O Relâmpago e o Trovão
"Era uma mulher gestante que estava na canoa dentro do rio. Então começou uma chuva bem forte com relâmpago. O relâmpago caiu na barriga da mulher e abriu. Então, o filho nasceu. O filho ficou chorando, chorando, no pé do salão no barranco do rio.
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Apareceu, então, o caranguejo que pegou a criança com as duas presas, e levou para onde morava numa boquinha do salão do rio. O menino ficou lá por muito tempo e lá cresceu.
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O tempo foi passando, passando... Um dia, o tio desse menino foi caçar e viu o sobrinho no igarapé. Ele voltou para a aldeia e contou para os parentes que tinha visto o menino no igarapé. Assim descobriram onde ele morava.
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Um dia choveu muito, muito. O igarapé ficou cheio de uma espuma branca. Os índios parentes do menino combinaram de pegar ele de volta assim: um vinha de cima, outro de baixo e os demais ficaram pastorando no barranco. O índio que vinha descendo o igarapé colocou espuma na cabeça para enganar o menino que estava brincando na beira. Conseguiram pegar de volta o menino que gritou muito, chorando. Nessa hora, vieram alguns caranguejos lutar pelo menino, mas os parentes conseguiram espantar os caranguejos. O menino lutou para não ir, mas foi assim mesmo.
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Depois, na aldeia, os índios deram comida de gente ao menino, mas ele não quis. Só queria comida de caranguejo, caroço da fruta de paxiubinha e paxiubão. Até que o menino se acostumou na aldeia. Quando já estava com dez para onze anos, deram arco e flecha para ele fazer caçada e o que mais precisasse.
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Quando já estava grande, na base de uns quinze anos, o menino disse que queria conhecer a mãe dele. Os índios disseram que não podia, que ela estava no céu. Contaram a história para ele. Ele então teimou em ir até lá no céu. Pediu que sua avó fizesse uma corda de algodão bem grande. Jogou essa corda até o céu com a ponta presa numa forquilha. Disse que voltava logo. Foi subindo pela linha até chegar no céu onde morava sua mãe. O seu pessoal na terra ficou olhando, acompanhando, até que ele sumiu.
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Chegou então no céu. Lá era o mesmo que na terra. A mãe dele estava casada com o Kana Yuxibu, o relâmpago encantado. Encontrou também suas cinco irmãs. Todos ficaram animados. A mãe perguntou tudo sobre a terra. O filho pediu que ela voltasse, que fosse morar na aldeia. Ela disse que não podia: já estava lá e assim ia continuar. O filho perguntou pelo marido da mãe. Ele tinha saído para beber nawaki, uma bebida que o relâmpago encantado bebe e arrota. Esse arroto é o trovão.
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O filho disse que ia vingar a morte da mãe, matando o relâmpago encantado. Preparou, para isso, uma arma, shatxi, que é igual a uma navalha. Esperou...
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Lá veio Kana Yuxibu, o relâmpago, arrotando e tocando a borduna, fazendo a faísca, o estalo que a gente vê brilhando no céu.
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Nessa hora, o filho se transformou em morcego e ficou na cumeeira da casa, escondido com a arma. Kana Yuxibu sentou no canto, a mãe trouxe o tacão de mingau de banana, mani mutsa. O filho jogou a arma com veneno dentro do tacão. Kana Yuxibu engoliu a navalha e teve um corte na veia do coração. Morreu.
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A mãe dele não gostou da vingança. Mais revoltado ainda, disse que ia matar as irmãs dele também, que eram filhas do relâmpago encantado. A mãe pediu que não fizesse isso. Mas ele fez. Deixou a menor, que tinha de um para dois anos. E voltou com ela para a aldeia. Chegou na terra e contou tudo para os parentes.
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A irmã pequena não suportou a aldeia na terra, chorava muito. Ninguém agüentou o choro dela. Aí, começou a chover, chover muito e o rio ficou cheio. Então, jogaram a criança na água. Ela ficou muitos dias no rio.
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Quando chegou no fim da terra e da água, ela subiu de novo para o céu.
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Por isso, até os dias de hoje, tem relâmpago e trovão. "
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Fonte: Lenda Kaxinawá (Povo Hunikuin - Acre). Publicada pela Organização dos Professores Indígenas do Acre: “SHENIPABU MIYUI – HISTÓRIA DOS ANTIGOS”. 2ª. Ed. Ver. Belo Horizonte, UFMG, 2000. Imagem: Sunday Mercury
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