5 de agosto de 2009

Caboclos e caboclinhos

"São algumas características essenciais do Caboclinho: a dança guerreira, o cunho religioso propiciatório de boa colheita ou caçada, a recitação de versos heróico-nativistas etc. Tradicionalmente os Caboclinhos têm feito suas apresentações no Recife, em Olinda, Nazaré da Mata, Carpina, Tracunhaém, Camaragibe, São Lourenço, Paudalho e nos estados de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. As tribos de Caboclinho se apresentam com rei (cacique), rainha (cacica), capitão, tenente, guia, contra-guia, perós ou indiozinhos, porta-estandartes, caboclinhos, caboclinhas, pajé, caboclinhos caçadores, princesas e curandeiro. A orquestra é formada pelos seguintes instrumentos: gaita ou flautim (de taquara, também chamado inúbia), caracaxás ou mineiros, tarol e surdo. (...) Sempre vestidos de tangas e cocar de penas de aves (ema, avestruz e pavão), os caboclinhos usam ainda uma variedade de adereços, tais como: pulseiras, braçadeiras em pena (caboclos), colares de contas e sementes (no pescoço), pequenas cabaças (na cintura), flechas grandes (para moças) preacas, que consistem em arcos com flechas retesadas, presas, que puxadas, produzem um estalido seco, marcando o ritmo. "
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"(...) O dicionário Aurélio, nos diz que Caboclo é o 1. Mestiço de branco com índio; cariboca, curiboca. 2. Antiga designação do indígena. 3. Caboclo de cor acobreada e cabelos lisos; caburé. 4. Sertanejo.
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Um dos maiores pesquisadores, se não o maior, de nossa cultura, folclore e suas influências, Luiz da Câmara Cascudo em seu Dicio­nário do Folclore Brasileiro, onde apa­­rece o verbete Caboco (assim mesmo sem o l de caboclo), des­cre­ve:
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O indígena, o nativo, o natural; mestiço de branco com Índia; mulato acobreado, com cabelo corrido. Mo­rais fazia provir de cobre, cor de cobre, avermelhado. Diz-se comu­mente do habitante dos sertões, caboclo do interior, terra de cabo­clos, desconfiado com caboclos. Foi vocábulo injurioso e El-Rei Dom José de Portugal, pelo alvará de 4 de abril de 1755, mandava expulsar das vilas os que chamassem os filhos das indígenas de caboclos: “Proíbo que os ditos meus vassalos casados com as índias ou seus descendentes se­jam tratados com o nome de cabouçolos, ou outro semelhante que possa ser injurioso.” Macedo Soa­res registra a sinomínia tradicional do caboclo: caburé, cabo-verde, cabra, cafuz, curiboca, cariboca, mame­luco, tapuia, matuto, restin­gueiro, caipira. Da antiga denomina­ção de caboclo aos mestiços avermelhados ainda há a imagem da cor maribondo caboclo, boi caboclo, formiga cabocla, pomba cabocla, todas com tonalidades vermelhas ou tijolo. Era até fins do séc. XVIII, o sinônimo oficial de indígena. Hoje indica o mestiço e mesmo o popular, um caboclo da terra. Discute-se ainda a origem do vocábulo, indígena ou africano. Folclore: Gustavo Barroso (Ao som da Viola, Rio de Janeiro, 1921) fixou o “Ciclo dos Caboclos” (403-419) com documentário poético e anedotal. O caboclo no folclore brasileiro é o tipo imbecil, crédulo, perdendo todas as apostas e sendo imcapaz de uma resposta feliz ou de um ato louvável. Gustavo Barroso lembra que essa literatura humilhante é toda de origem branca, destinada a justificar a subalternidade do caboclo e o tratamento humilhante que lhe davam. Os episódios vem, em boa percentagem de fontes clássicas, com a mera substituição da vitima escolhida. O caboclo é o Manuel tolo, o Juan tonto eu­ropeu, aclimatado no continente americano com o nome de João bobo, uma es­pécie de sábio de Gothan. Há muitas histórias em louvor do caboclo, sua inteli­gência, registradas no citado livro, assim como no de José Car­valho (um matuto cearense e o ca­boclo do Pará, 9-15, Belém, 1930). Namoro de caboclo é aquele em que a namorada ignora quem é seu apai­xonado. Num outro epsódio entre o caboclo, o padre e o estudante, repete-se o motivo do melhor sonho (Mt-1626, de Aarne-Thompson). Quem tiver o mais bonito sonho comerá o queijo. Pela manhã o padre descreveu a ascensão para o Céu; o estudante sonhara com o próprio paraíso. O caboclo informou que, ven­do um dentro do Céu e outro já perto, comera o queijo, porque ambos não mais precisariam. E tinha comido mesmo (Gustavo Barroso, 413-414). É a fábula XVII do Displina Cléricalis, de Padre Afonso (1062-1110), entre dois burqueses e um camponês, a caminho de Meca. Um dos divulgadores da novelística ita­liana foi Geraldo Sintio (um romano, numero 3 do Ecatommt), que a diz sucedida em Roma, no ano de 1527, com um filósofo, um astrólogo e um soldado. O tema está em quase todos os idiomas, formas e litera­tu­ras, dispensando bibliografia ilustra­dora. O caboclo aceitou, com a sujei­ção física, essa popularidade pe­jora­tiva para oficializar a inferio­ridade de seu estado (Luiz da Câma­ra Cascudo, 30 Estória Brasileiras, “O Preço do Sonho”), 30-32, Porto, 1955. Deviámos escrever Caboco, co­mo todos pronunciam no Brasil, e não Caboclo, convencional e mera­mente letrado. Caboco vem de Caá, Mato, Monte, Selva; e Boc, Retirado, Saído, Provindo, Ori­un­do do Mato, exata e fiel imagem da impressão popular, valendo o nativo, o indígena, caboco bravo, o roceiro, o matuto bruto, chabo­queiro, bronco, creduo, mas, vez por outra, astuto, finório, disfar­çado, zombeteiro. Cabôco, é a pronuncia nacional, mesmo para os letrados que escrevem “caboclo”, Caá-Boc, tirado ou procedente do ma­to, registra Mestre Thedóro Sam­paio.
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Depois de toda esta explicação de Câmara Cascudo, fica claro o que quer dizer a figura do caboclo em nos­sa cultura. Com a dizimação do índio em nosso convívio, o tempo vai dissociando sua imagem da palavra, e cada vez mais o vocábulo caboclo vai se tornando na figura de lin­guagem um homem simples.
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Os espíritos que militam na Umbanda, se dividem em falanges ou povos, sejam de caboclos ou de pretos-velhos, baianos, boiadeiros, marinheiros, crianças, ciganos, exu e pomba-gira. Vemos uma identificação desper­sonalizada de ego que caracteriza aqueles que estão acima da identi­dade individual, ou seja, as entida­des na maioria das vezes não usam seus nomes de batismo, estando aquém de qualquer identificação, transcenderam a individualidade. São muitos espíritos que usam o mesmo nome como: Pena Branca, Pena Verde, Pena Roxa, Pena Ver­melha, Pena Dourada, Flexa Branca, Folha Branca, Sete Flexas, Sete Penas, Sete Folhas, Sete Montan­has, Ventania, Rompe Mato, Uruba­tão, Ubirajara, Aimoré, Tupinambá, e outros.
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Chegamos até a encontrar num mes­mo terreiros dois ou mais cabo­clos que usam o mesmo nome, pois não é seu nome como indivíduo, e sim, um nome que identifica seu tra­balho e a força que o rege. Por exem­plo, Pena Branca é de Oxossi e Oxalá; Pena Dourada é de Oxossi e Oxum; Sete Montanhas de Xangô; Ubirajara de Oxossi e Ogum, etc.
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Caboclo é um Mistério na Umbanda, uma linha de trabalho, uma falange, um grau, o identi­ficador de entidades que trabalham nesta vibração que está ligada ao Orixá Oxossi, o Orixá das Matas. (...)".
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Fonte: Guia do Recife e Artigo de Alexandre Cumino, em Jornal de Umbanda Sagrada. Fonte da imagem dos "Caboclinhos" de Pernambuco: Mangueboy.

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