15 de abril de 2009

O neo-caudilhismo e o samba

Na fronteira norte da Bolívia com o Brasil, tanto tenho podido assistir os noticiários televisivos de um como de outro país. Ontem, dia 14, a aprovação da nova Lei Eleitoral boliviana saiu finalmente após longo impasse por parte da oposição que se negava a atender ao texto da nova constituição nacional. No Jornal Nacional, da Tv Globo brasileira, o assunto foi tratado com ironia mencionando-se a propósito o fato de Hugo Chávez, presidente venezuelano, haver recentemente garantido condições de reeleger-se indefinidamente, e agora Evo Morales também poder se reeleger. O senso de ironia dos jornalistas da Tv Globo, entretanto, acaba revelando por suas falhas ou uma falta de informação ou verdadeira falta de interesse por parte deles quanto aos aspectos da história político-econômica da América Latina.

Inequivocamente, a tv boliviana vem exibindo agora documentários venezuelanos sobre a revolução bolivariana proposta por Chávez, alguns dos quais revelando a ação da CIA na América Latina nos tempos da Guerra Fria e sua sanha anti-comunista. O alinhamento do governo Morales com o governo venezuelano, entretanto, deve ser analisado no contexto real da necessidade de formação de um eixo anti-liberal em oposição aos reacionários lobbies neo-liberais imperantes nos países da região (ainda derivados dos acordos oligárquicos instaurados nos tempos das ditaduras militares). O Brasil com o governo Lula "simpático a Bush" esteve sempre em cima do muro, e o papel mais antipático foi ocupado interessadamente por Chávez na Venezuela, e o fato é que o fantasma da ALCA (Associação de Livre Comércio das Américas) parece hoje extinto, sobremodo com a crise econômica mundial desencadeada em 2008. Evo Morales, assim como outros governos mais à esquerda na América do Sul, necessariamente caem na referência chavista mas não devem nem podem ser considerados sob essa ótica estreita sem que se leve em conta que a Bolívia possui características próprias que faz de seus movimentos populares não uma pantomima populista e sim uma autêntica explosão de anseios reprimidos desde a fundação do país há quase duzentos anos já, assim podemos dizer.

Evo Morales não é o presidente mais popular do planeta (quando o presidente Obama fez esse tipo de elogio ao presidente Lula na reunião do G-20 obviamente cumpria com a pauta indicada por seu serviço diplomático que deve te-lo assessorado para tal reunião norteando que tipo de adulação faz gosto aos brasileiros). Nos incidentes do ano passado em Pando, uma leva de bolivianos se asilou no Acre e o que chegou aqui deles aos meus ouvidos é que Evo nem sequer é índio, pois porta seu sobrenome de "branco". Essa alegação dos descontentes exemplifica bem a ignorância e o desconhecimento por parte dos cidadãos de muitos países edificados a ferro e fogo sobre os territórios ameríndios invadidos, de que os indígenas tem pleno direito à cidadania como qualquer outra "classe" de ser humano, e pode ser considerado indígena mesmo se perdeu seu clã, aldeia, território, cultura tradicional, pois se isso se deu foi apenas porque o indígena teve de lutar por sua sobrevivência pessoal, salvar sua própria pele, e por isso aceitou perder tais elementos constituintes de sua identidade. Evo é indígena, intrinsecamente e extrinsecamente, e como primeiro presidente ameríndio, eleito pelo voto popular, na América do Sul e no mundo, cumpre a árdua tarefa de lutar pelos direitos plurinacionais de seu país, não apenas tendo a iniciativa de ratificar a Lei dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas nas Nações Unidas (e diziam que os direitos humanos eram "universais", ora vejam...) mas também de desafiar toda rede de complôs e sabotagens que sempre fizeram da Bolívia, depois do Paraguai, um dos países de maior instabilidade política da região: desde sua independência, sabem os leitores quantos presidentes já possui a República da Bolívia?!...

Portanto, é bom a Tv Globo rever seus conceitos. Neo-caudilhismo é uma coisa, Evo Morales é outra. E como dizia o General Golbery do Couto e Silva, autor da Geopolítica que desde os anos sessenta norteia os ideários da Escola Superior de Guerra, a Bolívia é o hinterland, a "area core" do continente, e merece ser respeitada: quem dominar geopoliticamente a Bolívia, já dizia Golbery, dominará geopoliticamente todo a América do Sul. Que ninguém a domine, dirão meus amigos, que a Bolívia seja dos bolivianos. Em tempos de globalização, mesmo que essa ande capengando, é bom mesmo que a Bolívia tenha suas próprias iniciativas e mostre sua cara: não é, afinal, esse "coração do continente" um quintal dos Estados Unidos ou da Inglaterra ou da Espanha, não um quintal do Chile, não um quintal da Venezuela e nem do Brasil. Pelos meios democráticos, sob as instâncias populares, a Bolívia fará em dezembro próximo eleições livres e gerais, digitalizadas e seguras, e isso está se fazendo por vontade e iniciativa da nação, a fim de assegurar às gerações posteriores um futuro melhor.

Um comentário:

Dona Sra. Urtigão disse...

ÓTIMO !
Vou por no meu sítio o link