1 de maio de 2008

A raposa e as uvas da Serra do Sol


INDIOS, ARROZEIROS, EUA E SOBERANIA

"Em carta aberta dirigida aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Indigenista de Roraima (CIR) pediu a retirada de todos os não-índios da terra indígena Raposa Serra do Sol, de 1,7 milhão de hectares, em Roraima. A entidade também acusou o general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, de racismo por afirmar que os índios colocam a soberania do país em risco, tendo sido publicada pelo jornal O Globo, 30-04-2008.
"A demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol não traz qualquer perigo à soberania nacional, pois conforme estabelece a Constituição federal, as terras indígenas são patrimônio da União e se destinam à posse permanente dos povos indígenas, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes", afirma o índio tuxaua Jacir José de Souza Macuxi, um dos signatários da carta.
Exibindo mapas da reserva, os líderes macuxis reunidos na sede do CIR criticaram o general Augusto Heleno por falar em fragilidade das Forças Armadas na região, onde a terra indígena Raposa Serra do Sol faz fronteira com a Venezuela e a Guiana.
Bem ao lado da terra indígena, o Exército mantém os pelotões de Normandia e Uiramutã. Então, como falar em fragilidade militar? — questionou Jacir de Souza Macuxi.
Comunidades dizem que os arrozeiros é que são os invasores. Falando em nome dos 18.992 indígenas que vivem nas 194 comunidades existentes dentro da reserva, os tuxauas macuxi, uapixana, taurepangue e ianomâmis deixam claro, em tom ameaçador, que o arrozeiro Paulo César Quartieiro, é considerado invasor de terra indígena e "nocivo e perigoso à nossa população, uma vez que o mesmo liderou atos terroristas em recente mobilização dentro de nossa terra".
Os tuxauas da Raposa Serra do Sol defendem que o decreto assinado pelo presidente Luiz Lula, em 15 de abril de 2005, homologando a terra indígena em Roraima seja mantido e que o STF, ao analisar as ações em tramitação, "respeite o que determina a Constituição do Brasil e não deixe dúvida que a terra Raposa Serra do Sol é de uso exclusivo dos povos indígenas".
O índio Júlio Souza Macuxi garantiu que não há qualquer possibilidade de os índios aceitarem uma revisão dos limites da terra indígena, liberando parte do território para os produtores de arroz, como prevê a proposta do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR): Essa hipótese de aceitarmos redução da terra indígena está descartada.
Historicamente, a voz mais ouvida é a dos fazendeiros que tornam a imagem do índio como dificultador do avanço econômico de Roraima A própria Igreja, do século IXX até a década de 1970, era aliada dos fazendeiros, mas depois fez uma reflexão, a partir do Vaticano II e do Encontro de Medelín e Puebla, e percebeu que os oprimidos de Roraima eram os índios. De lá para cá, então, vem uma série de missionários italianos e portugueses com uma visão mais crítica. Eles são os responsáveis pelo processo de organização indígena aqui em Roraima.
A ditadura militar deixou inúmeros resquícios na política contemporânea A sociedade ainda está cheia de vícios do regime militar. Um exemplo disso é o que acontece em Raposa Serra do Sol, onde seis arrozeiros teimam em permanecer em terras homologadas e demarcadas como terras indígenas. Mas sua resistência é feita com coquetéis molotov, ameaças de uso de carros bomba, mentiras contadas ao povo e aos próprios índios da região, queimando pontes, criando barreiras, numa série de ações extremistas. "São somente seis arrozeiros que continuam resistindo, que não querem sair de Raposa Serra do Sol (...) esses arrozeiros têm que sair de lá, porque não fazem nada para nós", contou à Revista IHU o coordenador-geral do Conselho Indigenista de Roraima, o macuxi Dionito de Souza.
O tuxaua Moacildo da Silva Santos, equivalente a um cacique, da comunidade do Barro, localizada dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, nas proximidades do distrito de Surumu, denunciou hoje à Polícia Federal atentados contra sua vida e contra a estrutura física da escola que atende os índios. A notícia é da Agência Brasil. Santos disse ter sido atingido por uma bomba caseira jogada na porta de sua casa por um motoqueiro. "A bomba me atingiu, desmaiei lá dentro e fui acordar já na nossa casa de apoio", afirmou o tuxaua, que teve ferimentos nos braços e pernas. Em entrevista à Agência Brasil, ele creditou o ataque a "pistoleiros do Paulo Quartiero, líder dos arrozeiros".
O líder indígena ressaltou que sua comunidade não trabalha com os arrozeiros, por preferir investir nas roças próprias: "Plantamos mandioca, jerimum, milho, melancia e feijão. Nós temos nossa comida e não precisamos de arrozeiro." E prometeu que se a Polícia Federal não retirar os arrozeiros da área, os índios irão para o combate: "Nós mesmos vamos fazer".
Sobre ataques que se iniciaram há alguns dias, disse que um deles teria atingido a Escola Padre José de Anchieta, onde as aulas foram interrompidas nesta semana. "A escola foi invadida, ocupada, teve portas arrombadas, conforme os depoentes, por moradores de Boa Vista liderados por Paulo César Quartiero e pelo deputado federal Márcio Junqueira [DEM-RR]. Cadeiras, armários e merenda escolar foram furtados".
Preocupante ainda é a presença militar dos EUA na região o que representa uma ameaça ao país. Segundo especialistas brasileiros, Washington estaria intentando reproduzir sua estratégia na Colômbia no resto da América do Sul, especialmente na Amazônia. "A presença militar dos EUA poderá se expandir a outros países sul-americanos para transformar a luta contra o narcotráfico numa empresa militar sul-americana, e não somente Colômbia-EUA. O plano seguramente faz parte de uma estratégia dos EUA para assegurar uma presença militar direta na região andino-amazônica e no Cone Sul, em torno do Brasil", alerta o informe.
Já em 1999, os EUA instalaram a base de Manta, no Equador, no ano seguinte assinaram o Plan Colombia e três anos depois o Plan Patriota, que permitiu aumentar a presença e a influência dos EUA no território colombiano. Em 2005, os EUA conseguiram a anistia para seus soldados no Paraguai, que durante um ano realizaram exercícios militares sem nenhum tipo de restrição. Atualmente há mais de 2000 estadounidenses – entre contratados e militares – na região.
Devemos levar em conta também que há setores militares, empresariais e políticos no Brasil que são pró-EUA e que partilham da idéia de um certo Plano Sul, iniciado em 1992, que resultou até agora na presença de 17 guarnições militares dos EUA - operacionais ou de informações - em países como Equador, Peru, Paraguai e Chile; em ilhas do Caribe, no
arquipélago das Falklands (com suporte da Grã-Bretanha) e, a partir de 2009, também na costa da África, em São Tomé e Príncipe. As localidades abrigam pessoal e centros de vigilância. O contingente, de prováveis 3 mil homens, é formado por soldados regulares e mercenários recrutados por prestadoras de serviços de segurança como a DynCorp e a Brook Inc.
O Departamento de Defesa, o Pentágono, gostaria muito de poder utilizar as bases aéreas de Boa Vista, Porto Velho e Manaus para apoiar as missões de vigilância no espaço da Amazônia. Atualmente os vôos americanos partem da base de Manta, no litoral do Equador. As instalações ficam a apenas 320 quilômetros da Colômbia. A base foi arrendada por US$ 70 milhões até 2009. O presidente socialista Rafael Correa disse, em novembro de 2007, que gostaria de negociar a saída dos militares dos EUA 'agora mesmo, antes do prazo'.
Os 400 homens e mulheres em Manta mantêm no ar de 3 a 5 jatos Boeing E-3 Sentinela, versões especializadas do modelo 707 de passageiros. Essas grandes aeronaves eletrônicas, com antenas rotativas montadas sobre a fuselagem, monitoram movimento de grupos na superfície, o tráfego de aviões utilizados por traficantes e grampeiam comunicações. A cada ano são cumpridas 1.600 missões implicando 10 mil horas no ar.
É um empreendimento complexo. Os vôos são controlados a partir de estações de radar de longo alcance montadas em Soto Cano, Honduras. Os E-3 voam protegidos por caças supersônicos F-16, do Grupo Aéreo 429, que decolam das unidades avançadas americanas montadas nas ilhas de Curaçau e Aruba, território holandês no Mar do Caribe.
Há ainda que considerar o caso da VALE que Desde que foi privatizada, em 1997, enfrenta problemas com comunidades indígenas da Amazônia, além de movimentar seus fornos para produção de ferro-gusa com carvão vegetal de 300 mil hectares de florestas derrubadas.
Assustador é a noticia de que estão em andamento vários projetos internacionais para recolher dos povos índios amostras de sangue (ou outros tecidos) e usar a informação genética. Este tipo de projeto vampiro não é um fenômeno novo. Tornou-se uma forma privilegiada de biopirataria e patenteamento de genes indígenas em muitas partes do mundo. Com as novas tecnologias disponíveis, as implicações destes projetos vão para muito além da biopirataria individual: estabelece formas de controle social - por meio da identidade genética - e de exploração comercial - por parte de empresas farmacêuticas e bioinformáticas - cada vez mais amplas e com conseqüências imprevistas para os povos índios e para a sociedade em geral.
Em escala internacional existem, entre outros, o Projeto Genográfico (da IBM e da National Geographic) e o Projeto HapMap (dos Estados Unidos e outros governos, juntamente com grandes transnacionais farmacêuticas e informáticas). No México destacam-se as atividades
coordenadas pelo Instituto Nacional de Medicina Genômica (Inmegen). Esses projetos não servem - nem servirão - em absolutamente nada para os povos indígenas, mas para os pesquisadores resultaram em publicações, créditos acadêmicos e bolsas, e às instituições a justificação para pedir a compensação de recursos públicos e, em ambos os casos, produzir informação que logo é capitalizada pela grandes empresas farmacêuticas. Em alguns casos, as amostras obtidas foram parar em "bancos genéticos" internacionais e até hoje se podem comprar pela Internet, como por exemplo no Instituto Conell dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos, há cópias de material genético de indígenas de vários povos, a partir de 85 dólares por amostra. Algumas amostras colocadas na Internet foram patenteadas por empresas ou pesquisadores.
Essas informações não são passadas pelos meios de comunicação, porque os jornais e todos os canais de TV, têm donos que fazem parte das elites que são contrários à demarcação das áreas indígenas. Eles têm interesse especialmente na mineração, gado e cultivo de agricultura
rentável mesmo que predadora dessas áreas, como soja, eucalipto, arroz. E o que os índios conseguem fazer nas suas assembléias é rebater as elites locais de que não são um empecilho para o desenvolvimento e levam a discussão até o exterior, onde se consegue mais espaço do que nacionalmente.
Por fim, há uma tendência no Supremo Tribunal Federal que dirá que a Declaração dos Povos Indígenas da ONU, não é convenção, tratado nem tem força de lei. Trata-se de manifestação política."

Fonte: Vilemar Costa (vilemarfc@gmail.com).

Leiam também entrevista com Egon Heck, do CIMI de Roraima, no Mídia Independente.

Nenhum comentário: