14 de dezembro de 2009

As Revelações do Irmão José

José da Cruz, líder religioso Ticuna, Amazonas. Foto: Wolf Gauer , 1980

“No princípio da década de 70, chegou à selva peruana um pregador brasileiro chamado José Francisco da Cruz. Durante três anos percorreu mais de 500 cidades, aldeias, povoados, pregando a devoção à cruz, como meio de salvar-se do castigo iminente de Deus. Desencadeou uma mobilização religiosa, em todos os lugares que visitou. Plantou grandes cruzes de madeira nas aldeias e deixou nomeadas pessoas para coordenar o culto; logo regressou ao Brasil. Desde então muitos perderam o entusiasmo apesar de guardarem simpatia ao movimento. Entretanto um reduzido número de seguidores vieram formando uma igreja que se chama Cruzada Católica Apostólica Evangélica do Peru, a base de elementos tomados do catolicismo, do protestantismo e das religiões autóctones.
(...) Algumas regiões do Brasil são conhecidas pela grande quantidade de profetas e movimentos messiânicos que foram surgindo ao longo de sua história. José Nogueira se formou nesse ambiente. Nasceu às 11 da noite de 3 de setembro de 1913 em Cristina, no sul do estado de Minas Gerais, a milhares de quilômetros portanto, dos rios e florestas do Peru e fora da bacia amazônica. Sua mãe no sexto mês de sua gravidez, adoeceu e estava a ponto de morrer. Um de seus tios a fez prometer perante o Sagrado Coração de Jesus que, se fosse curada, o filho seria servo de Deus. O menino nasceu e foi batizado pelo Padre José Augusto Leite. (...) Cresceu, e ainda jovem levantou uma capela a que deu o nome de Sagrada Família José e Maria. Se casou e foi pai de sete filhos. Depois de alguns anos se enfermou de hanseníase e queriam interná-lo em um leprosário, mas fugiu para um lugar afastado levando uma Bíblia. Prometeu que, se fosse curado, semearia cruzes por onde passasse e trabalharia pelo bem dos que o quisessem seguir.
Segundo algumas versões, o irmão José teve importantes revelações de Deus em 1934, 1951 e 1962.
Em 1944 teve três revelações. Na primeira viu uma grande cruz iluminada. Na segunda uma cruz pequena de cor verde e amarela. Em 13 de setembro debaixo de uma árvore lhe apareceu o Sagrado Coração de Jesus em forma de um homem com um manto vermelho, lhe mostrou uma bíblia grande, viu uma cruz grande de cor marrom e na mão uma pequena da mesma cor. Jesus lhe ordenou ir a pregar para as pessoas de toda parte. Tomou o nome religioso de José Francisco da Cruz, missionário do Sagrado Coração de Jesus, apóstolo dos últimos tempos. Percorreu Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, difundindo sua mensagem de salvação. Em sua peregrinação foi expulso da Colômbia em 1969. Entrou no Peru e percorreu o Huallaga, Ucayali, Marañón e Amazonas. Se vestia de hábito franciscano e para a missa do amanhecer de branco. Pregava a palavra de Deus, curava aos doentes com orações, dava receitas de farmácia e organizava o pessoal de cada comunidade para levantar uma cruz grande feita da árvore Palo Sangre, deixando uma junta diretiva para o culto e um estatuto para reger seu comportamento. No final de novembro de 1971 chegou a Iquitos, e plantou a cruz em Morona Cocha a 3 de dezembro.
Ao regressar ao Brasil em 1972 o fundador formou um povoado, Vila Santa, que chegou a ser a sede de sua Igreja. Está localizado no rio Içá, afluente do rio Putumayo. É o centro de seu projeto para o desenvolvimento dos povoados da região quanto à produção agropecuária, a saúde e a educação. Como projeto especial estão dedicados à evangelização e desenvolvimento material dos indígenas tikuna.
Durante a vida do irmão José, no Brasil, a maioria dos diretores que incentivaram a pregação da Igreja Cruzada eram comerciantes ou patrões que estavam perdendo sua influência política e econômica devido a conflitos com a FUNAI, os comandos militares e a Igreja. Não questionava a situação de dependência dos indígenas e caboclos com relação aos patrões, mas sim os subordinava ainda mais, entregando-os aos patrões que chegavam mesmo a ser diretores, exercendo uma dupla liderança, religiosa e econômica.
O sucessor, escolhido pelo próprio irmão José antes de sua morte que aconteceu a 23 de junho de 1982, é Walter Neves, descendente de Omaguas (chamados Kambevas no Brasil) por parte de seu pai. Seu irmão é casado com uma Tikuna. Neves reorganizou a hierarquia e deu mais postos a indígenas. Vários dos ex-dirigentes se retiraram ou estão na oposição. Esta mudança também significou uma maior independência frente aos patrões e comerciantes.
Walter Neves visitou o Peru em fevereiro de 1990 para animar aos irmãos na reafirmação de suas crenças. (...) No Brasil são uns 20 mil membros, a metade tikunas e a metade brancos, e no Peru uns 4 mil. Na cidade de Iquitos têm 3 templos com cerca de 150 membros.
No começo de sua visita ao Peru, em Pucallpa, o irmão José Francisco não fez muito impacto na população, mas à medida que ia descendo pelos rios, corria a notícia de que fazia milagres e o pessoal acudia em grande número e com entusiasmo e devoção. Falava em português e muitos mal lhe entendiam, mas lhe presenteavam galinhas, mandioca e outros alimentos que costumava utilizar para alimentar a multidão. O acompanhavam intérpretes, ajudantes e cozinheiras. Apesar do fervor religioso, alguns dos ajudantes se aproveitavam da situação e vendiam parte das oferendas populares.
A opinião sobre a personalidade do irmão José varia desde os que acreditam que é um santo até os que pensam que é um alienado mental. Muitos asseguram que era um missionário ou enviado de Deus, mas as pessoas de condição mais humilde, camponeses de ascendência indígena, diziam que era Jesus Cristo que havia voltado para anunciar o fim do mundo. Ele afirmava não ser Deus, mas as pessoas acreditavam que só estava tratando de humilhar-se. Os não-crentes não notavam nenhum comportamento milagroso, mas os outros contavam e recontavam as façanhas do irmão. Segundo os testemunhos crentes, caminhava sobre o barro sem se afundar e fez o milagre da multiplicação dos frangos e da farinha para dar de comer à multidão; sua mão tinha ficado encolhida pela lepra, mas as pessoas diziam que tinha em seu corpo as feridas de Jesus Cristo.
(...) A maioria dos membros das Cruzadas são descendentes de diversos grupos indígenas da selva, que perderam sua identidade étnica específica e Cocamas, cuja língua é da família Tupi-Guarani; analfabetos ou pessoas que não passaram do terceiro ano de educação primária; agricultores, desocupados, chaucheros (peões do porto), vendedores ambulantes e do mercado, operários eventuais e domésticas pobres. Quase todos vivem marginalizados da sociedade nacional econômica, social e culturalmente.”
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Fonte: Regan, Jaime. “Hacia la Tierra sin Mal – La Religión del Pueblo en la Amazonía”. Iquitos, 1993, CETA – Centro de Estudios Teológicos de La Amazonía. 484 p. Páginas 337 a 344. Imagem: ISA - Ticunas

Um comentário:

CINE CLUB NAVEGANTES - TEM BRASIL disse...

Ótima informação, vou exibir o filme "Terceiro Milênio" e precisava desses dados.