25 de abril de 2007

A Noite dos Pássaros

Índio jurupixuna retratado na obra de Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815)

Em 1773 a Rainha de Portugal, Dona Maria I, ordenou a um português nascido no Brasil, Alexandre Rodrigues Ferreira, na qualidade de naturalista, que empreendesse uma Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. O objetivo era conhecer melhor o centro-norte da colônia brasileira, até então praticamente inexplorado, a fim de lá implementar medidas desenvolvimentistas.
Em 1783 Rodrigues Ferreira deixou seu cargo no Museu D'Ajuda e, em setembro, partiu para o Brasil com a finalidade de descrever, recolher, aprontar e remeter para o Real Museu de Lisboa amostras de utensílios empregados pela população local, bem como de minerais, plantas, animais. Ficou também encarregado de tecer comentários filosófico e políticos sobre o que visse nos lugares por onde passasse. Esse pragmatismo será o diferencial desta expedição em relação às congêneres, mais científicas, comandadas por outros naturalistas que vieram explorar América.

"Uma das considerações fundamentais de Alexandre Rodrigues consiste numa crítica ao processo de colonização levado a cabo na Amazônia, concentrando-se, em larga medida, numa reflexão acerca do Diretório dos Índios. Não é sem razão, pois o Diretório consistiu em um instrumento legal de pretensões grandiosas, dentre as quais, a inserção do índio nos costumes ocidentais, de modo definitivo e inédito, uma vez que desconsiderava a condução religiosa, entendendo ser possível a civilização dos indígenas seguindo-se um programa fundamentalmente laico. O naturalista desenvolve uma reflexão condenando a execução do referido plano de civilização do indígena, diante da ação perniciosa dos elementos portugueses que dificultam a aculturação dos povos nativos à medida que não lhes incutem o amor ao trabalho – como se pode inferir da citação em destaque". (Mauro Cezar Coelho, leia esse artigo em Revista de História Regional)

Com dois desenhistas, Joaquim José Codina e José Joaquim Freire, e um jardineiro botânico, Joaquim do Cabo, que o acompanhariam durante toda a viagem, Rodrigues Ferreira, em outubro de 1783, aportou em Belém do Pará e os seus nove anos seguintes foram dedicados a percorrer centro-norte do Brasil, iniciando pelas ilhas Marajó, Cametá, Baião, Pederneiras e Alcoçaba. Subiu o Amazonas e o Negro até a fronteira, em seguida navegou pelo Branco até a Serra de Cananauaru. Subiu o Madeira e o Guaporé até Vila Bela, a então capital de Mato Grosso. Seguiu para vila de Cuiabá, transpondo-se da bacia amazônica para os domínios do Pantanal, já na bacia do Prata. Navegou pelos rios Cuiabá, São Lourenço e Paraguai. Retornou a Belém do Pará, aonde chegou em janeiro de 1792, e um ano mais tarde estava de volta a Portugal onde passou a fazer parte da diretoria do Real Gabinete de História Natural e Jardim Botânico.


Visite uma interessante animação da obra de Alexandre Rodrigues Ferreira na Biblioteca Nacional, e também.
o site da Documenta Indígena da FAPESP que contém algumas pranchas da obra do naturalista.

O escritor brasileiro Nicodemos Sena publicou virtualmente no site Triplov o seu romance "A Noite dos Pássaros", inspirado na Viagem Philosophica empreendida no final do século XVIII por naturalistas portugueses à Amazônia: clique aqui para ler o livro..

"Os índios são diferentes: levam a guerra no punho de seus tacapes; o terror que inspiram voa com o rouco som do boré; a pocema da guerra troa e retroa mais forte que a pororoca. Os índios têm “acangatar” (cocar), têm “nhanduab” (penacho), têm “oré mbaequab” (conhecimento de coisas), sentam-se conforme seu modo de sentar (“aguapic xe guapicabamo”), comem segundo seu modo de comer (“acaru xe carusabamo”). Sim, são “sarauaiamo oroicó” (selvagens), não têm “abá i aobeim” (roupa), mas são limpos, banham-se no rio muitas vezes por dia, enquanto os brancos andam “iumunéu uatá” (vestidos) mas são uns “sarigüé-nema” (sarigüês-fedorentos). “Conheço acaraí-quab (homem branco)”, prossegue Guaratinga-açu. “Cariua puxi reté” (homem branco é ruim). E conta que, ao chegar o primeiro navio português na baía de guajará, eles, os tupinambás, subiram confiantes a bordo, para comerciar, mas os portugueses os assaltaram, amarraram e escravizaram, por isso são inimigos. E arremata, provocando o riso dos seus companheiros: “Iandé perouicá, iandé poru, iandé carueté” (nós matamos gente, nós comemos gente, somos muito comilões)." (Nicodemos Sena)

Nenhum comentário: