Arte plumária
"Um homem sabia matar aé e dos ossos de um deles, que parecem contas, fez um colar para sua mulher. Sua cunhada viu o colar e quis que o marido dela também matasse um aé. Este então saiu numa noite de luar, que é quando os aé andam como o vento sobre a copa das árvores, e foi esperá-los debaixo de um pé de ypu-y, de onde aé tira o mel das flores com pequenas cabaças. À meia noite veio o aé, e o homem atingiu-o com duas flechas, uma em cada ombro. Mas ele não morreu; pelo contrário, o aé é que matou o homem. No dia seguinte, como não retornasse, o irmão foi a sua procura e achou apenas uma poça de sangue debaixo do pé de ypu-y. Ele chorou muito e foi procurar um pajé, que lhe ensinou como achar o caminho para o lugar onde mora o aé, debaixo da terra: seria um buraco muito fino sobre um morro. Depois de muito o procurar, encontrou o buraco. Chamou outros índios, que cavaram bastante e depois o desceram por uma corda muito comprida. Lá embaixo encontrou o caminho de aé e seguiu-o até a aldeia.
Aé estava sozinho; as onças estavam caçando. Ele ofereceu um banco ao homem e conversaram. Depois de algum tempo o homem perguntou- lhe se ele tinha matado um índio. Aé confirmou e mostrou uma grande panela onde seus pedaços estavam sendo cozidos. O homem viu com horror que era a cabeça de seu irmão que boiava por cima. Aé convidou-o para dançar, e colocou o cocar, empunhou o tacape e cantou e dançou. O homem pediu-lhe o cocar e o tacape para dançar também. E aé os emprestou. O homem cantou e dançou, aproximando-se cada vez mais de aé, e de repente o matou com o tacape.
Nesse momento as onças chegavam da caçada e o perseguiram. E fugiu, alcançou a ponta da corda, seus companheiros o içaram rapidamente. Uma onça ainda chegou a arranhar-lhe as pernas. Despejando várias panelas de água fervente, os companheiros detiveram as onças que subiam pelo buraco. O homem morreu, mas o pajé soprou-lhe baforadas de fumo e ele viveu novamente, e contou que tinha matado aé. O pajé mandou colocar paus sobre o buraco e sobre estes pôs terra. Depois soprou e ficou parecendo chão novamente.
O homem estava com o cocar de aé. Assim os índios aprenderam a fazer cocar".
***
Os caapor, que sabiam entoar os cânticos do ritual antropofágico, atribuiam-nos aos "Kapiwan e os Turiwar". Vale reparar que "Turiwar" também é o nome do irmão que traz o cocar do mundo subterrâneo no mito caapor referido.
fonte: Roque Laraia, Tupi: Índios do Brasil Atual (São Paulo: USP-FFLCH, 1986)





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