Ayahuasca Negra
Serpente, jaguar e condor representando os Três Pachas, ou três planos da cosmologia andina, são moldura para garrafas com ayahuasca, sendo a da direita, mais concentrada, oferecida agora em Cusco como "Ayahuasca Negra".
Mercado de San Pedro, um dos mais tradicionais da antiga capital do Império Inka, a cidade peruana de Cusco. Qualquer gringo que lá adentre em busca de imagens de rico colorido e exótico ambiente, ao parar diante das bancas dedicadas à medicina tradicional, receberá a oferta de comprar mescalina em pó, cacto San Pedro ou ayahuasca. É que a partir da última década cresceu muito a demanda do chamado "turismo místico", onde estrangeiros buscam experiências com xamãs, bruxos ou curandeiros, e agora todos os comerciantes de medicina tradicional, que antes vendiam apenas ervas da região ou da selva vizinha, como o chamado "Sangre de Grado", o Óleo de Copaíba e o cipó Unha de Gato, estão abastecidos dessas substâncias enteógenas ou alucinógenas para lucrar com o interesse dos "gringos".
Nem mesmo o cacto San Pedro, tradicionalmente conhecido como "Wachuma", era característico dessa região de Cusco. Seu uso faz parte da tradição dos xamãs do norte do país, e xamãs andinos daquela parte da Cordilheira nunca o utilizavam em suas experiências. A promoção de vivências místicas com o cacto ingerido cru ou preparado surgiu da iniciativa de alguns antropólogos cusquenhos que pesquisaram essa cultura xamânica, e muitos deles fizeram dessa atividade seu meio de vida, oferecendo serviços através de agências turísticas ou de organizações não-governamentais de cunho cultural. Já a ayahuasca, hoje reconhecida inclusive como patrimônio cultural do país (leiam aqui), tinha uso restrito a regiões de selva como Pucallpa, Tarapoto, Iquitos e Puerto Maldonado, fazendo parte da tradição xamânica de diferentes tribos, e era tratada antes como perigoso exotismo por parte de autoridades do setor cultural peruano: seu comércio hoje irrestrito se deveu claramente à notícia do boom das religiões aiauasqueiras no Brasil e a internacionalização desse seu consumo ritual. Em Puerto Maldonado, cidade localizada entre Cusco e o Estado brasileiro do Acre, ao lado do turismo de selva no Parque do Manu encontramos até mesmo grandes outdoors oferecendo a experiência da ayahuasca. Na verdade, o comércio de serviços xamânicos é corrente na cultura peruana, como a leitura da sorte em folhas de coca ou oferendas propiciatórias aos seres divinos conhecidas como "pagos" e cujo material ritual chega a ser produzido industrialmente na região andina, e com a procura por enteógenos manifestada pelos turistas não podia ser diferente: se tornou algo tão comum como experimentar um ceviche ou uma frutillada, da culinária local.
Para um verdadeiro místico, entretanto, comercializar ou adquirir um enteógeno sem qualquer consideração sobre os critérios rituais de sua preparação, demonstra não apenas ignorância espiritual como também um extremado materialismo. Não se trata de seguir uma receita simplesmente, onde 2 mais 2 serão sempre 4. A ayahuasca em especial é um filtro de cura onde toda a energia colocada na extração de seus componentes e na condução de seu preparo proporciona um resultado próprio. O termo "ayahuasca" mesmo é um genérico sob o qual se abrigam diversos tipos de preparo, cada qual resultando em diferentes resultados de consumo. No Brasil, decisões de setores do Ministério da Justiça a respeito da liberação de seu consumo ritual ainda não conseguiram vincular a cadeia produtiva, desde o preparo até o consumidor, havendo aberrações como grupos religiosos que criaram rituais de consumo próprios sem entretanto produzir sua própria ayahuasca e sim adquirindo-a de diferentes produtores, o que incentiva até a existência de um mercado negro e denota pouca ética para com o consumidor por elas instruído.
Para um verdadeiro místico, entretanto, comercializar ou adquirir um enteógeno sem qualquer consideração sobre os critérios rituais de sua preparação, demonstra não apenas ignorância espiritual como também um extremado materialismo. Não se trata de seguir uma receita simplesmente, onde 2 mais 2 serão sempre 4. A ayahuasca em especial é um filtro de cura onde toda a energia colocada na extração de seus componentes e na condução de seu preparo proporciona um resultado próprio. O termo "ayahuasca" mesmo é um genérico sob o qual se abrigam diversos tipos de preparo, cada qual resultando em diferentes resultados de consumo. No Brasil, decisões de setores do Ministério da Justiça a respeito da liberação de seu consumo ritual ainda não conseguiram vincular a cadeia produtiva, desde o preparo até o consumidor, havendo aberrações como grupos religiosos que criaram rituais de consumo próprios sem entretanto produzir sua própria ayahuasca e sim adquirindo-a de diferentes produtores, o que incentiva até a existência de um mercado negro e denota pouca ética para com o consumidor por elas instruído.
No Mercado de San Pedro, o pajé kaxinawá brasileiro Txaná Uri acompanhado pelo guia Jose Luis Antarki conheceu o comércio de Ayahuasca e Wachuma entre outros utensílios rituais comuns ao neo-xamanismo cusquenho.
No Peru, agora se oferece até a "Ayahuasca Negra", um termo chamativo para denominar a Ayahuasca concentrada em proporções que a tornam mais escura e viscosa. O comerciante que aparece nas fotos oferecia inclusive uma espécie de puxa-puxa de ayahuasca, feita com a borra de fundos de frascos da bebida, e disse cobrar até duzentos dólares de cada participante quando os interessados pediam por seus serviços como condutor da experiência alucinógena. Entretanto, uma garrafa incompleta da ayahuasca mais comum, não-concentrada, como as que aparecem na foto acima, com cerca de 300 mililitros de conteúdo, já são vendidas em Cusco ao preço de cinquenta soles, cerca de quarenta e cinco reais, e isto sem nenhuma prescrição ritual ou atenção ao consumidor.
Gostaria de remeter os leitores a uma leitura do Código de Ética em desenvolvimento pelo Council for Healing, nos Estados Unidos da América, tão interessante quanto o Código de Ética para Guias Espirituais desenhado pelo Council on Spiritual Practices, do mesmo país . Creio que ambos textos nos proporcionam interessantes diretrizes para o estabelecimento de uma Deontologia do Uso Ritual da Ayahuasca. Não concordo que o uso generalizado da ayahuasca possua sempre um sentido de busca neo-xamânica, pois muitas vezes trata-se de um envolvimento pautado por mero modismo, como o que se vê nas raves que consideram a bebida uma mera droga natural. Tal uso deturpado envergonha a consciência daqueles que respeitam a bebida como instrumento ritual de auto-conhecimento e sanação tanto física quanto psicológica e espiritual. Não se trata de uma nova face da parábola do semeador, onde algumas sementes lançadas ao vento avançam e dão fruto e outras não: trata-se sim de simples banalização de um haver esotérico, sem a devida compreensão de seus fundamentos e possibilidades, o que pode conduzir a situações de muito sofrimento por parte dos envolvidos. É bom não esquecer também que essas plantas enteógenas estão sendo extraídas de seus ambientes naturais sem nenhum sistema de manejo, o que representa a perda definitiva de bancos genéticos e graves consequencias ecológicas para sua preservação. Segundo Jose Luis Antarki, jovem guia espiritual cusquenho residente no sul do Brasil, estas são as egrégoras que vem se manifestando em sua cidade natal e que representam um estorvo para a prática isenta dos rituais autênticos da cultura dos usuários tradicionais da bebida enteógena, que são os povos indígenas da selva amazônica. Esperamos que esses fatos esclarecedores aqui relatados possam servir de alerta e incentivo àqueles interessados em defender a Cultura da Ayahuasca assim como a Medicina Tradicional dos povos Ameríndios. "Paz e Bem", já dizia São Francisco...
2 comentários:
Caro irmão, o Felicito pelo artigo. Outro dia estava em um ritual com ayahuasca, bem diferente de um "tradicional", onde falei ao final do mesmo, que o que estavamos ali fazendo, na visão de nossos irmãos nativos, era apenas mais uma usurpação da sua cultura e que não poderíamos culpar-lhes por esta visão, afinal nossa história nos condena. Mas que cabe a cada um que bebe esta sagrada medicina a responsabilidade de mudar esta história. Não para convencer nossos irmãos nativos do contrário, mas para justificar ante a própria mãe terra que ao menos um bom uso estamos fazendo desta medicina, mudando, amadurecendo, nos curando e nos tornando curadores da terra. Somos todos irmãos, nativos ou não, filho da mesma mãe e um dia, pó dela todos seremos. Que falem as vozes da terra. Que mais vozes falem por ela. Grato. Com respeito, Edimar Jesus.
Tem pouco mais de um ano que conheci a ayahuasca e já percebi desde então que seu uso vem sido deturpado por muito. Nunca pude me aventurar, pois infelizmente onde moro (Rio de Janeiro) não tenho acesso a grupos que ao meu ver façam um uso correto da bebida sagrada. Por mais que seja positivo a divulgação da cultura religiosa nativa-americana (pois isso possibilita maior conhecimento da mesma, assim como sua preservação), eu e outros que não somos índios, mas queremos conhecer essa cultura acabamos sendo mais facilmente atingidos por "chalatões". Por mais que queira aprender não consigo encontrar guias espirituais ou locais de confiança, acabamos caindo em muitas armadilhas.
Agora, sobre a venda de ayahuasca em mercados populares... O que indivíduos que buscam os benefícios da ayahuasca podem fazer se não tem como produzi-la? Eu passo por este problema constantemente, o que acaba atrasando o meu aprendizado espiritual que esta sempre estacionado, devido a falta de acesso!
Sobre o seu comentário das raves. Sei que muitos tomam a bebida como uma simples droga natural, ou ainda pior, extraem o DMT pois unicamente lhes interessa isso. Acho isso um erro. Mas se formos tomar as raves como elas DEVERIAM ser, uma espécie de rito pela vida, acho que a ayahuasca poderia (se corretamente utilizada) fazer parte deste contexto; apesar de achar a questão extremamente complicada e não aconselhável para quem não é entendido e/ou experiente com a ayahuasca.
Paz e Luz
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