29 de abril de 2007

Instintos de sobrevivência

Nativo da Terra do Fogo com ferramentas de caça e presas
Cartão postal argentino de 1910, publicado por Seliger (Punta Arenas & Magallanes)

O físico Fritjof Capra, falando sobre sustentabilidade na Agenda21, nos faz pensar não só sobre como a espécie humana se relaciona com o ambiente e as outras espécies, mas também como ela se relaciona consigo mesma: “Nas comunidades humanas, parceria significa democracia e poder pessoal, pois cada membro da comunidade desempenha um papel importante. Combinando o princípio da parceria com a dinâmica da mudança e do desenvolvimento, também podemos utilizar o termo 'coevolução' de maneira metafórica nas comunidades humanas. À medida que uma parceria se processa, cada parceiro passa a entender melhor as necessidades dos outros. Numa parceria verdadeira, confiante, ambos os parceiros aprendem e mudam - eles coevoluem. Aqui, mais uma vez, notamos a tensão básica entre o desafio da sustentabilidade ecológica e a maneira pela qual nossas sociedades atuais são estruturadas - a tensão entre economia e a ecologia. A economia enfatiza a competição, a expansão e a dominação; ecologia enfatiza a cooperação, a conservação e a parceria”.

Na verdade, os seres humanos não são apenas “seres gregários”, pois sabemos que além de viver em grupos também desenvolveram a atitude de segregar (e até perseguir) outros grupos humanos. É bem interessante ler o que escreve Janos Biro em seu artigo “Condicionamento Humano” , explicando a competição brutal entre grupos (e seres) humanos:

A grande vantagem humana (toda espécie tem a sua) é a plasticidade do aparelho cognitivo, ou seja, a capacidade de armazenar muitas informações e lidar com elas de maneira bem mais complexa. Graças a isso o ser humano pode repassar comportamentos por educação de forma bem mais eficiente, o que o levou a poder sobreviver em diferentes ambientes e situações sem que seu corpo precisasse mudar demais. Esta pode ser uma vantagem, mas também uma armadilha. (...). Tendo criado um trauma das glaciações, eles podem ter feito uma adaptação cultural para evitar sofrimento futuro. Esta adaptação envolve um acúmulo de recursos sem precedentes, em que o desenvolvimento da agricultura e da criação de animais foi conseqüência, não causa. Também era preciso que os instintos do modo de vida anterior fossem substituídos por uma disciplina rígida de cultivo e criação de animais. Isto poderia ser feito, por exemplo, criando o mito de que as pessoas que vivem dessa forma são “avançadas” em relação às demais, ainda que a Bíblia diga que este modo de vida é um castigo de Deus. Neste novo modo de vida não poderia haver desperdício de terras ou de pessoas. Quanto mais membros e espaço, maior a produção e maior as chances de sobreviver a uma catástrofe. Para isto foram desenvolvidas técnicas de dominação, como as guerras de aniquilação e conquista, além das religiões monoteístas de conversão. Por um lado temos tecnologias que nos permitem um alto crescimento populacional, por outro temos religiões que nos mantém com medo de uma catástrofe iminente, cuja causa é nossa própria natureza, reproduzindo o trauma necessário para manter esta estrutura social.

Continuaremos a tratar disso nas próximas postagens desse blog, mas gostaria de terminar com essa citação do pensador Marcel Mauss em seu "Ensaio sobre a Dádiva":

"Em todas as sociedades que nos precederam e que ainda nos rodeiam, e mesmo em numerosos costumes de nossa moralidade popular, não existe meio termo: confia-se ou desconfia-se inteiramente; depor as armas e renunciar à sua magia, ou dar tudo; desde a hospitalidade fugaz até às filhas e bens. Foi em estados deste gênero que os homens renunciaram a seu ensinamento e aprenderam a empenhar-se em dar e retribuir. É que eles não tinham escolha. Dois grupos de homens que se encontram podem fazer apenas duas coisas: ou afastar-se - e, caso suspeitem um do outro ou se desafiem, lutar - ou tratar-se bem. Até direitos bem próximos de nós, até economias não muito distanciadas da nossa, são sempre estrangeiros com os quais se 'trata', mesmo quando são aliados. (...) É opondo a razão as sentimento, opondo a vontade de paz contra bruscas loucuras desse gênero, que os povos conseguem substituir pela aliança, pela dádiva e pelo comércio, a guerra, o isolamento e a estagnação"

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