12 de agosto de 2009

Hatun Amauta

Evo Morales recebendo o título de "Hatun Amauta" em Quito, no Equador
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Evo Morales, líder esquerdista dos plantadores de coca que se tornou o primeiro presidente indígena da história da Bolívia e da América do Sul, foi investido antes como "chefe supremo dos indígenas dos Andes", segundo um ancestral ritual indígena. Na véspera da posse como chefe de Estado, Morales participou no ritual descalço, vestido com um ponche de tecidos multicoloridos de alpaca e coroado por um "unco" de quatro pontas numa cerimônia mística num templo da cidade em ruínas de Tiwanaku, a 70 km de La Paz, centro da cultura mais longeva dos Andes sul-americanos.

Aos gritos de "Viva Evo" e de "Uka jacha uru jutasjiway" (o grande dia chegou), cerca de vinte mil indígenas camponeses saudaram a chegada do líder cocalero em Tiwanaku. Vários camponeses agitavam "whipalas", bandeiras com as cores do arco-íris que representam as etnias da Bolívia. Morales foi ao templo de Kalasasaya, onde um grupo de yatiris (xamãs) realizaram nele uma 'limpeza espiritual' antes de entregar-lhe o poder dos povos indígenas andinos resumidos num simbólico báculo, feito de sete metais e pedras preciosas.

Evo Morales nascera então há 46 anos num casario indígena de Orinoca, na esplanada do planalto andino, à beira de um lago e apesar de ter migrado para os vales do Chapare, no centro subandino e de população quechua, mantém usos culturais aymaras e andinos. Esse bastão de comando, fundido principalmente em ouro e prata - metais só ornamentais sem valor mercantil para a ancestral cultura aymara - é coroado por duas cabeças de condor (totem religioso) que representam o sistema de autoridade dos povos 'llameros' (pastores de lhamas) indígenas do oeste da Bolívia, sul do Peru e norte do Chile. Morales foi coroado com uma espécie de chapéu de lã, tipo barrete, de quatro pontas, que representam as regiões pré-colombinas do Estado pré-incaico do Tiawantinsuyo: Collasuyo, Antisuyo, Chinchasuyo e Contisuyo, que abrange a região do Copiapó (Vale das Turquesas em língua nativa, atualmente no Chile) ao sul, e até o atual território do Equador, no norte.

Investido dos poderes, Morales se instalou na esplanada do templo tiwanacota totalmente descalço, vestindo um chunco - poncho de tecidos cujos motivos datam de 800 anos, pouco antes da conquista pelos Incas dos territórios aymaras. Ao pé das 'achachilas' ou montanhas andinas que rodeiam este centro cerimonial de uma cultura cujo apogeu se estendeu por quase três milênios, o ritual, inscrito na cosmovisão andina, foi presidido pelo sábio sacerdote secundado por 24 'mallkus' (autoridades supremas) da zona. Em língua nativa e com alguns vocábulos da antiga língua puquina, já desaparecida, fonte do aymara, Morales contraiu um compromisso telúrico com a Pachamama (mãe terra) e o Tata Inti (pai sol) num ritual sobre uma 'huajta' (mesa) no principal terraço do Kalasasaya. Tiwanaku foi a cultura mais antiga da América do Sul, com 27 séculos e meio de duração de 1580 AC a 1172 de nossa era.

Em fevereiro de 2009, Evo Morales recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estatal de Humanidades de Moscou em reconhecimento por seus esforços por educar o povo boliviano. O reitor da universidade, Yefim Pivovar, destacou ainda a contribuição de Morales para preservar a cultura dos povos indígenas da Bolívia. Morales, por sua vez, afirmou que entre as grandes potências mundiais, "a Rússia, mais que os Estados Unidos, reconhece os méritos dos povos indígenas na luta pela independência de seus países". Evo Morales também recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidad Autónoma de Santo Domingo na República Dominicana, da Universidad de Panamá e da Universidad Nacional de La Plata, na Argentina. Agora no encontro da UnaSur em Quito, no Equador, foi titulado como "Hatun Amauta", pelos serviços eminentes e relevantes às nações originárias do Abya Yala e do mundo, por representar o paradigma do Abya Yala e dos povos em seu sonho de uma sociedade intercultural com equidade.
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