24 de abril de 2007

O Cocar do Imperador

O cocar ou Quetzalli de Moctezuma se tornou uma lenda para o povo do México. Se sabe que no Anáhuac (que conhecemos popularmente como Império Azteca), os tlatoanis, ou “homens que falam com sabedoria”, usavam dois tipos de coroas, o kopilli feito de ouro, representação mineral do sol e, o kopilli quetzalli feito de plumas de quetzal adornado com jóias preciosas arrematando tudo em uma coroa de ouro.

O kopilli quetzalli era símbolo do poder espiritual e político, e era usado nas cerimônias sagradas pelo tlatoani. As plumas nos cocares eram símbolos de conhecimento e de hierarquia conforme o número delas; portanto, o kopilli quetzalli era para o uso exclusivo do Tlatoani, como sumo sacerdote na ciência da espiritualidade e como representante do Supremo Conselho de Governo da Grande Confederação do Aháhuac.

O kopilli quetzalli, como muitas outras cosas, não era objeto pessoal do tlatoani, mas sim objeto herdado de seus antecessores, motivo pelo qual este copilli pode ter sido herdado e usado também por Cuitláhuac e por Cuauhtémoc, mas é conhecido como o Cocar de Moctezuma, já que este foi o governante que se encontrava na encruzilhada histórica no momento em que chegaram os invasores espanhóis.

Em 1519, Hernán Cortés sai de Cuba com uma expedição integrada por 508 soldados e 100 homens, além de 16 cavalos e 14 canhões. Não tinham a menor idéia da vasta organização que iam encontrar ao descer no continente que curiosamente chamaram Veracruz assim como os portugueses fizeram ao chegar à América do Sul, mas isso pode ter a ver com outra história, a do descobrimento do Rio da Prata pelos portugueses e não por Juan de Solís, a qual depois será postada nesse blog.

Nesse tempo, estranhos fatos haviam acontecido no México, sendo interpretados como augúrios nefastos relacionados com a destruição do Quinto Sol. Se tinha certeza de que Quetzalcóatl, herói mítico ou sacerdote divinificado, regressaria pelo lado so Sol nascente quando chegasse o ano Um-Cana, que por coincidência correspondia ao de 1519. Com este ânimo, Moctezuma Xocoyotzin decidiu entrar em contato com os recém-chegados.

Cortés recebeu os emissários do grande Tlatoani mandando disparar diante deles os canhões e fazendo correr cavalos e cães bravos para impressionar aos indígenas. À diferença deste recibimento, os funcionários imperiales mexicas traziam consigo era uma grande diversidade de presentes valiosos, e se conta que entre estes presentes de Moctezuma para Cortés se encontrava um traje de Quetzalcóatl que compreendia uma máscara de turquesas, um cocar de plumas de quetzal, um grande disco de jade com outro menor de ouro ao centro, um escudo de ouro e nácar adornado com plumas de quetzal, um bracelete de pedras preciosas e chocalhos de ouro, uma touca de turquesas e sandálias con enfeites de obsidiana.

De fato, narram as crônicas que Cortés se deixou vestir com os atributos de Quetzalcóatl sem compreender seu significado, e os ricos obséquios que lhe enviava Moctezuma só serviram para aumentar sua cobiça. O resto se conhece: a sangrenta história da conquista do México pelos espanhóis.

Mas Cortés não teria considerado essas vestes como despojos de guerra e as teria enviado reservadamente para seu pai na Espanha, a fim de que Carlos V sequer tivesse conhecimento destas. A caminho da Europa o corsário francês Jean Florin teria se apoderado dessa encomenda de Cortés. Tempos depois, o mesmo pirata caiu preso em Sevilha e acabou informando dos barcos por ele capturados e da encomenda de Cortés que entregara ao Rei da França. O monarca espanhol cita ao bispo de Burgos para esclarecê-lo e este por sua vez, cita a Hernán Cortés como traidor de Espanha.

Como em 1522 ao Rei da França não lhe interessam as plumas e sim o ouro, o cocar fica guardado e 50 anos mais tarde é arrematado em Veneza pela Familia de Ambrás, primos dos Borboun. Eles se tornam os propietários legítimos das vestes de Moctezuma. Em 1857, a norte-americana Zelia Nuttal do Museu Peabody de Harvard, devido a suas pesquisas, identificou a Ferdinand de Tirol como herdeiro indireto de Carlos V. Em 1878, ao se fazer um exame da Coleção Ambras, encontrou-se o cocar na Seção Etnográfica do Museu Imperial de História Natural em Viena, dobrado no canto de um armário infestado de insetos. Assim, foi identificado-desde então como o Cocar do Imperador.

O cocar, peça de arte plumária conhecida como Kopilli Quetzalli (coroa real preciosa), representava o poder econômico, político e espiritual para os mexicas. A peça encontrada em Viena, em forma de leque, estava feita de 400 plumas longas de cauda de quetzal e peças de ouro. Originalmente, os tecedores de plumas haviam utilizado, além das plumas verdes de quetzal, três espécies mais: de coloração café, de cuclillo americano; vermelhas, de espátula rosada; e uma beirada da cor azul, de charlador turquesa, as quais foram colocadas sobre uma superfície de papel mate e atadas com fios de fibras naturais.

Restaurado em Viena com os materiais disponíveis na Europa no princípio do século XX, não se puderam encontrar as plumas das aves originais, a não ser o quetzal. As outras foram substituídas pelas de um pássaro ártico da Sibéria, mas sobrepondo-se às plumas deterioradas já que se desconhecia por completo a técnica de arte plumária pré-hispânica, única no México, que inseria as plumas uma por uma. As peças de ouro “perdidas” foram repostas por discos de bronze dourado que destacam-se por sua cor das autênticas. Ainda assim, o México tem reclamado à Áustria a devolução desse cocar, considerado patrimônio histórico de seu povo.

Segundo o pesquisador mexicano Gerardo del Olmo, entretanto, o cocar de Viena é na realidade uma capa ritual. "O mal nomeado cocar de Moctezuma é na realidade uma capa de plumas preciosas que portou algum sacerdote e não o imperador do império mexica", explicou, sustentando suas investigações iconográficas na teoria do biólogo Rafael Martín del Campo, publicada em 1952. A propósito do ornamento pré-hispânico de Viena, o ilustrador científico e ornitólogo abunda sobre o uso que provavelmente teve e sobre quem portou a capa, também chamada tilma ou quetzalquémitl, no trabalho que publicou na Sociedade Mexicana de Geografia e Estatística intitulado Arte plumaria e industria del hilado de plumas entre los aztecas. Aí mesmo” – prossegue Del Olmo - “identifica às aves com as quais se confeccionou o polêmico penacho de Moctezuma”, finalizando o artigo com uma descrição da maneira com a qual o sacerdote o portava, sendo ele representante de Quetzalcóatl. A partir desse momento Rafael Martín teria proposto que o nome correto do que se conhecia como cocar era quetzalquémitl, que significa “capa de plumas preciosas”.

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