1 de junho de 2009

Pensamento Não-Linear

"O modelo de pensamento em espiral é o modelo de pensamento dos povos indígenas, é a alternativa ao modelo de pensamento linear desenhado pelo racionalismo europeu, e a filosofia positivista, causante do modelo mental existente no mundo ocidental nos últimos 400 anos.

O modelo de pensamento linear é altamente determinista, assim como também reducionista toda vez que descompõe o total em pequenas partes, reduzindo as interações entre elas. Considera o todo composto de partes independentes. O modelo de pensamento linear hoje é contraditório, já que os novos conhecimentos do mundo contemporâneo nos revelam que nosso universo está constituido basicamente por sistemas não-lineares em seus níveis físicos, biológicos, psicológicos e sociais. Nosso universo está formado por partes conectadas através de uma profunda interação e cuja identidade é a harmonía e o equilíbrio.

O modelo de pensamento linear se baseia nos princípios matemáticos elaborados originariamente pelos filósofos gregos e mais tarde por René Descartes, o qual chegou a postular que nosso pensamento deveria alcançar a racionalidade das matemáticas, não entendendo que as leis matemáticas não podem ser aplicadas aos sistemas e estruturas da natureza construídas por partes relacionadas intimamente umas com as outras.

As matemáticas são um conhecimento abstrato, pois permite mentalmente fazer abstração do todo e reduzi-lo a suas partes e considerá-las independentes do resto para estudá-las prescindindo das restantes particularidades que tem a natureza das coisas.

O modelo de pensamento linear não nos permite conhecer cabalmente os processos do comportamento humano, suas atitudes e sentimentos, assim como sua criação cultural. Por isso então a necessidade do pensamento não-linear, ou pensamento em espiral, o qual nos permite conhecer a natureza das coisas sem abstrações, com todas suas partes conectadas umas com as outras. O modelo de pensamento em espiral deveria ser o modelo de pensamento aplicado às ciências sociais, e às relações humanas que são muito mais complexas que as abstrações matemáticas.

O pensamento linear aplicado à história e ao desenvolvimento de nossos povos indígenas não faz mais que simplificar sua realidade, rompendo a coerência e a lógica de seus 500 anos de resistência cultural.

A metodologia da espiral capta as relações estruturais e sistêmicas, ingressando de modo pleno às metodologias quantitativas. O modelo em espiral ajuda a resolver os problemas gerados entre a teoria e a prática e também os problemas entre a ação e a reflexão.

O modelo em espiral permite gerar e compartilhar conhecimentos e experiências coletivamente, e em cada contexto tanto os indivíduos como o coletivo se desenvolvem simultaneamente. Em um modelo em espiral o conhecimento e os processos históricos, podem começar em qualquer ponto da espiral e nunca terão um fim.

O modelo de pensamento e ação em espiral é inclusivo e permite conectar o presente com o passado, e no caso dos povos indígenas permite compreender a factibilidade de construir futuro voltando ao passado; vale dizer às raízes de seu desenvolvimento como povo.

Em outra ordem de coisas o modelo de pensamento e ação em espiral permitem un melhor entendimento de problemas próprios da administração e controle dos recursos, bem como dos riscos. Também é possível aplicar o modelo de planificação em espiral na alta tecnologia.

O modelo de ação em espiral centra sua preocupação na comunicação e no diálogo, e nos processos de planificação adota uma metodologia colectiva, como também na organização de recursos, análises de riscos e possíveis alternativas. O modelo busca a criação coletiva de estratégias de avaliação, e finalmente, o modelo gera a partir do coletivo a construção de hipóteses e teorias.

A cultura dominante entrou em uma profunda crise de identidade, e também o modelo de pensamento linear iniciado pelos filósofos gregos e mais tarde desenvolvido pelos europeus. Eles vieram negando permanentemente a existência de uma filosofia indígena, relegando-a à categoria de cosmovisão, folclore, ou pensamento mítico.

O mundo contemporâneo descobriu novas formas de conceitualização e de representações simbólicas, que tornam possível falar com propriedade de uma filosofia dos povos indígenas, que inclui suas práticas habituais, suas normas, valores, crenças, estruturas epistemológicas, tempo e espaço.

O modelo mental do homem ocidental se centrou na palavra, enquanto que o ser indígena pensa em símbolos, atos concretos e ritos. Podemos então afirmar que a filosofia dos povos indígenas tem sua origem na experiência vivencial de todo o povo, em suas categorias de tempo e espaço, que também têm conotações distintas ao pensamiento europeu.

A experiência vivencial do homem indígena mais que racionalista, tem que ver com seus sentimentos e emoções ligados estreitamente com a mãe natureza, a ñuke mapu ou pacha mama.

Estamos dizendo que ol mundo indígena se concebe em espiral, e nesse sentido tampouco se concebe a unidirecionalidade dos processos cósmicos, da história ou dos processos sociais. No modelo mental indígena o tempo também é cíclico, responde à espiral, e é começo e fim ao mesmo tempo. A vida e a morte também são realidades complementárias e não antagônicas.

O espaço é uma rede interconectada de relações cósmicas, naturais e humanas. No modelo mental indígena o homem vive no tempo e no espaço. O homem não está sozinho na terra. O tempo é só uma relacionalidade cósmica e sempre presente no espaço. O futuro não é algo que está por vir nem o passado algo que se foi. Os mapuche dizem que o tempo vem.

De modo então que o tempo no mundo indígena não é unidirecional de passado a futuro, mas sim bidirecional. O futuro pode estar atrás e o passado adiante ou vice-versa. O homem indígena vive o presente em uma realidade de contínuo movimento cíclico da natureza e de sua cultura. O We tripantu da nação mapuche, é um renascimento natural, o término do ano é o início de uma nova vida e não a soma de anos acumulados.

O Universo indígena é uma rede viva pela qual circula a todo momento a energia, e a informação sob uma ordem autorregulada pela própria natureza das coisas. No pensamento indígena tudo está interconectado, nada está separado do todo. O mundo indígena se rege por quatro princípios fundamentais: princípio da dualidade, princípio da oposição complementária, princípio cosmológico, e o princípio da vida comunitária.

Princípio da dualidade:
Na sociedade mapuche os fundadores cósmicos estabeleceram a dualidade das coisas. Os contrários não são antagônicos mas sim complementários. Eis aqui os quatro primeiros seres que deram origem ao homem mapuche.
Eles eram masculino e feminino. Ademais eram jovens e velhos: Ngen Fucha e Ngen Kushe, espírito masculino ancião e espírito feminino anciã; Ngen Weche e Ngen Ullcha, espírito jovem masculino e espírito jovem feminino.
O território se organizava em função desta mesma dualidade: Picunche, gente do norte e Williche, gente do sul, Puelche gente do leste e Lafkenche gente do oeste ou do mar. Também havia a conotação espacial de acima e abaixo: Wenumapu, Minche mapu. Podemos entender então que na natureza tudo está emparelhado, homem- mulher: wentru-domo. Para os povos indígenas a dualidade das coisas constitui a base fundamental da unidade na diversidade natural e humana.
A unidade se produz porque os aparentes contrários no modelo mental indígena, são parte da complementariedade.

Princípio da oposição complementária:
A lógica dos opostos duais no modelo mental indígena só pode ser entendida sob o princípio da oposição complementária.
O homem indígena vê na natureza essa complementariedade dos opostos: dia e noite, semeadura e colheita, montanhas e vales, espaços micro e macro, indivíduo e coletivo, vida e morte.

Principio Cosmológico:
A Ñuke Mapu é o espaço, o tempo, a cultura e a história da nação mapuche. O princípio cosmológico se organiza na Ñuke Mapu em sua dimensão espacial, temporal, cultural e histórica. O Wenumapu é a parte espacial de acima, estreitamente ligada a Minche Mapu, a parte de mais abaixo e interna da terra.
Tudo está interconectado no modelo mental indígena, nada está separado. O homem indígena nos começos de sua existência olhava o espaço celeste pelas noites, e conseguiu descer as estrelas, as constelações e a Via Láctea (Wenuleufu) para organizar a sociedade indígena à imagem e semelhança desse cosmos que o viu nacer.

Princípio da vida comunitária:
A formação social, econômica e cultural dos povos indígenas tem sua base no desenvolvimento da vida comunitária. O conhecimento ancestral, a vida espiritual, as práticas, a cosmologia e os valores culturais, são todos elementos próprios do princípio da vida comunitária.
A Nação Mapuche dava solução a seus problemas e satisfação a suas necessidades através do princípio comunitário. Eis aqui só as práticas mais comuns: o nguillatun, o kollagtun, o machitun, o palin, o trawun, e o mingaco. O mesmo acontecia com as nações indígenas do centro e norte do cosmos americano.
No modelo mental dos povos indígenas, o pensamento privilegia a experiência pessoal e coletiva. Os indígenas vivem das experiências reais mais que do abstrato. Se reflexiona sobre a experiência, chegando a ser esta a base fundamental de todo novo conhecimento.

Este artigo é a síntese de um trabalho maior que ainda estou preparando. Se trata de aprofundar sobre o conhecimento ancestral de nossos povos originários e descobrir o paradigma alternativo, que permita resgatar a verdadeira identidade ameríndia de nossos povos do cosmos sul-americano. "
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Ensaio de Victor M. Gavilán, Coordenador do Comitê de Apoio à Nação Mapuche em Calgary, Canadá. Fontes: Servindi e Visión Chamánica

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