21 de dezembro de 2009

O Racismo Científico do Imperialismo


Para entender o Imperialismo, precisamos compreender o que está por detrás das seguintes informações históricas:
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“Contrariamente ao que geralmente se pensa, as famosas fórmulas ‘the survival of the fittest’ (a sobrevivência do mais apto) e ‘struggle for existence’ (embate pela existência) devem-se não a Darwin, mas a Herbert Spencer. Este pormenor lembra que, em muitos aspectos, o autor de ‘A Origem das Espécies’ era apenas o porta-voz de sua geração. Mas, que tenha sido ou não uma obra coletiva, o transformismo permitia integrar a um sistema grandioso, que expunha a genealogia ascendente dos seres vivos, do infusório ao homem, a velha ideia das chamadas raças avançadas, ao mesmo tempo que a do progresso humano. No que se refere mais particularmente à ideia de um progresso ilimitado, Spencer tornava-se seu apóstolo desde meados do século. Combinando, no espírito cientificista da época, a lei da conservação da energia com a da evolução, o filósofo inglês acreditava ter demonstrado que a marcha dos homens para um futuro melhor se desenvolvia em virtude de uma lei universal, e que ‘a evolução só pode completar-se com o estabelecimento da maior perfeição e da felicidade mais completa’. De outro lado, era evidente para Spencer que esta marcha prosseguiria sob o comando da raça branca, permanecendo as outras muito atrás dela, num estádio primitivo ou infantil: da mesma forma, esperando a longínqua apoteose final da espécie Homo sapiens, mostrava-se resolutamente hostil às misturas de suas ‘variedades grandemente divergentes’. Assim, a relação entre a ideia do progresso e a da hierarquia racial, que já realçamos em tantos autores do passado, tornava-se particularmente nítida neste autor típico da era vitoriana.
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No conjunto, Darwin partilhava deste otimismo, e da mesma forma a divisão do gênero humano em ‘raças superiores’ e ‘raças inferiores’ era óbvia para ele. Esparsas em ‘A Descendência do Homem’, estas ideias, sem figurar no primeiro plano, dela formavam, por assim dizer um ‘leitmotiv’: é assim que ele julgava que a diferença de nível mental entre as diferentes raças era maior do que aquela que podia separar entre si os homens de uma mesma raça. Numa curiosa passagem, consagrada à energia dos colonizadores ingleses, aderia mesmo à ideia de um obscuro eclesiástico, o Rev. Zincke, segundo o qual a história do Ocidente parecia prosseguir com vistas a um determinado fim – que era o desenvolvimento mundial da raça anglo-saxônia. Tratando mais adiante da ‘extinção das raças humanas’ por meio da seleção natural, mostrava-se prudente, limitando-se a descrever os casos, bem conhecidos na época, dos tasmanianos e de algumas outras populações do Pacífico, sem arriscar-se a extrapolações em escala mundial.
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Desde 1862, o co-autor de sua teoria, Alfred R. Wallace, dera este passo. Na selva malaia, este naturalista refletia sobre a maneira pela qual as grandes leis na espécie tinham desenvolvido ‘a admirável inteligência destas raças germânicas’ (com isto entendia, provavelmente, as raças brancas). A experiência mostrara que estas raças já haviam eliminado um certo número de ‘populações mentalmente subdesenvolvidas’, e Wallace concluía daí que esta evolução iria prosseguir, até o desaparecimento ou a extinção progressiva de todas as raças de cor: as leis da ‘struggle of existence’ pretendiam que no fim das contas as raças germânicas absorvessem ou ‘deslocassem’ todas as outras.


Restava saber se a doçura dos costumes civilizados e os princípios éticos não corriam o risco de alterar o jogo da seleção natural. Darwin foi o primeiro a admitir que eles lhe podiam mudar o curso, preservando as vidas – e a descendência – de seres humanos que as asperezas da luta pela existência teriam votado ao desaparecimento. Mas se isto podia prejudicar as qualidades das raças civilizadas, Darwin conservava, não obstante, um otimismo prudente, invocando a melhor fecundidade dos elementos mais fortes e sadios. No entanto, antes mesmo da publicação de ‘A Descendência do Homem’, vozes haviam-se elevado para dizer que os costumes civilizados ameaçavam favorecer as linhagens ou as raças ‘piores’. Desta forma, um certo W. R. Greg, que comparava em 1868 a demografia dos irlandeses e a dos escoceses, constatava que os ‘celtas dissolutos’ se propagavam mais rapidamente do que os virtuosos ‘saxões’, e concluía que ‘a raça inferior prevalecia, não em virtude de suas qualidades, mas de seus defeitos’. Tal era, parece, o primeiro e ingênuo grito de alarma da futura ciência eugênica.
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No ano seguinte, o fundador desta ciência, Francis Galton (1822-1911), um sobrinho de Darwin, empreendia uma discussão com seu livro ‘Hereditary Genius’. Empenhava-se em mostrar aí que os caracteres mentais, e sobretudo a inteligência, eram hereditários ao mesmo título que os caracteres físicos. Comprovando a distribuição desigual dos dons e dos talentos de acordo com as famílias e as linhagens, elaborava para medi-los um sistema de coeficientes numéricos que acreditava poder estender às grandes raças humanas; é assim que, segundo ele, o nível médio da raça dos negros era inferior de ‘dois graus’ ao da raça branca, e que os da raça australiana o era de ‘três graus’. Segundo Galton, o conhecimento destes dados, combinado com medidas judiciosas tomadas de acordo devia permitir cultivar ‘uma raça de homens altamente dotada’. ‘Vou mostrar’, continuava, ‘que fatores sociais de caráter banal, de cuja influência apenas se desconfia, estão em ação para degradar, sob os nossos olhos, a raça humana, enquanto outros podem conduzir à sua melhoria’. O estudo destes fatores era um dever que cabia à sua geração para com as gerações futuras. (...)
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‘Enquanto nação, somos menos férteis em inteligência do que o éramos há cinquenta ou cem anos. As linhagens mentalmente melhores não se reproduzem mais na mesma taxa que outrora; as menos capazes e menos enérgicas são mais prolíficas... O único remédio, se é que existe, é modificar a fertilidade relativa das boas e das más linhagens de nossa comunidade’.
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Como chegar a isto? Não só a opinião pública se desinteressava por estes problemas, mas os próprios cientistas, confessava ele, pouco sabiam ainda sobre as leis da hereditariedade. ‘Quando nossos conhecimentos tiverem atingido a riqueza desejável, então, e somente então, terá chegado o momento de declarar um ‘Jihad’ ou guerra santa aos costumes e aos preconceitos que enfraqueceram as faculdades físicas e morais de nossa raça’.
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(...) Parece efetivamente que na Alemanha, considerando-se a tradição nacional que levava a confiar na sabedoria das autoridades, como também em razão do prestígio que aí gozavam paralelamente os cientistas, os presságios do movimento eugênico foram mais favoráveis. O público alemão reservara à doutrina da seleção natural uma acolhida entusiasta, a ponto de diversos partidos políticos procurarem dela se servir para justificar-se. A social-democracia dela se valia, e Engels pretendia interpretá-la dialeticamente; a que o ilustre darwiniano Haeckel, que não se preocupava com a dialética, objetava que a seleção natural não era nem socialista, nem democrata, mas aristocrata. A ‘Descendência do Homem’ mal aparecera, e o darwinismo se via invocado pela propaganda anti-semita: sob o título de ‘Darwin, a Alemanha e os Judeus’ (1876), um certo O. Beta pedia às autoridades que levassem em consideração ‘as revelações da doutrina darwiniana’, que constatassem que uma ‘luta pela existência’ estava em curso entre uma raça germano-ariana produtiva, e uma raça semita parasitária, e que, de acordo, promulgasse uma legislação antijudaica, cientificamente justificada. Um agitador mais conhecido, o Prof. Eugen Dühring, julgava que o problema judeu era insolúvel no meio da sociedade burguesa, e punha suas esperanças no regime socialista, o único regime, escrevia parafraseando Karl Marx, capaz ‘de emancipar a sociedade do judeu’. (...)
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O desenvolvimento da eugênica – que, na Alemanha, recebeu de Ploetz o nome de ‘higiene da raça’ – foi grandemente estimulada pela família Krupp, que, ‘no interesse da pátria e para promover a ciência’, lançou em 1900 um concurso sobre o tema: ‘Que nos ensinam os princípios da teoria da descendência, no que se refere à evolução política interior, e à legislação do Estado?’. Um prêmio de 50 000 marcos devia recompensar o vencedor; o júri era composto de seis cientistas eminentes, dentre os quais Ernst Haeckel; os trabalhos afluíram, atingindo o número de sessenta, os melhores dos quais foram publicados, a expensas de Krupp. O próprio júri, em seu relatório, insistia na importância das leis da hereditariedade, que refutavam ‘as velhas teorias igualitárias’, e perguntava se a civilização não corria o risco de acarretar ‘uma deterioração ou uma degenerescência das qualidades naturais dos homens’. Este documento comprovava, por outro lado, que, afora uma ou duas exceções, todos os autores punham suas esperanças numa intervenção do Estado, o que acreditava poder explicar pelo fato de que ‘nossa época reclama uma política de progresso social, e este só é possível se existir um forte poder estatal, que tem a audácia de limitar, em nome do bem comum, a liberdade individual, e que pode intervir nos mecanismos da vida econômica’. (...)
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Assim, nascida na Grã-Bretanha, a eugênica encontrara na Alemanha, e primeiramente do ponto de vista ideológico, sua pátria de eleição. (...) No começo da guerra de 1939-1945, o Prof. Otmar Von Verschuer podia finalmente anunciar a abertura da nova era eugênica, que ‘nos dá a possibilidade de influir no destino biológico de nossos filhos’. É que os eugenistas tinham conseguido enfim adesão para as suas ideias dos detentores do poder na Alemanha. ‘A história de nossa ciência está ligada da maneira mais íntima à história alemã mais recente. O chefe do etno-império alemão é o primeiro homem de Estado que fez dos dados da biologia hereditária e da eugênica um princípio diretor da conduta do Estado’.
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Enquanto os cientistas procuravam decifrar, à luz da teoria da seleção natural, o futuro do gênero humano, e discutiam sobre a maneira pela qual seria necessário preparar este futuro, muitos homens de ação invocavam o darwinismo em apoio de sua filosofia política. É verdade que ‘a sobrevivência do mais apto’ lembrava bastante esta ‘lei do mais forte’ que a sabedoria das nações conhecia há milênios, mas a teoria da seleção, tal como era compreendida geralmente, permitia reforçar os instintos agressivos ou os objetivos imperialistas pelos prestígios da verdade científica.“
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A citação aqui extraída da obra de Léon Poliakov, cuja referência bibliográfica segue abaixo, visa ilustrar a mentalidade que plasmou o moderno imperialismo capitalista, ao justificar o racismo e os genocídios cometidos desde a era mercantilista e que prosseguiram após a independência das antigas colônias sob a justificativa de abertura e consolidação de seus territórios nacionais. O que aconteceu na Tasmânia, na Namíbia, na Índia, é similar ao que foi feito nos Estados Unidos da América, no Brasil, no Peru. A submissão às regras do jogo capitalista faz muitas destas modernas nações burguesas ignorarem o que subjaz a essas regras: os mais espertos sempre ganham. E o que os ‘mais espertos’ entendem sobre si mesmos é ainda o que o darwinismo social justificou.
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O surgimento dos campos de concentração na Alemanha se deu subvencionado por notáveis instituições eugenistas norte-americanas, como a Fundação Roosevelt, através da atividade de “eutanásia” de pessoas consideradas inadequadas para a reprodução por parte de um Instituto Alemão de Hereditariedade, que foi depois encarregado pelo regime nazista a ampliar suas atividades na Polônia. Antes disso, na Suécia e Inglaterra já se haviam esterilizado milhares de pessoas igualmente consideradas deficientes ou anormais. Com a derrota de Hitler, a propaganda de guerra aliada utilizou-se das imagens tenebrosas dos campos de concentração para corroborar a vergonha da Alemanha tanto quanto para minorar o impacto das agressões atômicas em Hiroshima e Nagasaki, e assim o final da Segunda Grande Guerra trouxe ao mundo o alívio temporal de uma proposta de Paz Mundial, celebrada na criação da Organização das Nações Unidas, que também ajudou a encobrir o fenômeno anterior da proposta eugenista por parte do imperialismo britânico (e seu sucessor natural, o imperialismo norte-americano). Mascarou-se assim a eugenia, mas ela permanece ativa no pensamento das elites brancas de muitos países, e permite que genocídios e etnocídios, explícitos ou implícitos, continuem a serem cometidos sob a justificativa do ‘capitalismo selvagem’ ou do ‘materialismo histórico’.
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Ah, a Declaração dos Direitos Humanos... São belas palavras as promulgadas pela ONU, mas não têm força de lei entre seus países-membros, e convenientemente podem ser burladas, especialmente por razões econômicas. Por isso ninguém estranhe nos dias de hoje um Mahmud Ahmadinejab fazer provocações ao negar o holocausto judeu, ou um Hugo Chávez elogiar o canibal Idi Amin Dada, pois não é questão de se fazer sentido, ou de se ter bom senso - a questão do emprego das palavras na política internacional se tornou mera função do marketing político, não importa o regime, a maioria joga ou busca jogar as mesmas regras do imperialismo, ou seja: com a trapaça como virtude. Por isso quando as nações vão a uma COP15 e não se entendem nem se acertam, a culpa não é nem de deus nem do diabo, é da humanidade mesmo, que ao confiar cegamente nas hierarquias, propiciou elites que acreditam poder, com suas tecnologias, sobreviver incólumes como na Arca ilógica de “2012”, o mais recente filme-catástrofe de Hollywood. E que ironia da história seria, na verdade, se com o aquecimento global, e o buraco na camada de ozônio, os únicos sobreviventes da espécie humana fossem não os puros brancos ditos civilizados, mas alguns homens de mais cor, mais aptos a suportarem as temperaturas escaldantes... O que diria hoje Darwin a esse respeito, acho que nem Marx nem Freud explicam...
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Fonte: POLIAKOV, Léon. “O Mito Ariano – Ensaio sobre as fontes do racismo e dos nacionalismos”. Trad: Luiz João Gaio. São Paulo, Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1974. (Col. Estudos, n.34). 329 p. Páginas 282-292. Comentários do autor do blog.

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