13 de abril de 2008

Lula e as nações indígenas brasileiras

Na foto, ao microfone, vemos Lula discursando no Congresso dos Povos da Floresta. Sentados, da esquerda para a direita, estão Maurício Waldman (Comitê de Apoio aos Povos da Floresta de São Paulo), Avelino Ganzer (Departamento Rural da CUT), Osmarino Amâncio (Conselho Nacional dos Seringueiros) e à direita de Lula, Marcos Terena (União das Nações Indígenas).

Em entrevista na Holanda semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rejeitou a idéia de haver nações indígenas em território nacional, referindo-se à terra indígena Raposa Serra do Sol:

- Nós queremos resolver os problemas dos índios, resolver o problema de Roraima e resolver o problema de terra, no Brasil, pacificamente. Não. Não tem nação indígena. Dentro do território nacional nós iremos demarcar as terras indígenas, iremos cuidar, mas a soberania do território é do Estado brasileiro.

A respeito, vale a pena lembrar aqui a íntegra da declaração final do III Fórum Permanente dos Povos Indígenas da Amazônia , realizado de 28 a 30 de novembro de 2007, em Porto Velho, Rondônia:

Nós lideranças, representando os diversos povos e organizações indígenas dos 9 estados da Amazônia Legal, acompanhados por lideranças de outras regiões do país e de países amazônicos, por representantes de entidades indigenistas e socioambientais, do Ministério Público Federal e de outras instituições solidárias com as nossas lutas, convocados por a nossa instância máxima de articulação, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), para participar do III Fórum Permanente dos Povos Indígenas da Amazônia, realizado em Porto Velho, Rondônia, de 28 a 30 de novembro de 2007, preocupados com o quadro de desrespeito aos nossos direitos sob o olhar omisso, a conivência e o descaso do Governo Lula, vimos de público manifestar.

O Governo Brasileiro, contrário às promessas manifestadas pelo Presidente Lula, por ocasião da instalação da Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI), em abril de 2007, no sentido de corrigir as falhas de seu primeiro mandato, visando atender as demandas dos povos indígenas, tem se voltado claramente a atender os interesses de setores econômicos e políticos poderosos que compõem a sua base de sustentação.

Dentre os feitos que caracterizam essa opção citamos:

1. A determinação do Governo Lula de implantar empreendimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como hidrelétricas (nos Rios Xingu, Madeira, Machado, entre outros), rodovias e hidrovias, sem se importar com os impactos que poderão ter sobre o meio ambiente, a diversidade sócio-cultural e a biodiversidade, preservada até hoje pelos povos indígenas, comunidades tradicionais, ribeirinhos e quilombolas. O favorecimento do grande capital, do latifúndio, da agroindústria, das empreiteiras e de outros setores econômicos e financeiros, configura-se como uma re-colonização dos nossos territórios, ameaçando gravemente a nossa integridade física e cultural, a continuidade dos nossos povos. Territórios Indígenas serão alagados, e povos voluntariamente isolados nas regiões do Rio Xingu e do Rio Madeira serão impactados pelos complexos hidrelétricos previstos pelo Governo, configurando um projeto claramente ecocida, etnocida e genocida irreversível. Os nossos territórios e as florestas conservadas em pé por nossos povos constituem hoje barreiras contra o desmatamento e a degradação ambiental, além de contribuírem significamente para conter o aquecimento global, as mudanças climáticas, que hoje ameaçam a vida da humanidade e do planeta. Dessa forma constituem um componente imprescindível de qualquer estratégia global de conservação e uso sustentável da Amazônia, mas o governo cegado por uma visão economicista ignora essa nossa vital contribuição. Em função disso repudiamos a exclusão dos nosso povos da discussão do modelo de desenvolvimento que ser quer para a Amazônia e rechazamos a intenção de nos caracterizar como empecilhos ao desenvolvimento. Os povos indígenas não são contra o desenvolvimento mas interessa saber qual tipo de desenvolvimento, isto é, se favorecerá às massas empobrecidas e excluídas, com suas diferenças e especificidades socioculturais. Por isso enfatizamos: desenvolvimento sim, mas a qualquer custo não!

2. Contrariando acordo consensuado com os representantes do Governo na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), segundo o qual o tema da mineração em terras indígenas seria discutido como parte do Estatuto dos Povos Indígenas, a sua base de sustentação no Congresso Nacional instalou uma Comissão Especial, na Câmara dos Deputados, para discutir o projeto de lei (PL) 1610/96, do senador Romero Jucá, que trata da matéria. No mesmo sentido o senador Augusto Botelo apresentou no Senado PL para discutir a mineração nas terras indígenas.

O Encaminhamento em ambas as cassas não só desrespeita a decisão de uma instância instituída por decreto presidencial, após intensa pressão do movimento indígena, mas sobretudo burla uma reivindicação pleiteada há mais de 14 anos pelos povos indígenas do país, e ratificada pelo Acampamento Terra Livre, no Abril Indígena de 2007, mobilização indígena nacional, representativa dos povos indígenas de todas as regiões do país. Frustra mais uma vez a expectativa depositada no Governo Lula, que tentou reafirmar, em 19 de abril de 2007, os compromissos de campanha não cumpridos no seu primeiro mandato e que seriam viabilizados no atual.

3. Da mesma forma, o Governo Lula publicou a Portaria 2656, de 17 de outubro, que regulamenta o atendimento à saúde indígena, envolvendo o repasse de recursos às prefeituras municipais, sem antes ter havido uma ampla consulta aos povos e organizações indígenas, nem mesmo aos membros da Comissão Nacional de Política Indigenísta. Em quanto isso, o drama da saúde indígena continúa, com o alastramento de doenças como a malária, hepatite, parasitoses, desnutrição e mortalidade infantil.

4. O Governo mobiliza com muita agilidade o judiciário e a polícia federal quando por descontentamento os nossos povos e organizações decidem ocupar prédios governamentais, mas isso não acontece quando se trata de desintrusar os nossos territórios, como a Raposa Serra do Sol, em Roraima, e Maraiwatsedé, em Mato Grosso, livrando-nos assim da usurpação, das ameaças e violências praticadas pelos invasores: madeireiros, fazendeiros, garimpeiros, traficantes, pescadores ilegais e biopiratas, entre outros.

5. Por defender o seu território, lideranças nossas são presas arbitrariamente e algumas assassinadas. Só no ano de 2007, até o mês de novembro, foram assassinados 61 parentes nossos, 38 somente no estado de Mato Grosso do Sul. No entanto, o poder público, a justiça brasileira não mostra interesse algum em apurar, julgar e condenar os responsáveis.

6. O Governo brasileiro é o primeiro a descumprir as leis que garantem aos nossos povos indígenas o tratamento diferenciado, tanto a Constituição Federal como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Convenção sobre a Eliminação e Combate a Discriminação Racial, instrumentos já incorporados à legislação nacional.

Diante destes fatos exigimos do Governo Lula coerência e vontade política para se voltar aos distintos segmentos que o elegeram, não perdendo a oportunidade de passar para história como o presidente dos pobres, dos índios, negros, sem terra e demais setores excluídos pelas elites deste país.

Reafirmamos a nossa determinação de continuar lutando, para que sejam respeitados efetivamente os nossos direitos, mediante a execução do plano de lutas definido por este III Fórum Permanente dos Povos Indígenas da Amazônia, que inclui entre outras, a reivindicação de que o Governo não tome quaisquer medidas administrativas, jurídicas e políticas que nos afete sem antes garantir o nosso direito ao consentimento livre, prévio e informado, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas.

Porto Velho-Rondônia, 30 de novembro de 2007.

Fonte: Araceli Lemos , Maurício Waldman e O Globo.

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