradições e aspirações refletidas em todas as formas de educação e informação públicas. Os Estados tomarão medidas efetivas para eliminar os preconceitos e fomentar a tolerância, entendimento e boas relações.
12 - Os povos indígenas têm o direito ao uso e acesso a todas as formas de meios massivos de comunicação em suas próprias línguas. Os Estados tomarão medidas efetivas para alcançar este fim.
13 - Os povos indígenas têm o direito a uma adequada assistência financeira e técnica, por parte dos Estados e, através da cooperação internacional, de procurar livremente seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural, e para o gozo dos direitos contidos nesta Declaração.
(Parágrafo operativo a ser numerado) : Nada nesta Declaração pode ser interpretado no sentido de implicar para qualquer Estado, grupo ou indivíduo o direito de empreender quaisquer atividades ou realizar quais. quer atos contrários à Carta das Nações Unidas ou à Declaração Internacional de Princípios de Direitos Sobre Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados de acordo com a Carta das Nações Unidas.
Parte III:
14 - Os povos indígenas têm o direito de manter sua distintiva e profunda relação com suas terras, territórios e recursos, os quais incluem o total ambiente da terra, água, ar e mar, que eles tradicionalmente ocupam ou usam de outra maneira.
15 - Os povos indígenas têm o direito coletivo e individual de possuir, controlar e usar as terras e territórios que eles têm ocupado tradicionalmente ou usado de outra maneira. Isto inclui o direito ao pleno reconhecimento de suas próprias leis e costumes, sistemas de posse da terra e instituições para o manejo de recursos, e o direito a medidas estatais efetivas para prevenir qualquer interferência ou abuso destes direitos.
16 - Os povos indígenas têm o direito à restituição, e na medida em que isto não seja possível, a uma justa ou equitativa compensação pelas terras e territórios que hajam sido confiscados, ocupados, usados ou sofrido danos sem seu livre e informado consentimento. A menos que se acorde livremente outra coisa pelos povos envolvidos, a compensação tomará preferivelmente a forma de terras e territórios de qualidade, quantidade e status legal pelo menos iguais àqueles que foram perdidos.
17 - Os povos indígenas têm o direito à proteção de seu ambiente e à produtividade de suas terra e territórios, e o direito à assistência adequada, incluindo a cooperação internacional para este fim. A menos que outra coisa seja acordada livremente pelos envolvidos, as atividades militares e o armazenamento ou depósito e de materiais perigosos não poderão ser feitos em suas terras e territórios.
18 - Os povos indígenas têm o direito a medidas especiais de proteção, como propriedade intelectual, de suas manifestações culturais tradicionais, como a literatura, desenhou, artes visuais e representativas, cultos, conhecimentos médicos e conhecimento das propriedades úteis da fauna e da flora.
(Parágrafo operativo a ser numerado): Nenhum dos povos indígenas poderá, em nenhum caso, ser privado de seus meios de subsistência.
Parte IV:
18 - "O direito de manter e desenvolver, dentro de suas áreas de terras e outros territórios, suas estruturas econômicas, instituições e modos de vida tradicionais, de ter asseguradas suas estruturas econômicas e modos de vida tradicionais, de ter assegurado o desfrute de seus próprios meios de subsistência tradicionais, e de dedicar-se livremente às suas atividades econômicas tradicionais e outras, incluindo a caça, pesca de água doce e salgada, pastoreiro, coleta, corte de árvores e cultivos, sem discriminação adversa. Em nenhum caso pode um povo indígena ser privado de seus meios de subsistência. Eles têm o direito a uma justa e equitativa compensação pelos bens de que foram privados".
19 - "O direito a medidas estatais especiais para a melhoria imediata, efetiva e continua de suas condições sociais e econômicas, com seu consentimento, que reflitam suas próprias prioridades".
20 - "O direito de determinar, planejar e implementar todos os programas de saúde, moradia e outros programas sociais e econômicos que os afetem e, na medida do possível, desenvolver, planejar e implementar tais programas através de suas próprias instituições".
Parte V:
21 - "O direito de participar em pé de igualdade com todos os outros cidadãos e, sem discriminação adversa, na vida política, econômica, social e cultural do Estado, e de ter seu caráter específico devidamente refletido no sistema legal e nas instituições políticas, sócio - econômicas e culturais, incluindo, em particular, uma adequada consideração e reconhecimento das leis e costumes indígenas".
22 - "O direito de participar plenamente nas instituições do Estado, através de representantes eleitos por eles mesmos, na tomada de decisões e na implementação de todos os assuntos nacionais e internacionais que possam afetar seus direitos, vida e destino".
"(b) O direito dos povos indígenas de participar, através de procedimentos apropriados, determinados em conjunto com eles, na concepção de leis ou medidas administrativas que possam afetá-los diretamente, e de obter seu livre consentimento através da implementação de tais medidas. Os Estados têm o dever de garantir, o pleno exercício desses direitos".
23 - "O direito coletivo à autonomia em questões relativas a seus próprios assuntos internos e locais, incluindo a educação, informação, meios de divulgação, cultura, religião, saúde, moradia, bem-estar social, atividades econômicas e administrativas de terras e recursos e o meio ambiente, assim como gravames impositivos internos para financiar estas funções autônomas".
24 – "O direito de decidir sobre as estruturas de suas instituições autônomas, seleção dos membros de tais instituições de acordo com seus próprios procedimentos, e determinar os membros dos povos envolvidos para estes propósitos; os Estados têm o dever, onde assim o queiram os povos envolvidos, de reconhecer tais instituições e seus membros, através dos sistemas legais e instituições políticas do Estado".
25 - "O direito de determinar as responsabilidades dos indivíduos com suas próprias comunidades, coerentes com os direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidos".
26 - "O direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperações tradicionais, incluindo intercâmbio cultural, social e comercial, com seus próprios parentes e amigos, através das fronteiras estatais e a obrigação de o Estado adotar medidas para facilitar tais contatos".
27 - "O direito de exigir que os Estados cumpram os tratados e outros acordos concluídos com os povos indígenas, e de submeter qualquer disputa que possa surgir nesta matéria a instâncias competentes, nacionais ou internacionais".
Parte VI:
28 - "O direito coletivo e individual de acesso e pronta decisão a procedimentos justos e mutuamente aceitáveis para resolver conflitos ou disputas e qualquer infração, pública ou privada, entre os Estados e os povos, grupos ou indivíduos indígenas. Estes procedimentos deveriam incluir, como for apropriado, negociações, mediação, arbitragem, cortes nacionais e revisão e mecanismos de apelação sobre direitos humanos, regionais e internacionais".
Parte VII:
29 - "Estes direitos constituem as normas mínimas para a sobrevivência e o bem-estar dos povos indígenas do mundo".
30 - "Nada desta Declaração pode ser interpretado no sentido de implicar para qualquer Estado, grupo ou indivíduos, o direito de empreender qualquer atividade ou realizar qualquer ato destinado à destruição de qualquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos".
Quanto à situação dos povos ameríndios no Brasil, em "Direitos dos povos indígenas: conquistas e desafios", Chica Picanço explica que:
"O Brasil é uma nação constituída por uma diversidade de Povos com histórias, saberes, tradições, culturas e línguas próprias. Fazem parte dessa realidade os povos indígenas que somam, segundo o ultimo levantamento do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE) , de 2000 aproximadamente 701.462 mil pessoas. São mais de 230 povos falando cerca de 180 línguas indígenas diferentes. Os povos indígenas, desde a época da colonização e até muito recente, foram considerados como obstáculos para o desenvolvimento do país. Até hoje suas terras continuam sendo invadidas, sofrem de doenças como malária, hepatite, e as suas crianças morrem de fome e desnutrição. Com a educação também não é diferente. As escolas para os índios não respeitam os seus sistemas próprios de aprendizagem e suas formas de transmissão de conhecimentos necessários à sobrevivência dos povos indígenas.
Os índios foram os primeiros povos originários desta terra. Mesmo tendo uma cultura e línguas diferenciadas da sociedade nacional, fazem parte dela e gozam dos mesmos direitos que ela. Entretanto, devido ao fato de serem diferentes, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ordenou um capítulo específico para os índios. Pela primeira vez, o governo brasileiro reconhece no artigo 231 da Constituição, sua organização social, costumes, línguas, crenças e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. No Congresso Nacional tramita um Projeto de Lei nº 6.001/73 denominado “Estatuto dos Povos Indígenas” que visa garantir a proteção e defesa dos direitos indígenas. Entretanto, as lideranças e organizações indígenas consideram que esse Projeto precisa ser revisto necessitando de algumas alterações importantes como, por exemplo, a proteção dos conhecimentos tradicionais, do direito à posse coletiva das terras, a adequação dos sistemas de educação, saúde e a sua cultura, entre outras demandas. Até hoje essa Lei não foi modificada e aprovada, causando assim grandes prejuízos para os povos indígenas".
Fonte: Diário Digital . Ler mais a respeito em Direitos Humanos na Internet - DHNET.