7 de maio de 2009

Maio Indígena

Acampamento Terra Livre 2009. Foto: Egon Heck/Cimi

Entrevista de Gersem Baniwa para Vanessa Rodrigues em Abril deste ano:
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Quando começou o Abril Indígena e por quê? Como será o Abril indígena em 2009?
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O Abril Indígena começou em 2005, com pouco mais de 60 pessoas. Na sua maioria, eram representantes dos povos indígenas de Roraima, acampados na Esplanada dos Ministérios em Brasília, próximo à Praça dos Três Poderes, com o objetivo de chamar a atenção do Governo Lula e de outros poderes sobre a situação calamitosa dos povos indígenas naquele ano, particularmente sobre os graves conflitos na Raposa Serra do Sol como resultado da não homologação daquela terra.

A iniciativa foi muito importante para iniciar um processo de abertura de diálogo com o governo Lula, que desde a sua eleição e posse não havia dado nenhum sinalde diálogo e de soluções para os graves problemas enfrentadospelos povos indígenas.

Desde então, o “Abril Indígena Acampamento Terra Livre” tornou-se um espaço e momento de referência nacionalda luta dos povos indígenas. Tem logrado, também, alguns avanços importantes ao colocar a pauta indígena na agenda do governo, em seus três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, além de conquistas importantes como a homologação daRaposa Serra do Sol, a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e de audiências públicas com o Presidente Lula, com o Presidente do Congresso Nacional e com a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Este ano, o “Abril Indígena” acontecerá em todas as regiões brasileiras. Em todas as regiões acontecerão mobilizações, manifestações e atos públicos em defesa dos direitos indígenas, articulando e promovendo 19 compromissos dos povos indígenas e seus aliados contra as 19 imposições do STF.

Para inovar a estratégia, em Brasília acontecerá o “Maio Indígena – Acampamento Terra Livre“, na primeira semana de maio, para reunir e articular as estratégias discutidas nas mobilizações regionais e definir as estratégias futuras dos povos indígenas do Brasil diante do quadro preocupante que enfrentam e dar o seu recado direto ao governo.

Durante todos estes anos, as lideranças e as organizações envolvidas parecem apresentar as mesmas reivindicações. Vocês têm a sensação que estão avançando nas questões indígenas no país? Se não, por quê?

É verdade que ao longo desses anos de “Abril Indígena” as reivindicações dos povos e das organizações indígenas foram as mesmas. Isso não significa que nada tenha avançado. Mas significa, por um lado, que o ritmo das conquistas e avanços é extremamente lento e, por outro lado, que as dívidas históricas e demandas reprimidas são muito grandes.

Na questão da terra, por exemplo, não tem como negar o avanço histórico dos últimos 20 anos na Amazônia, onde as maiores terras indígenas como as dos Yanomami, do Rio Negro, Vale do Javari, Trombetas/Mapoera e Raposa Serra do Sol foram reconhecidas, demarcadas e homologadas, somando juntas o dobro de que tudo o que já estava homologada até então. Mas tudo isso ainda é pequeno diante da demanda existente e reivindicada pelos povos indígenas.

A educação é outro exemplo. Nesses anos do governo Lula, a oferta escolar nas séries iniciais da educação básica dobrou nas aldeias indígenas. A oferta do ensino médio triplicou nesse mesmo período. O ensino superior cresceu de aproximadamente 500 estudantes indígenas em 2005 para mais de seis mil indígenas no ensino superior em 2009. Mas ainda persistem muitos problemas, como a oferta do ensino médio nas aldeias, construções de prédios escolares, material didático e formação de professores.Tudo isso mostra o tamanho do desafio que os povos indígenas continuarão enfrentando.

O ritmo da implementação das políticas para atendimentos aos direitos indígenas é muito menor ao esperado e desejado pelas comunidades. Isto confirma a necessidade de persistência na luta indígena nacional para garantir seus direitos e acelerar esse atendimento, aproveitando ao máximo as possibilidades e oportunidades. É bom sempre lembrar que a garantia dos direitos dos povos indígenas no Brasildepende historicamente das correlações de forças políticas, que impõem momentos e ritmos deste processo, sobre os quais precisam estar permanentemente mobilizados, em alerta e vigília. (...)

Estamos num momento complicado na relação povos indígenas, sociedade e Estado brasileiro. Aos olhos da elite brasileira, as conquistas de direitos advindos da Constituição Federal de 1988 precisam parar e ser revistas. Para esta elite, os povos indígenas não podem continuar ampliando seus direitos territoriais e outros direitosespecíficos na saúde e na educação, pelo simples fato de que eles não podem ter privilégios diante de outros segmentos sociais. Esquecem propositadamente que os povos indígenas não podem ser tratados ou comparados com outros segmentos sociais, na medida em que eles (povos indígenas) são sociedades milenares, com modos de vida completamente próprios e diferentes e habitantes originários dessas terras, muito antes dos portugueses, como foi reconhecida pela Constituição Federal.É isso que o Congresso Nacional está tentando fazer: reduzir ou mesmo revogar os direitos indígenas. Isso é inadmissível.Os povos indígenas, com apoio da sociedade brasileira civilizada, não podem deixar acontecer isso, pois seria um retrocesso, uma volta ao período colonial, ao período da barbárie, do racismo, do preconceito, que as leis nacionais e internacionais não toleram mais. .

Como vocês vêem a atuação do governo frente às questões indígenas? A crítica ao governo Lula ainda é pertinente?.

Muitas críticas ao governo atual continuam pertinentes, principalmente no tocante ao ritmo dos processos de reconhecimento e regularização das terras indígenas, que continuam muito lentos e em muitos casos parados. Esperava-se muito mais. Olhando para o pouco tempo até o fim do seu mandato, já podemos dizer que deixará pouco legado aos povos indígenas. [O governo Lula] poderia ter feito muito mais, evitado muitos assassinatos de lideranças indígenas, muitas prisões indígenas, mais terras reconhecidas e homologadas. Afinal de contas, serão oito anos. Mas também não se pode deixar de reconhecer o esforço de sua equipe que lida mais com a questão indígena no segundo mandato, já que o primeiro mandato foi um fiasco para os indígenas, como o próprio presidente reconheceu em algumas ocasiões.O diálogo foi aberto e continua possibilitando encarar de frente os problemas, como é o caso das discussões do Estatuto do Índio, dos Grupos de Trabalhopara reconhecimento e a regularização das terras indígenas, da saúde com a sinalização de mudança institucional e de gestão das políticas e ações e o aumento considerável de investimentos na área da educação escolar indígena. A Funai tem se esforçado para levar adiante as mudanças conceituais e estruturais do órgão. Estas mudanças são muito necessárias e urgentes para possibilitar novopatamar de relações dos povos indígenas com Estado e a sociedade brasileira superando as históricas e viciadas práticas tutelas, paternalistas e clientelistas do órgão para dar lugar ao maior protagonismo dos povos indígenas, inclusive na solução se seus problemas, com apoio do poder público. Mas o processo é muito lento, tímido e por vezes contraditório. Com tudo isso, ospovos indígenas já tiraram suas lições que ajudarão a fortalecer e aperfeiçoar suas estratégias de luta. Não importa muito quem é o dirigente, se é de esquerda ou de direita, o importante é a capacidade, a sabedoria, a habilidade, a determinação e a persistência da luta para garantir os direitos. .

Há algo mais que você gostaria de acrescentar?
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Os povos indígenas vivem hoje no Brasil um momento decisivo. Por um lado temos conquistas territoriais e algumas políticas públicas que, embora imperfeitas, foram importantes para a revolução histórica que tirou os povos indígenas do Brasil da rota de espécies em extinção para uma população que cresce a quase 5% ao ano(contra 1,6% da população brasileira), vivendo em 13% do território brasileiro. Estas conquistas precisam ser valorizadas, consolidadas e garantidas permanentemente. Por outro lado, parece que os povos indígenas ainda precisamconquistar seu espaço na sociedade brasileira. Ou, melhor dizendo, a sociedade brasileira precisa reconhecer e garantir o espaço legítimo e originário dos povos indígenas, para honrar a sua identidade idealizada de país multicultural ou pluriétnico.A sociedade brasileira ainda precisar dar e consolidar este salto de civilização e de humanidade. Mas para isso, não pode deixar que os aventureiros das elites políticas e econômicas impeçam esse salto para o futuro. Como afirmam muitos intelectuais, o grau de civilidade, de modernidade e de desenvolvimento de um Estado, de um país e de uma sociedade se mede pelaforma como tratam suas minorias. O Fundo Brasil de Direitos Humanos é uma fundação de direito privado, 100% brasileira, que visa contribuir para a promoção dos direitos humanos no Brasil. Com uma proposta inovadora, pretende impulsionar as atividades de pessoas e pequenas organizações não governamentais voltadas para a promoção e defesa dos direitos humanos nopaís, criando mecanismos sustentáveis de doação de recursos. O compromisso da fundação é fortalecerespecialmente aqueles que possuam condições de fazer a diferença e de colocar em prática propostas criativas, com grande potencial de impacto local na luta contra a discriminação.

Fonte: http://www.fundodireitoshumanos.org.br/. Gersem Baniwa é da aldeia Yaquirana, município de São Gabriel da Cachoeira (AM), e membro de ConselhoCurador do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Professor indígena Baniwa Bilíngüe, filósofo, mestre em AntropologiaSocial pela Universidade de Brasília (UNB) e doutorando em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UNB), Gersem foi dirigente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), coordenador Geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Secretário Municipal de Educação e Meio Ambiente de São Gabriel da Cachoeira. Atualmente é o Diretor-Presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP), com sede em Brasília, Conselheiro do Conselho Nacional de Educação e Coordenador Geral de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação.

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