31 de julho de 2009

O autor na berlinda



28 de Agosto de 1963 é a data histórica do célebre discurso de Martin Luther King em Washington, capital norte-americana: “Eu tenho um sonho...”. Naquela tarde, havia uma conjunção do Sol com o planeta Vênus entre o quarto e o quinto grau do Signo de Virgem, de acordo com a Astrologia. O menciono porque, numa coincidência cósmica, muitos anos antes na Califórnia, um astrólogo chamado Marc Edmund Jones ao pesquisar se seria possível construir uma nova estrutura simbólica que levasse em conta cada grau da esfera do zodíaco a fim de acrescentar uma nova dimensão à leitura tradicional das cartas astrais, obtivera de uma clarividente chamada Elsie Wheeler, cujo dom se manifestava justamente por meio da visão de imagens simbólicas, e que era conhecida pela precisão de seus vaticínios, uma estrutura simbólica harmônica para os 360 graus zodiacais. Em um exercício em que Jones criou 360 cartas em branco, com os graus respectivos de cada signo anotados no verso de modo que a médium não os pudesse identificar e assim porventura forçar a coerência necessária entre os aspectos relativos, surgiram os Símbolos Sabianos que Miss Wheeler enunciou com rara propriedade, e que analisados e comprovados por Jones, seriam publicados pela primeira vez em 1953.
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Ana Lía Rios, uma autora argentina que se dedica ao tema dos Símbolos Sabianos, considera que “toda imagem simbólica fala a linguagem do inconsciente e se relaciona diretamente com ele e, por isso, constitui um instrumento inestimável de ligação e de modificação de nossas estruturas profundas”. Em seu livro “Oráculo Astrológico”, ela cita Carl-Gustav Jung: “O que para a consciência é uma laceração insuportável, para o inconsciente – pelo recurso simbólico – é conciliação e composição”. Pois bem, o quarto grau de Virgem, onde Sol e Vênus se encontravam juntos naquele dia histórico de Agosto de 1963, dizia exatamente: “Black and white children play together happily” (Crianças negras e brancas brincando juntos alegremente). A respeito desse grau, Ana Lía Rios assim o interpreta na obra citada:
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Nós adultos tendemos a separar e a categorizar o que é diferente de nós. Nosso primeiro impulso nos impele a rejeitar e a adotar uma atitude defensiva por medo do desconhecido. As crianças não têm essas atitudes, uma vez que, para elas, o diferente não significa melhor nem pior, mas simplesmente algo com outras características e que não tem nada a ver com hierarquia. Por outro lado, tendemos a ocultar o negro (o que é estranho e incomum no nosso comportamento ) em nosso íntimo, acreditando que seja potencialmente perigoso e destrutivo; não sabemos brincar com ele nem lhe damos espaço para crescer e vicejar, como os outros aspectos de nossa personalidade que nos são conhecidos”.
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Elementos aparentemente diferentes e separados, como os grupos étnicos, são apenas uma ilusão de percepção social. Essas percepções sociais padronizadas (como “nós” vemos os “outros”) precisam ser postas de lado quando é tempo de irmanar-se: é só com a integração e a aceitação de todas as pessoas (e o contentamento disso decorrente) que a situação crítica deste planeta poderá ser resolvida e transformar-se adiante – uma irmandade universal. Se não formos aptos a nos ajustarmos psicologicamente a situações que requerem respostas criativas, esbarraremos no passado dos preconceitos raciais e todas as situações de dominação e subjugação do homem pelo homem, que fere a própria dignidade do ser humano. È esse ponto nevrálgico da consciência coletiva que o símbolo visualizado por Miss Wheeler toca, e este o motivo de neste weblog de debate intercultural agora se mencionar o estudo de Marc Edmund Jones.
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E porque então este autor “Karipuna” se diz na berlinda ao tratar desse símbolo? Porque eu nasci naquela mesma tarde de 28 de Agosto de 1963, no Rio de Janeiro, e trago portanto essa coincidente conjunção comigo. A qual tenho de analisar como referência, uma vez que o ponto de partida para este weblog foi essa mesma consciência inter-étnica plasmada em meu ser. A pergunta que me faço é: neste mundo de acirradas disputas de sobrevivência, já existe espaço para o sonho de Martin Luther King, como a eleição de Obama à cabeça do Império norte-americano fez pensar, ou ainda é um ideal feérico (de outro mundo)?
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A organização Global Voices fez recentemente uma menção ao nosso blog da qual me orgulho por estar inserida em um artigo sobre a presença dos ameríndios brasileiros na rede mundial de computadores, e são muitos índios que têm se comunicado comigo me chamando “parente”, como fazem a respeito de indivíduos de outra etnia nativa. Lá entre os Xacriabá, em São João das Missões, Minas Gerais, quando estive ano passado levando um jovem pajé Hunikuin da Amazônia para conhecer o projeto de produção de medicamentos tradicionais da Aldeia Barreiro Preto, perguntaram-nos surpreendentemente: “de que tribo vocês são?”, não enxergando diferenças entre meu amigo Ixã e eu, que tenho apenas uma bisavó filha de Karipuna. Isso na certa porque os Xacriabá, como me explicara o amigo Ailton Krenak em uma festa de São João dois anos antes naquela mesma cidade onde foi eleito o primeiro prefeito indígena do Brasil (o professor Zé Nunes), são uma nova etnia que se auto-gerou a partir dos restos de muitas etnias ali reunidas nos sertões do Rio São Francisco, e são portanto acostumados a buscar ver muito mais os laços de união e menos os traços de diferenças. Para o amigo Hunikuin, fruto de uma cultura eminentemente endogâmica, notei que também lhe parecia compreensível que Xacriabás fossem todos eles que ali conhecemos, mesmo que pela cor da pele uns fossem mais “negros”, outros mais “brancos” e outros mais “amarelos”. A unidade cultural, portanto, figurava naturalmente aos olhos do amigo Hunikuin como sendo o elemento base da etnia, e não as características raciais da classificação enciclopedista ocidental da qual nosso velho mundo parece ser ainda intelectualmente dependente.
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Este mundo de hoje: acabo de ver na televisão boliviana um trecho do documentário de Cesar Brie “Humillados y ofendidos”, retratando recente episódio em Sucre, quando os grupos opositores à proposta de constituição plurinacional de Evo Morales receberam grupos de indígenas que vinham do campo para manifestar-se politicamente de uma maneira que em tudo faz recordar as humilhações promovidas pelos conquistadores espanhóis no tempo colonial: os indígenas, que o “senso comum” da classe média mestiça faz figurar como ignorantes (e portanto atrevidos), foram açoitados, apedrejados, espancados, despidos e postos de joelhos no chão da praça para serem obrigados a beijar a bandeira pátria enquanto os “cívicos” cantavam seu hino e gritavam frases de ódio contra Morales. Por favor, William Waack e editores de telejornalismo da Globo, não subestimem o que acontece na Bolívia desfazendo do papel da liderança de Morales por o considerarem um mero seguidor do “ditador venezuelano”, como vocês costumam fazer com muita ironia. Há uma história muito mais profunda sendo edificada naqueles páramos andinos, há a história de um país de população majoritariamente indígena que foi criado no século 19 excluindo totalmente de direitos os ameríndios a fim de prolongar a situação colonialista de exploração e espoliação, há a história de uma república latino-americana como outras tantas que esteve por muito tempo servindo de fachada para a maldade da corrupção e dos desmandos dos interesses capitalistas, e se Morales conseguiu o que conseguiu ao eleger-se e ao colocar em vigência uma nova constituição para seu país, isso se deve à democracia e não a nenhuma ditadura. Se há falhas, se há tropeços, isso não desmerece o valor dessa proposta de democracia que surgiu das bases populares da nação boliviana, e se o Brasil abandonasse seu apoio a essa democracia no coração geopolítico do continente, talvez estivesse abandonando sua própria esperança de ordem e progresso, pois não importa o lema positivista por sua origem ideológica mas sim a trajetória evolutiva dessa proposta idealista bordada na bandeira brasileira em letras verdes como a simbólica esperança.
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Eu não sou ninguém. Não possuo identidade étnica. Sofro também preconceitos por parte de brancos, índios, negros e amarelo, pois não me encaixo nesses “nichos” raciais. Até de meu pai, - traumatizado na infância por ter sido enviado pela mãe italiana para ser alfabetizado em um orfanato de guerra de refugiados da Ucrânia no Paraná dos anos 40 - , que tinha na prateleira da sua casa um exemplar em alemão de “Mein Kampf” e se dizia nazista porque o pai dele era filho de alemães chegados ao Brasil em 1862 em uma das primeiras levas de imigrantes, talvez porque isso compensasse algum escuro sentimento de amargura que trazia dentro de si. Ora, nazistas matavam até hemofílicos a pretexto de limpeza genética, e eu sou hemofílico. Nos anos 80, quando surgiu a Aids e os hemofílicos se tornaram grupo de risco, ao rejeitar-me por deficiente ele me expulsou do seu “Olimpo” como a mãe de Hefestos a seu bebê feio, mas fez de mim também um pequeno Vulcano criativo que se tornou artífice ao saber manipular o fogo essencial guardado no seio da terra. Mas isto é um outro símbolo, e uma outra história. O que digo lamentar nesses preconceitos enfrentados é a visão errônea que surge dos condicionamentos sociais dos grupos humanos, é o horizonte estreito, a visão curta, a falta de ética que acontece quando há omissão a respeito de outrem, quando os indivíduos se permitem omitir a respeito do direito (e necessidades) de outros a título de terem que cuidar apenas de si próprios.
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Já não é assim. Já não tem como ser assim. Indo por esse caminho, o ser humano não chegará a lugar algum. Se ficar restringido a conceitos e “memes” culturais solidificados, estará se equivocando com relação à sua própria natureza, pois como diz a imagem poética, “tudo que é sólido flutua no ar”. Ninguém constrói sua felicidade em cima da infelicidade dos outros, não é isto possível. O que agora vem à tona, seja nos Estados Unidos, seja na Bolívia, seja na Indonésia, é a emergência da salvação deste planeta que, continuamente vilipendiado pela espécie humana dita “superior” (ou digamos, da espécie superior dita “humana”, pois nisso há senso e contra-senso) só pode ser salvo pelos esforços dessa mesma humanidade. Que se não for coerentemente fraterna tanto entre si quanto em relação às demais espécies vivas, não provará merecimento de ser filha deste planeta e desse sistema solar, portanto não merecerá mais a vida. Nenhum fatalismo nesta encruzilhada da história: apenas a necessidade definitiva de transcender as diferenças e acatar a multiplicidade como fundamento natural da vida.
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Ainda falta explicar o nome deste blogue: Criança do Futuro. Huberto Rohden ensinava que em português devíamos escrever “crear” porque assim se permitia aprofundar melhor os sentidos da palavra diferenciando-a do simples sinônimo de “fazer”. Quando chamei este blog “Criança do Futuro”, pensava em castelhano “Creanza del Futuro”, ou seja, o Engendrar, a Criação do Futuro. Esta é a proposta inerente a todos esses posts que venho publicando aqui, reciclando informações e procurando de alguma forma democratizá-las ao acesso daqueles buscadores sedentos de interculturalidade. Fico feliz desse “Karipunan Waköpünska” vir encontrando muitos leitores mesmo que em breves espaços de curiosidade. Agradeço aqui a Martin Luther King por haver feito luzir seu ideal de ética humanitária sobre a nação norte-americana e sobre tão vasto horizonte, e quero sim ser ainda uma mera criança brincando entre outras, sem noção do peso da condição desumana dos clichês e rótulos sociais. Esqueçam Babel: quando todos falarmos a linguagem da paz, conversarão todos os corações.
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“Quando o poder do amor se sobrepuser ao amor ao poder,
o mundo conhecerá a Paz.”
(Jimi Hendrix)

30 de julho de 2009

Os Txuntxos e o Estrela da Neve


Em seu estudo sobre o grande festival andino da Estrela da Neve, o Qoyllur Riti, publicado em 1982), Robert Randall especifica as imagens transmitidas por aquilo que se situa no alto e por aquilo que se situa abaixo, a leste de Cusco, a antiga capital do império Inca, onde as montanhas se encontram com a floresta. Ele descreve esse festival anual como sendo “provavelmente o espetáculo mais comovente e deslumbrante dos Andes”, durante o qual, nos anos que se situam em torno de 1980, cerca de 10 mil peregrinos sobem as montanhas, por ocasião do Corpus Christi, a fim de chegar a um vale sagrado situado nos picos. (...)
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Emergindo das selvas, as montanhas Colquepunku, do pico nevado, são maciços alvos e resplandecentes que pairam na floresta tropical enevoada. O interior dessa cadeia de montanhas abriga um vale isolado que, durante a maior parte do ano, acolhe apenas rebanhos de lhama e alpaca que pastam a 4500 metros de altitude, abaixo dessas reluzentes geleiras. No entanto, durante a semana que precede o Corpus Christi, mais de 10 mil pessoas, em sua maior parte índios e campesinos, fazem uma peregrinação ao vale de Sinakara. A música ecoa para além dos muros que encerram o vale, e dançarinos, em trajes emplumados, andam empertigados em meio à fumaça de pequeninas fogueiras, onde a comida está sendo preparada.
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(...) Apoiando-se em estudos recentes no campo da etnoastronomia, sobretudo os de T. Zudeima, Randall sugere que essa peregrinação anual não só marca o desaparecimento e reaparecimento das Plêiades no céu (um lapso de cerca de 37 noites), como também aquilo que ele denomina a transição da desordem para a ordem (do caos para o cosmos). É uma interpretação que se harmoniza com a de Zudeima, segundo a qual, para os Incas, esse período de 37 noites correspondia, de acordo com o calendário, àquilo que ele denomina o caos. Randall é cuidadoso ao enfatizar que a desordem dos peregrinos dançarinos termina com a dança final, ao nascer do sol. Segundo o autor, ela é perfeitamente ordenada e sincronizada. (...) É com equanimidade que esse festival é retratado como uma grande comemoração do processo civilizatório, alimentado, quando não criado, pela dança ensandecida dos txuntxos (chunchos), homens selvagens da floresta. Isto é encarado como um rito de transição estelar, quando não cósmica, de renovação social e de cura individual. Tudo isso é resultado da transição da desordem para a ordem.
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Quanto aos chunchos, Randall cita relatos dos campesinos das encostas das montanhas, segundo os quais aqueles eram seus ancestrais. Um desses relatos narra como os antigos, os naupa machu, ocupavam as montanhas em uma época anterior a essa, quando não havia outro sol e outra luz que não a da lua. Esses antepassados eram seres poderosos, capazes de achatar montanhas e mover grandes rochas. O principal espírito dos picos locais perguntou a eles se gostariam de ter parte do poder daquelas montanhas mágicas, mas, orgulhosos de sua força, os naupa machu desprezaram essa oferta, levando o chefe do pico a criar o sol que, erguendo-se acima da selva, transformou os ancestrais em pedra, com exceção daqueles poucos que fugiram para o escuro caos das florestas abaixo. Por meio dessa criação dos chunchos na escuridão que reinava abaixo, a ordem Inca foi criada acima, nas montanhas iluminadas pelo sol.
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(...) No que diz respeito ao tempo mítico, o mesmo ocorre em relação aos chunchos do Leste de Cusco: inferiores, selvagens, hostis, ainda assim são curadores e concessores de fertilidade. Em relação àquilo que parece ser uma contradição significativa à sua tese de que a ordenação é curativa, Randall cita testemunhos para afirmar que os habitantes das encostas daquelas montanhas enviavam seus xamãs, responsáveis pela cura dos doentes e pelos cuidados com a fertilidade dos campos, lá para a selva, onde aprendiam durante um ano, a fim de trazerem essa fertilidade lá para cima, na sierra. A própria selvageria da floresta (e, presumivelmente, de seus habitantes) é curadora e fertilizadora.
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(...) Randall assinala que as grandes taças Incas, de boca larga e de madeira pintada, geralmente representam todos os inimigos do Inca como selvagens da floresta (chunchos) (...). Ele observa que nos dias de hoje, durante o Festival da Estrela da Neve, a figura selvagem e emplumada do txuntxo assume a função de representar o indianismo per se; não se trata apenas de seres míticos ao leste dos Andes, mas de todos os “índios”. Por outro lado, os integrantes do grupo Colla, considerados comerciantes ricos e procedentes dos altiplanos, hoje são representados não por índios, mas por mestiços (gente de ancestralidade índia e branca, mas, nesse contexto, considerada “branca”). No Festival da Estrela da Neve os txuntxos derrotam os Colla, em combate simulado.
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A selvageria, a fertilidade, a cura mágica, suprimidas, reprimidas, são consideradas embaixo, na sombria selva emaranhada, esse subterrâneo agreste da história que pode irromper através de rebeliões, de tom messiânico, que curam e fertilizam não simplesmente esta ou aquela pessoa, não só este ou aquele campo, mas toda uma sociedade erroneamente revestida de uma outra época. É a interpretação a que se pode chegar dos repetidos ataques aos espanhóis durante a época colonial, por parte dos moradores da floresta, que culminaram no romance, no vigor e no esplendor de um mito objetificado no movimento liderado por Juan Santos Atahuallpa em 1741. Randall detecta manifestações modernas dessa constelação de mito e ruptura social na geografia político-moral da rebelião associada a Hugo Blanco, nos anos 60. Em ambas as instâncias, os líderes das montanhas ou “profetas” desciam de suas terras para as terras baixas, cobertas por florestas, situadas ao leste, com as serpentes e os demônios, não para encontrar meramente uma base social de apoio, mas para reafirmar uma base mítico-histórica. As forças rudes da selvageria e da história foram recrutadas, numa tentativa de destruir a antiga ordem, porém fracassaram. Entretanto, a mitologia continua vivendo. O próprio Randall convoca a nostalgia do fracasso político para inspirar uma pungente identificação com os demônios da história e da renovação social, enquanto consolidam com segurança o triunfo da vontade de proceder a uma ordenação. No entanto, sem os chunchos e a selva – lugar de escuridão, caos e desordem, onde, escondidas do sol, as plantas crescem desenfreadamente, entrelaçando-se com desalinho e confusão – não haveria uma base para a própria ordem. Com efeito, é a partir dessa dependência que a magia e a fertilidade florescem
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Nota do Blog: Texto extraído da obra ímpar de Michael Taussig, “Xamanismo, Colonialismo e o Homem Selvagem – Um Estudo sobre o Terror e a Cura”, Trad: Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Editora Paz e Terra, São Paulo – 1993, páginas 223 a 238. Neste livro o antropólogo norte-americano Taussig busca determinar a relação do mito e da magia com a violência colonial por um lado, e, por outro, com a cura e o modo como ela pode mobilizar o terror a fim de subverter essa violência. A obra de Randall citada por Taussig nesse trecho que adaptamos é: “Qoyllur Rit´i, an Inca fiesta of the pleiades: reflections on time and space in the andean world”, in Bulletin d´Institut Français des Études Andines, 1982.
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A festa de Qoyllur Rit´i na atualidade cresceu muito dada a nova facilidade de acesso com o asfaltamento da estrada de Ocongate ligada à chamada Carretera Transoceánica que faz ligação com o Acre, mas continua guardando seu aspecto mais tradicional. Entretanto, com o aquecimento global, a subida dos peregrinos ao nevado de Qoyllur Rit´i na última noite de festival, de onde traziam grandes blocos de gelo nas costas caminhando até o local da procissão de Corpus Christi, em Cusco, tem sido proibida dado o risco de deslizamentos fatais, já que ano a ano os nevados vêm diminuindo de tamanho e a neve se torna menos sólida mesmo ali nas alturas. Para os povos da montanha, como os xamãs Q´ero, o degelo dos nevados cumpre uma antiga profecia que alertava que, quando aquelas neves se extinguissem, era porque havia chegado o fim do mundo.

Fonte da Imagem: Thomohawk

29 de julho de 2009

Quando a Noite escapou do Tucumã

Cobra Grande pintada sobre maloca no Alto Rio Negro.
Foto: Beto Ricardo/ISA.

Antigamente, o sol brilhava continuamente e ninguém sabia o que era noite. E, os homens e os animais, viviam juntos e falavam a mesma língua.
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Um jovem guerreiro tupi apaixonou-se por Moiaçu (Mboicunhãmuçu), filha de Mboiguaçu, a Cobra Grande. Logo depois, porém, surgiu um problema. A moça não conseguia dormir e tinha um ar triste e cansado. Julgando que o barulho dos seus criados a incomodava, o rapaz mandou-os à floresta. Mesmo assim, Moiaçu, a moça cobra, não podia repousar. "Não é noite!" Dizia ela. "Nunca é noite! É sempre dia claro!"
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Respondeu ele: "Meu pai tem a noite." O moço chamou os servos e enviou-os à casa do sogro buscar a noite. Os três índios fizeram fogo e colocaram-no em cima de algumas pedras a fim de poder transportá-lo na canoa. Assim poderiam aquecer-se e cozinhar a comida. Empurraram a canoa para o rio e deslizaram pela corrente.
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Quando chegaram, a Cobra Grande entregou-lhes um caroço de tucumã e advertiu-os: "Se abrirem o coco de tucumã, tudo ficará diferente." Os criados começaram a voltar, remando rio acima.
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De dentro do caroço saíam sons esquisitos, de sapos, grilos, corujas, e os ruídos da noite. Ficavam cada vez mais curiosos, mas tinham medo de abrir o coco. Finalmente, não resistiram. O caroço era fechado por um pouco de breu. Derreteram-no no fogareiro.
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De repente, tudo escureceu. A noite tinha escapado. Os pescadores viraram patos, o cesto transformou-se em onça, todas as coisas mudaram. Lá na taba, Moiaçu percebeu o que acontecera e avisou o marido: "Eles deixaram a noite escapar. Vamos esperar o amanhecer."
Ao romper a aurora, no dia seguinte, Moiaçu disse ao marido: "Vou separar o dia da noite." Tomou um fio e fez o cujubim (ou jacutinga, ave da Amazônia). Pintou sua crista de branco com tabatinga (barro branco) e as pernas de vermelho com urucum (fruto do urucuzeiro). Soltou-o, mandando-o cantar toda vez que o sol viesse aparecendo. Com outro fio sujo de cinza, fez o inhambu (ave). Ordenou-lhe que cantasse as horas durante a noite.
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Por sua desobediência, Moiaçu castigou os criados transformando-os em macacos. É por isso, que os macacos tem os beiços pretos e um risco amarelo nos braços. É o breu derretido que escorreu sobre eles, quando abriram o coco de tucumã.
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Fonte: Lendas Indígenas - Gráfica Ed. Aquarela, SP, 1962.

28 de julho de 2009

A resistência de Teresa Antazú

“Vivo escondida enquanto aos corruptos a justiça os libera”

Entrevista/Teresita Antazú López. Cornesha (presidenta) da Unión de Nacionalidades Asháninka y Yanesha. Reconhecida por defender os direitos da mulher indígena durante mais de 30 anos.

Teresita Antazú é um dos cinco dirigentes regionais de Aidesep que têm ordem de captura por delitos de sedição e motim. Três deles estão asilados em Nicarágua. Antazú López rechaçou o oferecimento de asilo político e preferiu ficar no Peru. Esse mesmo dia passou à clandestinidade. .
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"Nesta condição foi entrevistada por "La República", pela jornalista Elízabeth Prado:

- Quando recebeu a primeira denúncia judicial?
- Foi em 18 de maio. Incluia a meus irmãos Alberto Pizango, Saúl Puerta Peña, Cervando Puerta Peña, Alberto Mugarra e eu. Nos citaram para o 4 de junho e todos nos apresentamos para dar nossa declaração. No dia seguinte se produziram os lamentáveis acontecimentos de Bagua.
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- Depois veio a ordem de detenção.
- Esse documento nunca nos chegou formalmente. Nos inteiramos pela imprensa que nos estavam buscando. Eu não sinto que haja transgredido a lei. Temos reclamado por nossos direitos, temos dito ao governo que queremos viver em paz, sem contaminação. A ordem de detenção me parece uma arbitrariedade.
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- Por quê decidiu entrar na clandestinidade e não optou pelo asilo político?
- Tenho minha própria convicção. Respeito a decisão de meus irmãos que estão asilados. Cada qual busca sua segurança. Entendo o caso de Alberto Pizango porque a princípio ele foi mostrado como o único culpado. No caso de Saúl e Cervando Puerta Peña também, porque eles vêm da zona onde ocorreu o conflito, de Bagua. Quanto a mim, sou dirigente antiga e minha organização precisa de mim, meus filhos precisam de mim. Eu decidi não asilar-me apesar de que me foi oferecido: “Conseguimos isto, decide e vamos embora”. Desde o princípio disse que não.
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- Entrar na clandestinidade significa também deixar seu cargo.
- Pressagiando o que poderia vir deixei tudo arranjado. A vice-presidência vai assumir responsabilidades para que nossos projetos caminhem. Eu não roubei, não matei, não estafei a ninguém, por isso me dói ter que viver escondida. Os que cometeram atos de corrupção como Rómulo León saem das prisões e estão em suas casas enquanto que eu tenho ordem de captura.
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- Até quando seguirá na clandestinidade?
- Estou esperando que se dêem as condições porque não penso em viver nesta situação toda a vida. Creio que a injustiça neste governo superou todo limite que pudéssemos imaginar.
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- Quem se ocupa de sua defesa legal?
- Aidesep e também Arpi. Além da associação feminista Flora Tristán. Eles estão buscando a mudança da ordem de captura pela de comparecimento. Se isso acontece seria suficiente para que nossos irmãos regressem ao Peru para colocar-se a direito.
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- O presidente García disse que as áreas concessionadas na selva são terras do Estado e que o território indígena é intocável.
- Nosso território é muito maior. O governo só reconhece como de propriedade indígena as áreas que o Estado titulou. Mas são muitas as comunidades que não possuem título apesar que o pedimos. Agora vemos que Cofopri está promovendo a titulação individual e isso nos afeta.
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- Você foi uma das pessoas que confiou nas mesas de diálogo com o Executivo.
- Sim, tive esperança em um bom final mas agora duvido. Assim como vão as coisas em algum momento isto se vai quebrar porque não acredito que nossos irmãos suportem ter a seus dirigentes perseguidos. Penso que a instalação destas mesas de diálogo é mais uma mexida do governo. Só nos estão contentando por un momento para que estejamos tranquilos. Depois, como já o disseram os novos ministros, entrarão com mão dura. Isto é uma ameaça. Creio que qualquer um o entende assim.
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- O conflito interno e as denúncias judiciais poderiam ferir de morte a Aidesep?
- Não. Há uma geração de jovens líderes que demonstraram muita força durante o levantamento amazônico. Eles asseguram a fortaleza do movimento. O fato de que estejamos perseguidos não é uma derrota, pelo contrário, é um triunfo porque ganhado visibilidade no Peru e no mundo.
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- Mas as denúncias contra vocês são muito sérias.
- Eu quero que me expliquem por quê me acusam de motim. Milhares de indígenas temos realizado marchas pacíficas em todas as regiões amazônicas. Todos teríamos que estar presos. Talvez o conceito que eu tenho sobre a resistência dos povos é diferente da que entende el Estado.
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- E como a entende você?
- É o direito a reclamar quando um governo não cumpre com a lei e não satisfaz as necessidades dos povos. Nos cansamos de reclamar com papéis, memoriais, projetos. O apoio do governo jamais chegou. Fizemos seguimiento aos famosos orçamentos participativos e constatamos que tudo fica nas cidades. Nada vai para as comunidades.
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CESE A LA PERSECUSIÓN DE TERESITA ANTAZÚ Y LOS DIRIGENTES DE AIDESEP

Los organismos de Derechos Humanos, las organizaciones feministas, las organizaciones de mujeres, los organismos defensores del medio ambiente y de la preservación de la vida y el ecosistema, y las organizaciones sociales firmantes:

1º - Expresamos nuestra preocupación y rechazo ante la injustificable e ilegítima orden de detención dictada por la juez provisional del 37º juzgado penal de Lima Dra. Carmen Arauco, contra la dirigente indígena, Presidenta Cornesha de la organización de la unión de nacionalidades Ashaninkas y Yanesha, Teresita Antazú López. A ella, madre de 7 hijos que fuera la primera dirigente femenina de AIDESEP pero que ahora no desempeña cargo nacional alguno, se le imputa el delito de haber acompañado al Presidente de AIDESEP y a otros dirigentes nacionales en la conferencia de prensa del 15 de mayo pasado reclamando la derogatoria de diversos decretos legislativos lesivos a los pueblos amazónicos del Perú.

2º - Informamos al país que Teresita Antazú al igual que otros dirigentes indígenas amazónicos rindieron su manifestación ante la citación hecha por la 44º Fiscalía Provincial Penal de Lima. Teresita Antazú lo hizo el 4 de junio pasado, sin eludir la convocatoria. Una nueva denuncia, sin citación alguna, sustentó el absurdo mandato de detención, así como la apertura de instrucción por los delitos de apología agravada de sedición y motín, cuando, además, la Sra. Antazú pertenece a una organización de la selva central y no ha participado en ningún hecho de sangre.

3º - Contrastamos indignados e indignadas el trato dado a corruptos y responsables de delitos de lesa humanidad, que se encuentran en sus propios domicilios y tienen toda clase de privilegios, mientras se persigue y maltrata la dignidad de los pueblos indígenas amazónicos y de las personas que los integran. Advertimos de la ilegitimidad de una negociación que se pretende dar en condiciones de persecución de los dirigentes representativos o buscando la división de la organización nacional y las organizaciones regionales que han defendido con valentía los derechos de sus pueblos y del país.

4º - Demandamos el cese de la persecución policial, judicial y política contra los y las dirigentes de los pueblos amazónicos. Ello es condición indispensable para que puedan participar en libertad y con garantías en las Mesas de Negociación y Diálogo propuestas por el gobierno central como parte de la solución al doloroso conflicto vivido por el atropello a sus derechos y el incumplimiento de la consulta previa establecida en el Convenio 169 de la OIT y la declaración de las ONU sobre Derechos de los Pueblos Indígenas.
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Perú, 22 de julio del 2009
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Fonte da Imagem: TV Cultura Hoje, 28 de julho, é dia de "fiestas patrias" no Peru. Que o povo peruano tenha consciência da enorme dívida de sua nação para com as comunidades indígenas e saibam lhes dar o devido valor.

O Sol e a Lua entre os Kamayurá


O onça tinha duas mulheres. Um dia, a mãe do onça matou a que esperava criança. Quando o onça chegou, chamou as formigas. Elas tiraram duas crianças da onça morta e as penduraram em cestas, no teto da casa. No outro dia, o onça pediu que colocassem os filhos no chão. As formigas desceram as crianças e fizeram que o onça e a mulher ficassem num outro quarto, para que não as vissem. "As crianças ainda não andam. Por isso nós as penduramos outra vez." disseram elas.
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Dias depois, o onça e sua mulher viram marcas de pés no chão da casa. "É das crianças mas ainda nem sabemos se são homens ou mulheres."
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No outro dia, deixaram peneiras e colares no chão. As crianças não pegaram. O onça deixou então arcos e flechas. Se viessem buscá-los, ele saberia que eram homens. O onça se escondeu e as crianças desceram, levaram os arcos e as flechas. Então, o onça apareceu e disse: "Fiquem aqui no chão que é melhor."
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As crianças eram homens e o onça deu-lhes nomes: Tapé e Tapé-Akaná. Um dia, uma cigarra perguntou seus nomes. Quando eles responderam ela falou: "São muito feios. De hoje em diante vocês se chamarão Kwat (Sol) e Yaí (Lua)."
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Um dia, Kwat e Yaí foram na roça de um pássaro que disse: "Vocês chamam de mãe a mulher errada. Sua mãe de verdade morreu há muito tempo. Foi sua avó quem a matou." As crianças choraram muito e quiseram saber onde estava enterrada a mãe. Quando o pai mostrou, começaram a cavar, chorando. "Vocês não podem tirar sua mãe daí." disse ele. "Mas nós queremos que ela viva mais."
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Quando viram que a mãe não poderia voltar a viver, eles a enterraram outra vez, só que de outro jeito - em pé. E as crianças cortaram pedaços de madeira que colocaram cercando a cova (os cemitérios Kamayurás são cercados de madeira e os mortos são enterrados em pé ou sentados).
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Kwat e Yaí fizeram uma festa para a mãe morta e convidaram os peixes. Foi organizada uma grande dança. No dia seguinte aconteceram as lutas. Após as lutas, as danças continuaram e os peixes pintaram-se todos para elas, como ainda estão pintados até hoje.
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Quando terminou a festa Kwat e Yaí fizeram os Kamayurás e os caraíbas (homens brancos). Eles foram feitos com pedaços de madeira: os caraíbas de madeira branca e os Kamayurás de madeira vermelha. Os outros índios do Parque foram feitos de pedaços de cobra (é por isso que eles furam os lábios e as orelhas).
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Quando os Kamayurás começaram a comer carne, foram Kwat e Yaí que levaram a caça para eles. Um dia, um índio que não caçava nada foi atacado pelos Kamayurás, porque só comia. Eles cortaram seus pés e suas mãos e o deixaram na floresta, para morrer. Yaí apareceu, colou os pés e as mãos no índio e o salvou. Assim, surgiram as juntas nos pés e nas mãos dos homens.
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Mas os bichos eram gente e se revoltaram contra o Sol e a Lua, que os matava para os Kamayurá comerem. O Sol e a Lua, então, fizeram muitas flechas e espalharam na floresta: eles iam transformar as flechas em gente e depois desaparecer da Terra. Levariam com eles animais selvagens, para os proteger. Kwat e Yaí, espalharam as flechas pela floresta. Depois, começaram a subir, abandonando a Terra. E disseram: "Flechas, transformem-se em índios. E apareçam os bichos."
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Os animais, que eram gente, transformaram-se em bichos e hoje são caçados pelos Kamayurás, que também pescam todos os peixes. Kwat (Sol) e Yaí (Lua) subiram para o céu. E estão lá, brilhando, até hoje.
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Fonte: Resumo de texto de Anélio Barreto, in Jornal da Tarde, Xingu, 1969.

27 de julho de 2009

Poluição sonora na Amazônia

Klaus Kinski em "Fitzcarraldo" (1982)

Ficou para trás a imagem do gramofone de Fitzcarraldo, que como marca de sua loucura no filme de Werner Herzog lançava aos céus da Amazônia o som civilizado dos clássicos maestros como se assim fosse espantar tudo o que de bárbaro a paisagem inculta da selva bruta pudesse conter. A engenhoca tecnológica denotava o sentimento de superioridade de Fitzcarraldo ao impor-se aos ouvidos dos indígenas, mas é certo que a natureza decompositora da floresta igualmente a terminaria engolindo.
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A guerra ao som de "As Valquírias" de Wagner, em "Apocalypse Now" de Coppola, enquanto os helicópteros norte-americanos brandiam suas hélices sobre a selva vietnamita, representavam a ironia da erudita arte musical desapropriada pela tecnologia para servir como fundo musical para a destruição enquanto exercício de poder. Herzog retrabalharia a questão em seu documentário sobre a Guerra do Golfo, "Lições da Escuridão"(1992): o espetáculo da poluição dos poços de petróleo incendiados é mostrado ao som de melancólica música clássica fazendo ver a grande dicotomia entre os refinamentos da civilização ocidental e sua própria barbárie.
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Fundo musical apropriado para os atritos da vida urbana segundo muitos jovens, inclusive alguns mais engajados em esquemas alternativos, é a música eletrônica. A mais moderna tecnologia é utilizada para subverter sons, gerando entretenimento a partir de uma combinação de programadores: uma música maquinal, eco da experiência da vida moderna nos grandes centros urbanos, multiplicada em fortes decibéis que rompem os limites da capacidade humana. Rompe-tímpanos, a música das raves não tem nada a ver com a música dos luaus à qual sucedeu: certamente as raves reagem à hipocrisia da civilização capitalista de modo oposto ao dos luaus que buscavam o som acústico e a poesia de sertões estrelados, pois, ao passo que os luaus eram demonstrativos de uma esperança coletiva e uma consciência alternativa, o modo das raves traduz atitudes de desesperança e um consumismo exacerbado onde o sujeito chega até a consumir a si próprio.
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Dentro desse sistema de consumo amplificado e contando com a propaganda midiática da indústria de lazer, a música eletrônica aparece como modernidade ao gosto da juventude globalizada. Enquanto "som maluco", de característica rebelde, se faz palatável aos jovens dos grandes centros urbanos em especial àqueles que não tiveram acesso a uma mínima formação musical como a grande maioria. O chamado "ruído na comunicação" que décadas atrás era mencionado pelos estudiosos da linguística como dificuldade de diálogo entre gerações ou grupos culturais diferentes mas de mesmo idioma, agora é barulho mesmo, um barulho sobremodo invasivo pois os "bass boost" das mesas de som produzem ecos na caixa interna do tórax onde está o coração e por onde flui o sangue para todas as partes do corpo humano, às vezes mesmo a uma distância de quilômetros.
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Essa poluição sonora está sendo distribuída mundo afora, tanto pelas raves quanto pelas rádios que veiculam música eletrônica vinte e quatro horas por dia. As raves buscam os sertões do Brasil ou se internam em viagens de transatlântico pela costa do país para assim escaparem à vigilância policial, já que o lema "sex, drugs and rock´n roll" ainda causa bastante impacto no ideal libertário da juventude e, mesmo sem um bom rock, o sexo com drogas figura como ritual de iniciação na vida adulta para muita gente (inclusive para quem cigarros e bebida alcóolica não são drogas, já que legalizados pelo sistema, enquanto a milenar bebida ameríndia da ayahuasca ou um coquetel de Ecstasy com Viagra representam a mesma qualidade de ato transgressor). Em minúsculas cidadezinhas da Amazônia, como Assis Brasil, na tríplice fronteira com Peru e Bolívia, ou Fonte Boa, no Rio Solimões, os pobres moradores se sentem acuados quando um fanfarrão qualquer da cidade desfila seu carro pela madrugada com o possante aparato sonoro no máximo volume transmitindo a música eletrônica da rádio, e não se sentem capazes de contrapor-se a essa invasão ou mesmo de pedir uma intervenção policial a favor do repouso noturno das crianças, dos idosos ou dos trabalhadores, pois sua sensação é de medo, pânico diante dessa demonstração de violência sonora cometida impunemente e muitas vezes cotidianamente. E quem se recolheria a umas sonhadas férias em uma praia do Araguaia, por exemplo, sabendo que terá que suportar esse baticum eletrônico todas as noites a martelar seu sossego?
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No Peru, helicópteros foram proibidos de fazer linha todos os dias entre Cusco e Machu Picchu, como queriam os empresários da área, porque a poluição sonora gerada por seus motores acabariam espantando e maltratando a fauna (e flora) do Santuário Nacional de Machu Picchu. Nas aldeias indígenas, há muito tempo também se sabe que criar muitos cães espanta os animais silvestres para longe e inviabiliza a caça de subsistência. Qual o sentido de levar raves para o interior da floresta senão o de permitir ou facilitar atividades ilegais? Ora, o IBAMA não fiscaliza poluição sonora. E poluição sonora, fora dos perímetros urbanos, não costuma receber nenhum tipo de impedimento, acredito que nem no Brasil nem fora dele, a não ser em caso de áreas de proteção ecológica. É bom lembrar que poluição sonora também mata ou causa sequelas. A questão, mais do que legal, é de ética. Não houve ética na invasão colonialista de quinhentos anos atrás e não existe ética hoje entre a maioria dos descendentes dos espoliadores do continente. Como exigir ética de promotores de raves, produtores de música eletrônica ou fabricantes de equipamentos de som? Como exigir ética de consumidores desse tipo de entretenimento? Mais do que alienados, eles parecem ser alienígenas ou no mínimo pouco humanos quando desprezam a possibilidade de compreensão do ambiente ao seu redor e não diferenciam o espaço urbano (caótico, conturbado, doentio) de um espaço natural (harmônico, equilibrado, saudável) para seu próprio proveito.
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E não venham dizer que existem "raves ecológicas" só porque o pessoal acampou na Chapada dos Veadeiros para fazer seu Woodstock particular. Mesmo quem como eu curte o Sepultura mandando seu "Itsari" no álbum Roots onde heavy metal foi mixado com a música de tribos do Xingu, sabe que o som das motosserras é um cruel avassalador (fala de vassalagem, de pagar tributo aos poderosos e suas instituições) contra a natureza e querer martelar sua rebelde sonoridade no ambiente de selva não é fazer protesto e sim ensurdecer os descontentes. Os "rebeldes sem causa" só existem quando lhes é vedado o acesso à informação, e não nos consta que este seja o caso dos difusores/consumidores de música eletrônica. Rebeldes com uma causa justa deveriam estar exigindo ética das autoridades de todas as instâncias (municipal, estadual e federal) para impedir o vandalismo da poluição sonora no seio da Amazônia e de outros sertões Brasil afora.
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Os índios costumam falar baixinho. Até mesmo a seus filhos repreendem quando necessário falando assim, serenamente, sem gritos, sem violência. Não aprendem nem compreendem quando submetidos a rajadas sonoras que em seus espíritos transmitem imagens de nojo, agressão e violência. O mesmo cabe inclusive para certo tipo de pregação evangélica usual para muitos pastores que fazem exortações parecendo querer empurrar garganta abaixo o remédio para os "enfermos espirituais" de sua comunidade. "Luz para todos", promete o governo federal, sem estimar que com anterioridade deveria propiciar aos indígenas e sertanejos educação e noções de ética para o convívio coletivo de imagens e sons produzidos em massa nos grandes centros urbanos, a fim de preservar não apenas ambientes saudáveis mas também culturas tradicionais (em muitos casos também "em vias de extinção"). Nada contra a tecnologia, nada contra o livre-arbítrio, mas tudo a favor do bem-estar e da diversidade biológica e cultural, é o motivo de se protestar aqui contra a escalada da poluição sonora nos quatro cantos do país. Tragam amor, não guerra!...
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(este artigo vai dedicado à minha amiga Vera Olinda, que em 1992 na Aldeia Cana Recreio, do Alto Purus, quis me ensinar a cantar com mais doçura os cânticos que os índios me pediam...)
Eduardo Bayer Neto
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Leiam a respeito: "POLUIÇÃO SONORA COMO CRIME AMBIENTAL", por Anaxágora Alves Machado.

26 de julho de 2009

Canção de Amor

"Fair is the white star of twilight,
and the sky clearer at the day's end;
But she is fairer, and she is dearer.
She, my heart's friend!
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Far stars and fair in the skies bending,
Low stars of hearth fires and wood smoke ascending,
The meadow-lark's nested,
The night hawk is winging;
Home through the star-shine the hunter comes singing.
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Fair is the white star of twilight,
And the moon roving
To the sky's end;
But she is fairer, better worth loving,
She, my heart's friend."
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(Canção de Amor Shoshone)

O povo Shoshone habitava o lugar do hoje estado norte-americano do Wyoming. A Floresta Nacional de Shoshone foi a primeira floresta protegida a nível federal nos Estados Unidos. Originalmente parte da reserva da Área Florestal de Yellowstone, a floresta foi criada por um ato do Congresso dos Estados Unidos da América e assinada como lei pelo então presidente dos Estados Unidos, Benjamin Harrison, em 1891. Um total de quatro áreas de selva são localizadas dentro da floresta, protegendo mais da metade da área de terra dirigida ao desenvolvimento. De planícies de artemísia cobertas de densas florestas de abetos a picos de montanhas, a Floresta Nacional de Shoshone tem uma biodiversidade bastante rica, raramente combinada em qualquer área protegida.
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Fontes: First People US e Western Washington University Planetarium (neste último link se encontram o nome indígena de vários objetos celestes).

25 de julho de 2009

O clima, a fome e a devastação cultural

"O Painel Intergovernamental para a Mudança Climática diz que até 30% dos animais e plantas enfrentam um maior risco de extinção caso as temperaturas globais subam 2ºC nas próximas décadas. Mas antropólogos também temem uma onda de extinção cultural de dezenas de pequenos grupos indígenas - a perda de suas tradições, artes e línguas.

"Em alguns lugares, as pessoas terão que se deslocar para preservar sua cultura", disse Gonzalo Oviedo, um alto conselheiro de política social da União Internacional para Conservação da Natureza, em Gland, Suíça. "Mas parte dos povos que são pequenos e marginais será assimilado e desaparecerá."

Para sobreviver sem peixe, as crianças Kamayurá estão comendo formigas em seu esponjoso pão chato tradicional, feito de farinha de mandioca tropical. "Não há muitas por aqui porque as crianças as comeram", disse Kotok sobre as formigas. Às vezes os membros da tribo matam macacos por sua carne, mas, como disse o cacique, "é preciso comer 30 macacos para encher a barriga".

Vivendo nas profundezas da floresta sem transporte e pouco dinheiro, ele notou, "nós não temos como ir ao mercado para comprar arroz e feijão para complementar o que está faltando".

Tacuma, o velho e sábio pajé da tribo, disse que a única ameaça da qual se recordava que rivaliza a mudança climática foi o vírus do sarampo, que chegou às profundezas da Amazônia em 1954, matando mais de 90% dos Kamayurás.

As culturas ameaçadas pela mudança climática se espalham por todo o mundo. Elas incluem as dos moradores da floresta tropical como os Kamayurás, que enfrentam a redução da oferta de comida; comunidades remotas do Ártico, onde as únicas estradas eram os rios congelados que agora estão fluindo quase o ano todo; e os moradores de ilhas de baixa altitude, cujas terras estão ameaçadas pela elevação do nível dos mares.

Muitos povos indígenas dependem intimamente dos ciclos da natureza e tiveram que se adaptar às variações climáticas - uma estação de seca, por exemplo, ou um furacão que mata os animais. Mas em todo o mundo, a mudança é grande, rápida e implacável, seguindo em uma única direção: um clima mais quente."

Fonte: Artigo completo em "Devastação ambiental coloca tribos indígenas em perigo no Xingu", por Elisabeth Rosenthal - The New York Times

Anaya e a demanda colombiana

Os indígenas colombianos, cerca de um milhão, vivem numa situação crítica, por causa dos conflitos armados que neste ano provocaram 60 vítimas entre os índios e 75 mil deslocados por causa das violências.

A Organização Indígena da Colômbia (ONIC) chamou a atenção para a situação dos povos indígenas, durante um encontro com o relator da ONU para os povos indígenas, o índio Apache James Anaya, sucessor do mexicano Rodolfo Stavenhagen, que, em 2004, visitando a região, denunciou as violações da Constituição colombiana em matéria de direitos dos povos autóctones.

Cinco anos depois, o cenário não mudou. As recomendações de Stavenhagen não foram ouvidas e se estima que, do ano 2000 até hoje, 1.200 índios, incluindo mulheres e crianças, foram mortos nos confrontos entre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e o exército governamental, enquanto o índice de desnutrição entre as crianças nativas chega a 75%. Das 80 etnias presentes no território, 34 correm o risco de extinção e 18 sofrem por causa do completo abandono por parte do Estado.

Entre os povos mais atingidos pelos conflitos estão os Awa que vivem no sul no Estado de Nariño. Eles perderam pelo menos vinte membros nas mãos das FARC.

"Reféns do conflito, obrigados pelo governo em várias ocasiões a não permanecerem neutros diante dos grupos armados, tratados como terroristas em ocasiões de protestos, vítimas da transferência forçada e das minas anti-pessoais, seus pajés assassinados, seus filhos que morrem de fome", assim o jornal "El Espectador" descreveu os índios colombianos. (MJ)

James Anaya, relator especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos indígenas desde maio de 2008, é professor de Direito Internacional e de Direitos Humanos na Universidade de Arizona (Estados Unidos). O relator apresenta relatórios sobre a promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, realiza visitas a países, recolhe denúncias sobre a situação dos povos indígenas e leva a cabo atividades de seguimento a seus relatórios e visitas.

Em sua última visita oficial do 5 ao 9 de abril de 2009, James Anaya percorreu Chile, país que recentemente impulsionou uma reforma constitucional que contradiz seus compromissos de respeito ao direito de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, compromissos jurídicos adquiridos através da ratificação do Convênio 169 e da adoção da Declaração da ONU. A população indígena de Chile, principalmente mapuche, atinge o 6,6% do total nacional (1.060.000 pessoas se autoidentifican como indígenas) e padece em seus territórios a atividade de grandes empresas.

O relator realizou também uma visita em janeiro às comunidades Ngöbe de Panamá que estão sendo deslocadas pela construção de várias barragens para produção elétrica no rio Changuinola. Os indígenas Ngobe de Charco da Pava foram reprimidos e desalojados com violência, sem respeito a seu direito de consulta prévia e sem indenizações nem projetos de realojo.

Fonte: Rádio Vaticano

24 de julho de 2009

Acompanhando o Sol


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"Those who died in sacrifice traveled to Tlillan Tlapallan, "The Land of the Black and Red," the paradise of the warriors. Those who died in war, sacrifice, and childbirth were considered to have died warriors' deaths, whatever their occupation in life. Tlillan Tlapallan refers to the black of the night and the red of the sunrise (also symbolic colors of wisdom). There, those who died as warriors would live in luxury and be given the glory of accompanying the sun on his daily journey across the sky. After four years of this paradise, one would be reborn as a hummingbird or butterfly. This was considered the ultimate life of luxury, to flit about through the sky and sip the nectar of the sweetest flowers. "

Fonte: YouTube e The Aztec Gateway

23 de julho de 2009

Yukpas contra a incoerência de Chávez

“Nos territórios indígenas não há terras para os povoadores, mas sim para os projetos mineradores”, concluíram os dirigentes indígenas de Yukpa após reunirem-se na comunidade Shirapta con alguns vice-ministros, deputados da Assembléia Nacional venezuelana e o alcaide do lugar.
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Como sinal de protesto os povoadores indígenas tomaram a sede do município Machiques de Perijá devido a que o atual prefeito, Vidal Prieto, não cumpriu com as promessas formuladas durante sua campanha eleitoral. Posteriormente, Prieto formou parte de uma comissão de alto nível encarregada de transformar as comunidades em vitrines demostrativas das obras do governo nacional dentro da estratégia do processo de demarcação do território Yukpa coordenado pelo Ministério de Interior e Justiça.
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A este processo se denominou “Plan Integral para la Defensa, Desarrollo y Consolidación de los Municipios Fronterizos Machiques de Perijá, Rosario de Perijá y Jesús María Semprún del Estado Zulia. Comunidades Indígenas Yukpa”. Entretanto, a população nativa manifestou seu rechaço imediato ao detectar que “detrás de todos estes ingênuos projetos cívico/indígena/militar/demarcação de terra está a influência da mineração”.
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Nesse sentido, o alcaide afirmou que a construção de um prometido teleférico passa pela aprovação da exploração de uma mina de cal e a construção de uma fábrica de cimento com capitais chineses e canadenses. Para parar estes projetos mineradores de capital misto, o povo Yukpa e os ecologistas anunciaram este mês mobilizações pela defesa da serra de Perijá, pelo território, a demarcação e entrega de títulos coletivos de propriedade das 200 mil hectáreas auto demarcadas pelo povo ou nação Yukpa.

22 de julho de 2009

A Retórica Colonial e as falsas democracias

foto: Aidesep

"Como coroar com homenagens de herói um homem que está a serviço de reis e de interesses europeus contra populações indefesas? Os índios, "pasto de corvos", já não são silvícolas gentios, são trabalhadores concentrados em núcleos urbanizados, fiéis ao rei da Espanha e ao papa de Roma. Como podem as cortes fazer acordo sem ao menos ouvir os súditos? Como ter por herói o executor de lei arbitrária, que determina disparar com modernas armas de fogo contra gente pacífica? A guerra total, disseminada pelos conquistadores, não distinguia soldados de mulheres, crianças e velhos. Os corvos se fartavam de corpos de ambos os sexos e de todas as idades. Humanidade já não orna o herói fardado e mecanizado dos conquistadores. Note-se o singular, Herói (com maiúscula) contra o coletivo "povo rude". (...) O Herói de agora é a antítese dos heróis antigos, amparo dos desprotegidos, escudo da pátria e dos valores consagrados. O herói iluminista já não defende, subjuga. No trato com o "povo rude" não argumenta, não recorre aos artifícios da persuasão. A força bruta e muda segrega a palavra. Nova é a semântica de herói, dócil instrumento dos propósitos da monarquia absoluta, juiz do conveniente e do desprezível, do bem e do mal. Matanças praticadas no interesse do estado isentam-se da incriminação de más. Bom é o que favorece quem está no poder. O maquiavelismo triunfou. A retórica confirma o poder dos poderosos. Instrumento outrora da democracia, a retórica circula como arte de bajular o tirano. Povo rude? Mesmo que se esqueça a reserva contra o adjetivo rude para designar a outra cultura, como admiti-lo para qualificar homens que cantam, tocam instrumentos, pintam, esculpem, cultivam, criam, rezam e vivem em cidades? É a cor da pele que os torna rudes? "

Faço essa citação de um ensaio analítico de "Uraguai" - poema épico do brasileiro Basílio da Gama (1740-1795) - , escrito por Donaldo Schüler em 1998, para exemplificar o que jaz e subjaz às falastronias pseudo-democráticas de muitos países nascidos da expoliação colonialista na América Latina, como o Peru: a arte retórica herdada das faculdades de Direito (a primeira das quais, a Universidad de San Marcos, em Lima, criada em 1551, mereceu estudo de Darcy Ribeiro, que em outras obras retrata a mesma estrutura de contrastes) é também uma arte de mentir. Para os países que surgiram à sombra dessa instituição de cinismo e hipocrisia do falso cristianismo, cujas línguas-mães foram obliteradas pela instituição do idioma castelhano como idioma imperial, todo o pro-forma parece sensato pois obediente à rigidez da boa aparência gramatical, enquanto inculto pode ser considerado todo aquele que não conhece as regras de conduta da civilização a eles imposta.
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Mas a democracia é um anseio, uma esperança, mais do que uma realidade concreta, e ao aceitar-se esse sentido último se garante a resistência da diversidade cultural em todos os cantos do planeta: é assim que a democratização da comunicação representada pelos novos instrumentos tecnológicos de interculturalidade permite-nos avançar na quebra dos velhos paradigmas e outras formas de alienação e atraso. A notícia que nos chega agora é que, no Peru, um novo Gabinete reafirmou a imposição do neoliberalismo. Continua a perseguição a indígenas amazônicos: ordenam encerar a líder gravemente ferido e se inicia a busca de desaparecidos no Massacre de 5 de junho em Bagua.

A composição do novo Gabinete Ministerial do governo de Alan García Pérez não responde às exigências de câmbio das organizações populares. Ao contrário: seus integrantes, encabeçados pelo novo presidente do Conselho de Ministros, Javier Velásquez Quesquén, disseram claramente que sua primeira tarefa é “impor a ordem”, com o qual se espera um recrudescimento da repressão.

Desde o início de seu Governo, Alan García se alinhou fundamentalistamente com o neoliberalismo global em crise. Por isso negocia e assina tratados de livre comércio e emite pacotes legislativos para implementá-los e para criminalizar o protesto social. Cego e surdo às demandas dos povos pelo exercício de seus direitos, atribui os protestos a supostos complôs internacionais, falando inclusive de uma nova “Guerra Fria”.

As grandes jornada nacional de luta de 11 de junho, o Paro Nacional de 7, 8 e 9 de julho, e a solidariedade internacional exigiram que a saída do Gabinete Yehude Simon significasse um câmbio real da política econômica e social. Mas aconteceu tudo ao contrário, com uma composição ministerial aprista e de extrema direita, em uma aberta atitude provocadora do regime de García.

Ao fechamento e perseguição de emissoras locais e seus diretores, se une a intensificação da perseguição policial e judicial aos líderes indígenas amazônicos. Outros dois dirigentes nacionais da Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP) solicitaram asilo político a Nicarágua, cujo governo já o outorgou ao presidente dessa organização, Alberto Pizango.

Igualmente grave é o fato de que já estão surgindo evidências de desaparecimentos no Massacre de Bagua da sexta-feira 5 de junho, tantas vezes negada pelo governo, amparado em um informe da Defensoria do Povo que, como esta instituição reconheceu, não pode recolher testemunhos e provas mais que na quinta parte das comunidades nativas e o fez nos poucos dias seguintes ao Massacre. Pior ainda considerando que a polícia impediu a entrada na zona durante cinco dias, nos quais haveria incinerado os restos de indígenas assassinados, do qual já aparecem também evidências.

Frente a estes fatos, a Coordenadoria Andina de Organizações Indígenas, CAOI, convoca à comunidade internacional a manter-se alerta e expressar seu rechaço à política neoliberal do governo de Alan García e a exigir investigação de seus crimes contra os direitos humanos e os direitos coletivos dos povos indígenas.
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Fonte: Adaptado do comunicado publicado pela CAOI em Enlace Indígena . Imagem: Village Earth

21 de julho de 2009

Festival Yawanawá


Festival Wana realizado pelo Povo Yawanawa que vive às margens do rio Gregório, em Tarauacá - Acre, na Aldeia Nova Esperança - Matéria produzida pela TV Aldeia.

Fonte: YouTube

20 de julho de 2009

Resistência poética

Pintura Mapuche de Julio Muñoz Uribe / ragko.art@gmail.com
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"A resistência da poesia indígena" - Artigo de Sérgio Medeiros (UFSC):
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"Entre citações da Fenomenologia do Espírito de Hegel e “recriações” da poesia zen, Haroldo de Campos incluiu, no livro "Crisantempo" (Editora Perspectiva, 1998), suas breves traduções de textos náhuatl. Ele não conhecia o náhautl, mas teve acesso a uma transcrição fonética dos originais e, a partir desse dado e de outras informações, propôs uma amostra de poesia ameríndia em português, que situou entre a poesia concreta e a letra de “bossa nova”. Essa relação entre visualidade e canto, ou oralidade, é interessante, e poderá ser levada avante, acredito, por outros tradutores de obras indígenas neste novo século. Sem abandonar o universo da literatura mesoamericana, área de interesse do poeta paulistano em seus últimos anos de vida, mencionarei uma obra importante, "Reading the Maya Glyphs" (Thames & Hudson, 205), de Michael D. Coe e Mark Van Stone, que revela toda a visualidade dos textos maias, ensinando-nos também a decifrar os hieróglifos indígenas. Os maias desenvolveram um sistema de escrita original e tornaram-se incomparáveis nessa arte, e podemos supor que Haroldo de Campos se interessou pelos hieróglifos ameríndios tanto quanto pela escrita oriental, estudada, no século passado, por Ezra Pound e Henri Michaux, entre outros artistas.

Diante de um poema indígena, seja ele oral ou escrito, certas concepções tradicionais de literatura e poesia poderão se mostrar tímidas ou limitadas. Um épico como o "Popol Vuh" (Editora Iluminuras, 2007), por exemplo, que reivindica um direito local e funciona como “título” (documento que dá autenticidade a um benefício ou privilégio, solicitado pelo autor), põe em xeque a tradicional noção de gênero, pois é, ao mesmo tempo, mito, história, ciência, devaneio... Tampouco a distinção entre poesia e prosaísmo é válida, visto que um texto indígena, seja ele o Popol Vuh ou O Manuscrito de Huarochiri, cosmogonia andina, “resiste” a certas categorias que enquadram a produção literária num gênero único ou homogêneo. Muitos textos autóctones são um desafio à crítica literária, e a primeira dificuldade teórica consiste em esclarecer (desde que isso seja possível) onde “começa” um texto indígena. Ou seja, em que lugar, em que espaço ele nasce, para usar as palavras de Christophe Bident, quando começa a ser reconhecido pelo leitor? Sua origem estaria num certo uso da língua ou num tema? Ou no fato de ter sido traduzido e inspirado um grande escritor, como Mario de Andrade ou Guimarães Rosa, que, sabemos, reelaboraram livremente temas indígenas? Ou o texto seria antes de tudo um documento antropológico, porém não apenas isso? Como ensinou Maurice Blanchot, a resposta é a desgraça da questão. Qualquer tentativa de “domesticar” o texto indígena, encontrando para ele uma origem única, poderá escamotear suas muitas possibilidades de leitura, desperdiçando o leitor (ou ouvinte) parte da riqueza estética, filosófica e política que lhe é intrínseca.

Segundo Jean-Luc Nancy, a poesia não coincide consigo mesma, pois é por natureza mais do que poesia e também outra coisa. Diria que essa mesma “impropriedade substancial” define a literatura indígena, que nunca é simples nem menos ambígua do que as outras, e obriga os teóricos e os tradutores brasileiros a refletir cada vez mais, à medida que se dão conta de que ela existe, embora banida da história oficial da literatura brasileira, sobre os modelos mitográficos ocidentais, usados para pôr em circulação a arte verbal dos povos indígenas. Cada modelo mitográfico propõe, de uma perspectiva que lhe é própria, a melhor maneira de coletar, transcrever e traduzir um texto indígena. Entre outros especialistas de relevo nessa área, gostaria de citar, inicialmente, Munro Edmonson, que descobriu, como afirma Gordon Brotherston, a estruturação em versos do Popol Vuh original. A partir de Edmonson, podemos relacionar a espiga de milho (o homem ameríndio provém dela), ou as várias carreiras paralelas de grãos, contadas duas a duas, tanto com os dentes da boca do narrador maia quanto com os dísticos do poema que ele narra e recompõe a cada performance. Ao lado desse modelo mitográfico, ou poético, podemos citar outros, como os de Dell Hymes e Dennis Tedlock, nomes de reconhecida competência, mas ainda pouco divulgados no Brasil, o que atesta, acredito, o estágio de desenvolvimento dos estudos de “etnopoética” entre nós. A prosa, segundoTedlock, é uma invenção tipográfica e, como tal, só existe no papel. Um mito, para Dell Hymes, seria mais eficazmente traduzido para uma língua ocidental se o tradutor adotasse, como modelo, o drama em versos, dividido em atos, cenas e estrofes.

Nossos escritores também transcreveram e recriaram mitos e cantos indígenas, como o já citado Haroldo de Campos, e anteciparam-se a teóricos e críticos -- estes não absorvem tão rápido a “novidade” -- no interesse pelos relatos e poemas de povos ágrafos ou não (os maias possuíam escrita, à diferença de outros do nosso continente). Um caso exemplar é o do poeta maranhense Joaquim de Sousândrade, que, no século XIX, recorreu ao multilinguísmo, entre outros recursos igualmente inovadores, para incorporar o elemento indígena amazônico ao seu poema épico O Guesa, dividido em 13 cantos. Um desdobramento recente e inesperado desse bilinguísmo é o chamado “portunhol selvagem” de Douglas Diegues, poeta que utiliza simultaneamente o português e o espanhol, mesclando ambos de guarani e compondo, assim, textos radicalmente híbridos, como o fizera Sousândrade.
"

[Sob o título “Poética indígena desafia concepções usuais de gênero e leitura”, este artigo, numa versão ligeiramente menor, foi publicado, no dia 18 de janeiro de 2008, no caderno “Mais!”, do jornal “Folha de S. Paulo”.] Sérgio Medeiros é poeta e tradutor, tendo vertido ao português, entre outros, o poema maia Popol Vuh. Ensina literatura na UFSC. e-mail: panambi@matrix.com.br

Leiam também: "Poesia, cultura e ciência no céu indígena", de Susana Dias.

Poesia Kanindé

Arara-canindé (Ara ararauna)
“Nós somos a natureza
Sem ela não podemos viver

Quando fomos expulsos,
As matas choraram,
Os rios secaram
E os animais gritaram
Mas lutamos como heróis
E nem todos foram derrotados

E uma semente foi plantada,
Cultivada e brotada
Onde deu frutos espalhados

Uma luta ameaçada
Querem nos calar
Nossas raízes cortar

Mas todos reunidos
Com a benção do pai Tupã
Iremos ganhar
E com a mãe natureza,
Voltaremos a nos alegrar”

Autores: Juliana, Eliane e Raimundo - Povo Jenipapo-Kanindé (Ceará). Os Jenipapo-Kanindé são uma das nove etnias indígenas reconhecidas no Ceará, vivendo às margens da Lagoa da Encantada, no Aquiraz, em meio a um grande campo de dunas de cima dos quais é possível apreciar o verde da mata e o azul do mar ao fundo. É uma das tribos que perdeu a língua original mas preserva a essência de sua cosmovisão integrada com a Natureza. Sua renda básica é proveniente da agricultura familiar, da pesca na Lagoa e da produção de artesanato. Aos poucos, o turismo comunitário vai ganhando importância econômica entre os moradores, já preparados para realizar diferentes trilhas na mata e oferecer refeições aos visitantes em uma palhoça de gestão coletiva - o Cantinho do Jenipapo. Sempre que possível, os grupos são recepcionados pela Cacique Pequena, que abençoa a partida para as trilhas. Entre elas, a do Morro do Urubu merece atenção especial por proporcionar uma vista panorâmica de toda a terra indígena e do seu ambiente no entorno - mar, dunas e os diferentes usos da área. Após subir uma duna de mais de 90 metros de altitude, nada mais refrescante que banhar-se nas águas relaxantes da Lagoa da Encantada, sendo mediados pelos guias locais e inspirados nos mitos, crenças e histórias dos Jenipapo-Kanindé. Fontes: FotoWho e Povos Indígenas no Brasil.