1 de dezembro de 2009

O Comissário Collier

Rapid City, South Dakota - em julho de 1934, o Comissário Collier reunido com os chefes Blackfoot.
© Bettmann/CORBIS

JOHN COLLIER
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"A partir de 1870, o objetivo principal dos Estados Unidos foi dispersar a comunidade de índios das pradarias, destruindo-lhes a religião. Talvez nenhuma outra perseguição religiosa foi tão implacável e conduzida com tantas variedades de expedientes."
Collier, J. "The Indians of the Americas" (1947).
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"A linha de ação buscada pela administração pública [norte-americana] foi desde o início estranhamente autocrática e etnocêntrica: visava a adaptar os povos submissos – no plano político, social, cultural, religioso – à civilização hegemônica branca. Inaugurada pelo Bureau of Indian Affairs no início do século XX, tal política sofreu uma interrupção temporária no período de 1933 a 1945 graças a um comissário excepcionalmente esclarecido, John Collier, que foi o primeiro a inspirar-se, na ação administrativa para com os índios, no princípio liberal de autogoverno. Foi promotor do chamado Indian Reorganization Act, que reconhecia as exigências de autonomia política e cultural dos grupos indígenas, detinha o processo de loteamento das reservas e também favorecia o retorno das terras à propriedade tribal. Em suma, segundo o programa de Collier, deixava-se que os índios vivessem como índios e o destrutivo processo de assimilação forçada dava lugar a um lento e natural processo de aculturação.
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A experiência de Collier durou muito pouco. Já em 1945 a política administrativa americana voltava às tendências autocráticas antes impostas, e voltava ao princípio de assimilação forçada."
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John Collier (1884-1968) era filho do prefeito de Atlanta, no estado sulista da Georgia, e estudou na Universidade de Columbia e na França. É qualificado hoje na Wikipedia como um reformador social e advogado dos nativos americanos. Em 1919, aos trinta e cinco anos de idade, aconteceu seu primeiro contato com os índios, junto à tribo dos Taos, no Novo México. Seus esforços como advogado a favor das nações indígenas norte-americanas resultou em 1927 num estudo monumental conhecido como ‘Meriam Report’, onde denunciava as políticas equivocadas de etnocídio por parte do governo federal. Em 1933 o Presidente Roosevelt, como parte de suas reformas sociais em combate à Grande Depressão, conduziu Collier ao cargo de Comissário para os assuntos indígenas, e este criou o ‘Indian Civilian Conservation Corps’, dentre outras ações em prol da autodeterminação desses povos. Com a mudança de governo em 1945, Collier seguiu ativo como diretor do Indian National Institute, vindo a falecer octagenário junto aos Taos, no Novo México.
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Ainda sobre Collier, é interessante observar o apoio que demonstrou em 1952 com relação à liberdade de culto das chamadas ‘igrejas nativas do peiote’. Em 1951, um grupo de antropólogos americanos, especialistas no estudo do Peiotismo, diante de uma campanha nacional organizada contra o uso desse cacto sagrado para diferentes culturas ameríndias, assim se manifestara na revista Science:
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‘No âmbito da atual campanha nacional contra os narcóticos, desenvolveu-se determinada ação no sentido de declarar ilegal o uso do peiote, que empregam muitas tribos indígenas. Somos antropólogos de profissão, realizamos amplos estudos sobre o Peiotismo junto a várias tribos. Participamos dos ritos e da refeição sacramental do peiote. Portanto, parece-nos obrigatório erguer o nosso protesto contra uma campanha que revela unicamente a ignorância dos propagandistas que a conduzem. Segundo eles, os peiotistas nada mais são que indivíduos tomados de mania por uma droga, de que fariam uso no curso de orgias... Ora, com base na experiência pessoal, em nossa opinião o peiote não apresenta nenhum dos efeitos próprios de narcóticos ou drogas: não produz vício, nem ataques maníacos nem toxicidade nem entorpecimento da sensibilidade nem estado de estupor (as características dos narcóticos segundo o Dicionário de Webster e o Manual de Merck). Quanto à pretensa imoralidade do seu emprego, cabe ressaltar que não se praticam orgias de qualquer espécie entre as tribos dos índios da América do Norte. Portanto, a acusação em si mesma vale tanto quanto valia, ao tempo da antiga Roma, a acusação assacada contra as primeiras comunidades de cristãos.’
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Um ano depois, na mesma revista, Collier assim se manifestou:
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‘Desejo expressar meu apreço e a minha adesão à comunicação sobre o peiote (...) publicada nesta Revista. O argumento é importante para os índios da América, para a liberdade de religião, para a etnologia. Quando, em 1922, os órgãos federais e governamentais declararam proscritos os membros da Igreja Peiotista (Native American Church), um grupo de peiotistas da tribo Tao me apresentou o seu caso. Ofereciam-se para sujeitar-se, individualmente ou em grupo, a uma experiência científica. Propunham-nos fazer uma investigação completa e experimental do Peiotismo no plano farmacológico, biológico, social, psicológico, utilizando como teste as próprias pessoas. Na reunião da Comissão para os Problemas Índios relatei esta oferta. Decidiu-se que o Conselho Nacional de Pesquisas planejaria e executaria um plano de pesquisa experimental em torno do peiote; pois bem, o dito plano nunca foi realizado. (...) Alguns anos depois, por conta da Associação para a Defesa dos Índios da América, Donald Collier recolheu e analisou toda a literatura existente sobre o peiote (cerca de 400 publicações). A conclusão que daí se tirou foi idêntica à publicada no manifesto de Science. Quando, em 1933, fui nomeado Comissário Governamental para os Negócios Índios, com base nos resultados acima, proibi absolutamente qualquer interferência do Indian Bureau nas práticas religiosas da Igreja Peiotista. Isso me valeu numerosas injúrias. (...) É nosso voto que o manifesto de Science seja observado escrupulosamente.’
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Fonte: LANTERNARI, Vittorio. "As Religiões dos Oprimidos – Um estudo dos modernos cultos messiânicos". São Paulo: Perspectiva, 1974. Col. Debates, v.95. (págs. 74-76, 111-115). Leiam também: "A Bill of Rights for the Indians": John Collier Envisions an Indian New Deal

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