Em luta pelos direitos!
João Mateus, liderança indígena ferida durante ataque da polícia federal na aldeia "Olho d´Água", em 2006
Em outubro de 2005, em visita ao Brasil o relator especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Racismo Discriminação, Xenofobia e Intolerância, Doudou Diéne, disse que o racismo ainda é profundo no país, que índios e jovens negros são vítimas freqüentes da violência e que, ainda assim, alguns setores governamentais não estão dispostos a acabar com o preconceito racial.
"Fiquei perturbado com a violência contra os índios, em especial os caciques, e os jovens negros porque dezenas deles foram mortos recentemente. Percebi desespero e um sentimento de solidão por parte dessas comunidades", disse ele em entrevista à Radiobrás.
Em 2005, o GRUMIN/Rede de Comunicação, apresentou ao Relator da ONU o seguinte testemunho: Apesar da ratificação da Convenção 169 da OIT, que busca melhorar a situação indígena e representa o cumprimento dos direitos indígenas, ainda assim, dois lados permeiam o contexto histórico, político, social e econômico da sociedade brasileira: de um lado, os que sofrem impactos seculares ocasionados pela discriminação social e racial, e aí estão inseridos toda a população pobre e os povos indígenas do Brasil. Do outro, os que potencializam direta ou “indiretamente” para tornar real essa discriminação. O Estado brasileiro e todas as máquinas que se dizem responsáveis pelos povos indígenas desde 1759, com a criação do cargo “diretor dos índios”, prenúncio da tutela e da discriminação étnica, passando pelo SPI (Serviço de Proteção ao índio)/1910, desembocando na Lei 5.371 que cria a Funai (Fundação Nacional do Índio) em plena ditadura militar, objetivando “integração e proteção”, conceitos altamente racistas na sua essência filosófica. A participação dos povos indígenas nas instâncias que tratam dos seus direitos é bastante limitada. Podemos constatar que a elaboração e execução das políticas públicas acontecem sem a devida participação dos povos indígenas. E quando há discussões com os povos indígenas, suas propostas não são devidamente apreciadas e muito menos aplicadas.
Agora o Brasil (isto é, o governo federal) apresentou a candidatura de Mércio Pereira Gomes, presidente da FUNAI de setembro de 2003 a março de 2007, ao cargo que foi ocupado por Doudou Diéne. Natural de Currais Novos - RN, professor de Antropologia da UFF (Universidade Federal Fluminense) quando foi nomeado para a FUNAI, Mércio Gomes realizou diversas pesquisas com povos indígenas, escreveu livros sobre o assunto, prestou consultoria a empresas sobre o impacto de projetos em terras indígenas e trabalhou com Darcy Ribeiro. Também é atribuída a ele a autoria de um artigo no qual diz que "há inúmeros motivos políticos, culturais e filosóficos para não se confiar que o PT é o partido que melhor pode representar os anseios do Brasil e as necessidades de ascensão do povo brasileiro".
Em 2006 o representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) em Brasília, Genival Oliveira já destacava que, nos dois últimos governos, a média de demarcações atingia a marca de 14 por ano, enquanto no governo Lula a média anual é de seis. “Do jeito que está indo este governo, as demarcações só vão ficar concluídas daqui a 45 anos”, alertava. Na avaliação dos índios, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, personificava a má-vontade do governo. “Ele só fala baboseira”, acusa Genival Oliveira referindo-se à declaração de Mércio de que os índios já teriam terras demais. Segundo o dirigente do Coiab, o presidente da Funai não dialoga com os movimentos. “Isso é inaceitável”, sustenta.
Reconhecido internacionalmente, o sertanista Sidney Possuelo foi exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados da Funai. O fato ocorreu uma semana após ele ter feito, em entrevista ao "Estado de São Paulo", duras críticas ao governo Lula e ao presidente da Funai, Mércio Pereira. "Mesmo que revoguem a demissão, me recuso a servir um governo desse tipo", disse Possuelo, que há mais de 40 anos se dedica à causa indígena. A declaração de Mércio Gomes, que os índios brasileiros têm terras demais, foi o estopim para ele: "Isso é o que dizem madeireiros e grileiros", afirmou Possuelo. “A pouca esperança que tínhamos nesse governo foi perdida. O Poder Judiciário valoriza mais um boi que uma criança indígena. A política de governo valoriza mais um pé de soja que um pé de ipê”, criticou o cacique Anastácio Peralta Guarani, líder caiouá do Mato Grosso do Sul. Assim como representantes de outras etnias, Anastácio acredita que o Estado brasileiro é conivente com a devastação dos recursos naturais em nome do agronegócio.
Assim, nada mais óbvio que as entidades ligadas aos povos originários no Brasil venham a protestar contra essa indicação realizada pelo Brasil na ONU, e o fato deve ser divulgado também para as outras nações do mundo:
MANIFESTO INDÍGENA CONTRA A CANDIDATURA DE MÉRCIO PEREIRA GOMES AO CARGO DE RELATOR DA ONU PARA OS POVOS INDÍGENAS
Nós, lideranças e organizações indígenas abaixo assinados, vimos por meio desta manifestar de público o nosso repúdio à indicação, pelo Governo Brasileiro, através do Itamaraty, do antropólogo Mércio Pereira Gomes, ao cargo de relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Povos Indígenas.
A candidatura de Mércio Gomes constitui uma afronta aos povos e organizações indígenas do Brasil, sendo que no tempo em que este senhor foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) agiu sempre na contra-mão dos nossos interesses e aspirações.
Somos contra esta candidatura porque consideramos, em primeiro lugar, que o senhor Pereira Gomes não reúne condições nem é digno de assumir um cargo de tamanha importância para os povos indígenas, do Brasil e do mundo inteiro.
Mércio Gomes é o principal responsável pela paralisia na demarcação das Terras Indígenas que marcou o primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Foi um dos principais responsáveis pela redução da Terra Indígena Baú, do povo Kaiapó, no sul do Pará. Teve ainda a coragem de vir a público, em entrevista a uma agencia internacional de notícias, para declarar que os povos indígenas têm terra demais, propondo que o Supremo Tribunal Federal (STF), colocasse um limite às reivindicações territoriais.
Por outro lado, este senhor foi um dos principais entraves para o diálogo reivindicado por nós junto ao Governo Federal. Desrespeitou as nossas organizações, ao considera-las não representativas, deslegitimando o seu papel de referência e interlocução. Mércio, inclusive foi um dos principais responsáveis para a não instalação da Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI) no tempo esperado pelos povos e organizações indígenas. Por este comportamento, várias organizações indígenas como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), sempre foram contra a nomeação de Mércio Gomes para a presidência da Funai. Lamentavelmente o Governo Federal ignorou este pleito.
Tendo em consideração estas razões, solicitamos ao Governo Brasileiro que retire, de imediato, a candidatura do senhor Mércio Pereira Gomes ao cargo de Relator da ONU para os Povos Indígenas. Reiteramos que a presença de Mércio Gomes nesta instância internacional constitui uma ameaça aos interesses e expectativas dos povos indígenas, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, notadamente da América Latina.
Reivindicamos, por fim, que se o Estado brasileiro decidir por indicar um outro candidato, o faça após consultar devidamente os povos indígenas através de suas instâncias representativas, conforme o estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o nosso direito à consulta prévia e informada sobre quaisquer assuntos do nosso interesse.
Brasília, 13 de julho de 2007. ASSINAM lideranças indígenas membros titulares e suplentes da Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI), reunida em Brasília-DF, nos dias 12 e 13 de julho de 2007.
Leia "Funai é tutelista e autoritária", entrevista com o antropólogo José Augusto Laranjeira na Revista do Terceiro Setor, onde ele criticava a atuação de Mércio Gomes à frente do órgão governamental. Um depoimento este ano da roraimense Joênia Wapichana no Forum Permanente da ONU está disponível em tradução espanhola aqui. Um artigo que pode ser lido em inglês, demonstrando como se deu a administração de Gomes na Funai é: "Police raid reclaimed Indigenous lands in Brazil". E não deixem de visitar o blog de Tatiana Cardeal e conhecer suas belíssimas fotos!...
"Fiquei perturbado com a violência contra os índios, em especial os caciques, e os jovens negros porque dezenas deles foram mortos recentemente. Percebi desespero e um sentimento de solidão por parte dessas comunidades", disse ele em entrevista à Radiobrás.
Em 2005, o GRUMIN/Rede de Comunicação, apresentou ao Relator da ONU o seguinte testemunho: Apesar da ratificação da Convenção 169 da OIT, que busca melhorar a situação indígena e representa o cumprimento dos direitos indígenas, ainda assim, dois lados permeiam o contexto histórico, político, social e econômico da sociedade brasileira: de um lado, os que sofrem impactos seculares ocasionados pela discriminação social e racial, e aí estão inseridos toda a população pobre e os povos indígenas do Brasil. Do outro, os que potencializam direta ou “indiretamente” para tornar real essa discriminação. O Estado brasileiro e todas as máquinas que se dizem responsáveis pelos povos indígenas desde 1759, com a criação do cargo “diretor dos índios”, prenúncio da tutela e da discriminação étnica, passando pelo SPI (Serviço de Proteção ao índio)/1910, desembocando na Lei 5.371 que cria a Funai (Fundação Nacional do Índio) em plena ditadura militar, objetivando “integração e proteção”, conceitos altamente racistas na sua essência filosófica. A participação dos povos indígenas nas instâncias que tratam dos seus direitos é bastante limitada. Podemos constatar que a elaboração e execução das políticas públicas acontecem sem a devida participação dos povos indígenas. E quando há discussões com os povos indígenas, suas propostas não são devidamente apreciadas e muito menos aplicadas.
Agora o Brasil (isto é, o governo federal) apresentou a candidatura de Mércio Pereira Gomes, presidente da FUNAI de setembro de 2003 a março de 2007, ao cargo que foi ocupado por Doudou Diéne. Natural de Currais Novos - RN, professor de Antropologia da UFF (Universidade Federal Fluminense) quando foi nomeado para a FUNAI, Mércio Gomes realizou diversas pesquisas com povos indígenas, escreveu livros sobre o assunto, prestou consultoria a empresas sobre o impacto de projetos em terras indígenas e trabalhou com Darcy Ribeiro. Também é atribuída a ele a autoria de um artigo no qual diz que "há inúmeros motivos políticos, culturais e filosóficos para não se confiar que o PT é o partido que melhor pode representar os anseios do Brasil e as necessidades de ascensão do povo brasileiro".
Em 2006 o representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) em Brasília, Genival Oliveira já destacava que, nos dois últimos governos, a média de demarcações atingia a marca de 14 por ano, enquanto no governo Lula a média anual é de seis. “Do jeito que está indo este governo, as demarcações só vão ficar concluídas daqui a 45 anos”, alertava. Na avaliação dos índios, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, personificava a má-vontade do governo. “Ele só fala baboseira”, acusa Genival Oliveira referindo-se à declaração de Mércio de que os índios já teriam terras demais. Segundo o dirigente do Coiab, o presidente da Funai não dialoga com os movimentos. “Isso é inaceitável”, sustenta.
Reconhecido internacionalmente, o sertanista Sidney Possuelo foi exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados da Funai. O fato ocorreu uma semana após ele ter feito, em entrevista ao "Estado de São Paulo", duras críticas ao governo Lula e ao presidente da Funai, Mércio Pereira. "Mesmo que revoguem a demissão, me recuso a servir um governo desse tipo", disse Possuelo, que há mais de 40 anos se dedica à causa indígena. A declaração de Mércio Gomes, que os índios brasileiros têm terras demais, foi o estopim para ele: "Isso é o que dizem madeireiros e grileiros", afirmou Possuelo. “A pouca esperança que tínhamos nesse governo foi perdida. O Poder Judiciário valoriza mais um boi que uma criança indígena. A política de governo valoriza mais um pé de soja que um pé de ipê”, criticou o cacique Anastácio Peralta Guarani, líder caiouá do Mato Grosso do Sul. Assim como representantes de outras etnias, Anastácio acredita que o Estado brasileiro é conivente com a devastação dos recursos naturais em nome do agronegócio.
Assim, nada mais óbvio que as entidades ligadas aos povos originários no Brasil venham a protestar contra essa indicação realizada pelo Brasil na ONU, e o fato deve ser divulgado também para as outras nações do mundo:
MANIFESTO INDÍGENA CONTRA A CANDIDATURA DE MÉRCIO PEREIRA GOMES AO CARGO DE RELATOR DA ONU PARA OS POVOS INDÍGENAS
Nós, lideranças e organizações indígenas abaixo assinados, vimos por meio desta manifestar de público o nosso repúdio à indicação, pelo Governo Brasileiro, através do Itamaraty, do antropólogo Mércio Pereira Gomes, ao cargo de relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Povos Indígenas.
A candidatura de Mércio Gomes constitui uma afronta aos povos e organizações indígenas do Brasil, sendo que no tempo em que este senhor foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) agiu sempre na contra-mão dos nossos interesses e aspirações.
Somos contra esta candidatura porque consideramos, em primeiro lugar, que o senhor Pereira Gomes não reúne condições nem é digno de assumir um cargo de tamanha importância para os povos indígenas, do Brasil e do mundo inteiro.
Mércio Gomes é o principal responsável pela paralisia na demarcação das Terras Indígenas que marcou o primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Foi um dos principais responsáveis pela redução da Terra Indígena Baú, do povo Kaiapó, no sul do Pará. Teve ainda a coragem de vir a público, em entrevista a uma agencia internacional de notícias, para declarar que os povos indígenas têm terra demais, propondo que o Supremo Tribunal Federal (STF), colocasse um limite às reivindicações territoriais.
Por outro lado, este senhor foi um dos principais entraves para o diálogo reivindicado por nós junto ao Governo Federal. Desrespeitou as nossas organizações, ao considera-las não representativas, deslegitimando o seu papel de referência e interlocução. Mércio, inclusive foi um dos principais responsáveis para a não instalação da Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI) no tempo esperado pelos povos e organizações indígenas. Por este comportamento, várias organizações indígenas como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), sempre foram contra a nomeação de Mércio Gomes para a presidência da Funai. Lamentavelmente o Governo Federal ignorou este pleito.
Tendo em consideração estas razões, solicitamos ao Governo Brasileiro que retire, de imediato, a candidatura do senhor Mércio Pereira Gomes ao cargo de Relator da ONU para os Povos Indígenas. Reiteramos que a presença de Mércio Gomes nesta instância internacional constitui uma ameaça aos interesses e expectativas dos povos indígenas, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, notadamente da América Latina.
Reivindicamos, por fim, que se o Estado brasileiro decidir por indicar um outro candidato, o faça após consultar devidamente os povos indígenas através de suas instâncias representativas, conforme o estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o nosso direito à consulta prévia e informada sobre quaisquer assuntos do nosso interesse.
Brasília, 13 de julho de 2007. ASSINAM lideranças indígenas membros titulares e suplentes da Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI), reunida em Brasília-DF, nos dias 12 e 13 de julho de 2007.
Leia "Funai é tutelista e autoritária", entrevista com o antropólogo José Augusto Laranjeira na Revista do Terceiro Setor, onde ele criticava a atuação de Mércio Gomes à frente do órgão governamental. Um depoimento este ano da roraimense Joênia Wapichana no Forum Permanente da ONU está disponível em tradução espanhola aqui. Um artigo que pode ser lido em inglês, demonstrando como se deu a administração de Gomes na Funai é: "Police raid reclaimed Indigenous lands in Brazil". E não deixem de visitar o blog de Tatiana Cardeal e conhecer suas belíssimas fotos!...
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