Corumbiara, a verdade
Leiloada durante o governo militar, a gleba Corumbiara, no sul de Rondônia, é o cenário, em 1985, de um massacre de índios isolados. Apesar dos visíveis sinais da tentativa de apagar as evidências de sua existência, filmadas pelo documentarista Vincent Carelli, e das denúncias do indigenista da FUNAI Marcelo Santos, o caso é esquecido. Dez anos depois, o encontro de dois índios desconhecidos numa fazenda oferece a primeira oportunidade a Santos e Carelli de retomar o fio desta história, que registra muitas lacunas, mas revela aos poucos os inequívocos sinais da continuidade dos crimes contra os povos indígenas, num processo de selvagem apropriação da terra na Amazônia. Neste filme, realizado ao longo de mais de 20 anos, abre-se espaço também a uma autocrítica das próprias estratégias indigenistas, além de se dar voz aos próprios índios.
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O massacre de índios na gleba Corumbiara, no sul de Rondônia, é o tema do filme Corumbiara que começa a ser exibido agora em São Paulo e Rio de Janeiro. A história de que índios isolados, ainda sem contato com os brancos, haviam sido dizimados durante a construção de uma estrada no sul de Rondônia - frente de expansão da fronteira agrícola iniciada na década de 1970 durante o governo militar - começou a circular em 1986. Avisado pelo sertanista Marcelo Santos, que trabalhava na Fundação Nacional do Índio, em Vilhena (RO), Vincent Carelli, que estava começando as atividades da Vídeo nas Aldeias, decidiu acompanhá-lo para registrar as evidências do massacre. Conseguiu filmar restos de utensílios e vestígios do que havia sido uma aldeia e logo em seguida foram expulsos pelos fazendeiros e proibidos depois de colocar os pés naquelas terras. Os relatos do massacre acabaram por cair no descrédito - considerados fantasia- e no esquecimento.Dez anos depois, o mesmo Marcelo Santos que se tornara chefe da área de isolados da Funai em Rondônia, mais uma vez foi com Carelli à região em busca de sobreviventes. Desta vez estavam acompanhados por dois jornalistas do jornal O Estado de S. Paulo. No meio da mata, depois de encontrar uma aldeia abandonada o grupo ou frente de contato como era chamado acabou se deparando com dois índios isolados. O contato provou a existência de índios naquela área. Fotografados e filmados, os índios terminaram nas primeiras páginas dos jornais e no Fantástico da TV Globo. Os fazendeiros, por sua vez, contestaram a versão dizendo que se tratava de uma montagem da Funai, e que eles não eram índios. Os dois índios então contatados faziam parte de um grupo de quatro. A língua que falavam era desconhecida. Assim, muitas conversas foram gravadas e a partir delas descobriu-se que falavam uma língua quase extinta, o Kanoê. Sabe-se que os índios Kanoê foram deportados em 1952 para Guajará Mirim (RO) e que muitos morreram de gripe e de sarampo. Os que ficaram para trás foram esses, contatados em 1995.
Os Kanoê levaram o grupo de contato pela mata em busca de outros isolados, os Akuntsu, sobreviventes de um ataque. Um deles relatou como seu povo foi atacado e morto pelos brancos. Ele escapou porque não estava na aldeia na hora. Saiba mais sobre os akuntsu.Na busca por vestígios de sobreviventes de massacres, a frente de contato ia encontrando pequenas malocas abandonadas no interior das quais sempre havia um buraco. Por isso, apelidaram seu morador, provavelmente um sobrevivente, de “índio do buraco”. A caminhada na mata prosseguiu até que o grupo se deparou com uma nova maloca e o único índio dentro dela ameaçava o grupo com uma lança por entre as palhas. Vincent conseguiu se aproximar dando a volta na maloca e fotografou seu rosto através das frestas. O contato não foi possível. A cada nova tentativa de aproximação ele se mudava, deixando para trás a sua roça. Cenas históricas como o registro desses contatos fazem parte do filme.
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A esperança de Carelli, autor do roteiro e diretor de Corumbiara, é que a divulgação do filme colabore para que se abra uma investigação sobre o caso, porque crime de genocídio não prescreve. “Persegui esta história com tanta gana porque raramente conseguimos documentar um caso tão emblemático do genocídio brasileiro. A historia se repete: no final do século XX, na linha de frente da ocupação da Amazônia, o mesmo gesto bárbaro, “digno” de bandeirantes”, afirma Vincent. “Corumbiara é um relato autobiográfico da busca para esclarecer uma chacina, apesar da lei do silêncio e da dificuldade de se comunicar com sobreviventes de povos desconhecidos. Depois de vinte anos, vem a triste constatação de que era tudo verdade, e que tudo poderia ter sido diferente. Finalizar este filme é de certa maneira superar o sentimento de derrota e impotência, jogar uma mancha sobre o nosso orgulho conquistador e deixar mais um marco na memória dos povos indígenas".
VINCENT CARELLI : OLINDA@VIDEONASALDEIAS.ORG.BR
http://www.videonasaldeias.org.br/
Leiam mais em: "A Nova Democracia - 14 Anos da Resistência Histórica em Corumbiara", e "Corumbiara: O Massacre dos Camponeses", de Helena Mesquita. Fonte: Chico Terra
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