Encantes encantados
“(...) os Ashaninka do alto Juruá têm uma consideração muito especial por toda a família dos japós. Em seu conjunto (que abarca a família Icteridae), os japós são chamados pelo nome genérico txowa, que designa também uma espécie particular, o Psarocolius sp. Todos os japós são humanos. Isso todo mundo percebe, já que eles vivem em sociedade, e tecem seus ninhos: são, em suma, tecelãos como os Ashaninka. Os xamãs que, sob efeito do ayahuasca, sabem ver de forma adequada, comprovam essa condição humana dos japós: vivem ao modo dos homens, cultivam mandioca, bebem kamarãpi (ayahuasca), bebem cerveja de mandioca (caiçuma). São inclusive superiores aos homens, na medida em que observam a paz interna e vivem sem discórdia. São os filhos que Pawa, o sol, deixou na terra, são os filhos da ayahuasca. Entre os japós, pássaros tecelãos, o tsirotsi ou japim (Cacicus cela) ocupa uma posição particular e suscita um interesse muito especial. Os tsirotsi vivem em bandos de uns trinta pássaros, particularmente associados, e tecem seus ninhos muito perto uns dos outros em uma mesma árvore. Escolhem a árvore por ela abrigar ninhos de certas vespas ou formigas cuja picada é especialmente dolorosa. É esta, diz-se, a sua polícia, que os protege dos predadores, como o gambá, por exemplo. Os tsirotsi são pacíficos e só se tornam ferozes quando é o caso de defender os ovos brancos com pintas contra a cobiça dos tucanos e dos araçaris. O macho e a fêmea guardam os ovos juntos, mas só a fêmea trabalha, ao passo que o macho canta. Nada disso é muito excepcional entre os japós. O que no entanto distingue os japins de todos os outros pássaros é a capacidade que lhes é atribuída de imitar os chamados e os ruídos que escutam, sejam estes os cantos de outros pássaros, o tambor dos Ashaninka, o latido dos cães ou o choro das crianças (...)”.
Fonte: Carneiro da Cunha, Manuela. “Xamanismo e Tradução”. A versão original deste artigo foi apresentada como conferência anual Robert Hertz, a convite da Association pour la Recherche em Anthropologie Sociale, em Paris, em junho de 1997, e publicada na revista Mana.
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