7 de outubro de 2008

Vitórias Xacriabás

Grafismos coloridos da Lapa dos Desenhos, no vale do Peruaçu, região de São João das Missões - MG (Foto: Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG)

Boas notícias nos chegam de Minas:

Estivemos lá durante a campanha, em casa do eleito Hilário Correia, presidente da Associação da Aldeia Barro Preto, para que o amigo pajé Ixã Kaxinawá conhecesse o Centro de Medicina Tradicional Xacriabá, projeto do Cimi que teve u´a mão de nosso amigo Espaia (alô, alô, Brasília, mandem notícias pra nós...). Pois foi lá nas aldeias que presenciamos o esforço de Zé Nunes, liderança xacriabá agora reeleito prefeito de São João das Missões, no norte de Minas Gerais., e Ixã chamou força com seu canto hunikuin numa das reuniões (no Riacho dos Buritis).. José Nunes foi o primeiro prefeito indígena da história do Brasil ao se eleger em 2004, e todo o movimento indigenista brasileiro deveria sentir muito orgulho dele assim como sente na memória de Angelo Cretã, liderança kaingang que foi o primeiro vereador indígena do Brasil (eleito em 1976). A reeleição do prefeito xacriabá Zé Nunes pelo PT em São João das Missões foi acompanhada da eleição de seis indígenas dentre nove vereadores do município. Destes, cinco se elegeram pelo PT e formam a íntegra da bancada do partido, que é 'étnico' no município. Além da bancada petista xacriabá, o prefeito terá, em sua base de apoio, um sexto vereador, não indígena, eleito pelo PDT.

Do outro lado, a oposição terá os demais três vereadores, um dos quais uma xacriabá. São os seguintes os vereadores indígenas eleitos em São João das Missões com respectivos partidos, votos e percentuais:

TONINHO DE ALÍPIO PT 393 7,42%
ZITA PR 392 7,40%
JOÃO DE JOVINA PT 347 6,55%
DOMINGOS DE NIRA PT 306 5,78%
DÃO DE ROSALVO PT 258 4,87%
HILÁRIO CORREA PT 234 4,42%

Destes, Toninho representa a aldeia do Brejo do Mata Fome, a maior da Terra Indígena, e, 'grosso modo', as comunidades na parte centro-oriental da Terra Indígena. Domingos de Nira tem bases eleitorais na região do Sumaré (centro-sul da TI), mas reside na sede do município e é também o representante indígena com maior penetração no eleitorado não indígena. João de Jovina é também da região do Sumaré. Hilário é da aldeia do Barreiro, no centro-norte da TI, a que tem a associação indígena mais organizada e mais empreendedora. E Dão de Rosalvo é da comunidade do Morro Falhado e representa, as comunidades no Nordeste da TI. Seu pai, Rosalvo, é cunhado do falecido cacique Rosalino (assassinado em 1986), pai do prefeito Zé Nunes. A oposicionista Zita, por fim, é da comunidade xacriabá da Rancharia, no sudeste da TI e do município.

Houve outros indígenas concorrendo à vereança em São João das Missões e que não foram eleitos. Outros dois vereadores indígenas eleitos em Minas são maxacalis, respectivamente pelos municípios de Santa Helena de Minas e Bertópolis. Maria Diva, do PRB, vai já para o seu terceiro mandato em Santa Helena, onde houve um segundo candidato indígena, Joviel, por um outro partido, não eleito. Em Bertópolis, Ismail Maxakali, do PMDB, elege-se para o seu primeiro mandato, com apoio do cacique Guigui, da aldeia Vila Nova, no Pradinho. O vereador maxacali que encerra agora o seu mandato em Bertópolis - o primeiro de um índio neste município - Milton, não se recandidatou. Há cerca de um ano ele consolidou seu rompimento com o cacique hegemônico no Pradinho e no município, Guigui, e fundou uma nova aldeia, a Cachoeira, no vizinho município de Santa Helena, para onde transferiu os títulos eleitorais do seu grupo; e deve ter apoiado aí, suponho, Maria Diva ou Joviel.

Uma novidade em Minas é a não reeleição do cacique Manuel Índio (Pataxó), em Carmésia, onde iria já para um sétimo mandato, já que é vereador desde 1982. Nos últimos pleitos, Manuel, que é da aldeia Sede, vinha concorrendo, pelo mesmo partido, o PMDB, com algum outro candidato indígena, representante das aldeias de Imbiruçu e Retirinho, o qual, no entanto, não lograva êxito. Em 2006, a aldeia do Retirinho teve seu contingente reduzido com a saída do cacique Kanatio e seu grupo para a nova aldeia de Mouã Mimatxi, no município de Itapecerica. E em 2007 a própria aldeia Sede passou por um seccionamento que deu origem à nova aldeia do Alto das Posses. Nesta eleição de 2008, o concorrente indígena de Manuel é desta nova aldeia e contou com apoios importantes nas aldeias do Imbiruçu e do que restou do Retirinho. É possível que uma maior densidade eleitoral deste segundo candidato indígena tenha retirado votos a Manuel de modo a que ambos não tenham sido eleitos.

Por fim, uma outra novidade em Minas foi uma primeira candidatura de um caxixó, Gleison, pelo PPS, em Martinho Campos, que, no entanto, não se elegeu. O PPS de Martinho Campos foi fundado pelos Caxixó e é também, assim, um 'partido étnico' no município. O PT, que já tinha diretório no município, originalmente procurado pelos índios, não se interessou em filiar e absorver um seu candidato. Mesmo não tendo eleito o seu candidato à câmara, os Caxixó apoiaram o candidato vitorioso à Prefeitura, rompendo um longo ciclo de domínio de uma facção política municipal altamente hostil à causa caxixó.

Um fato interessante e importante em Minas é o destaque político dos professores indígenas, formados, desde 1999, pelo Programa de Implantação de Escolas indígenas em Minas Gerais (Piei). O prefeito reeleito Zé Nunes é professor indígena, bem como dois dos seus secretários municipais no primeiro mandato, Marcelo, do Gabinete, e Chiquinho, da Educação; dois dos vereadores na legislatura 2005-08, Geusani e Jonesvan; e um para a legislatura 2009-12, Dão de Rosalvo, todos da primeira turma do PIEI. Entre os Maxacali, o atual vereador Milton, o futuro vereador Ismail e o candidato Joviel são também professores formados naquela primeira turma; enquanto que o primeiro candidato caxixó, Gleison, é um primeiro 'político' indígena da segunda turma, formada em 2003. Todos os onze nomes aqui citados, inclusive o Prefeito Zé Nunes, são, desde 2005, alunos na primeira turma do curso superior de Formação Intercultural em Educação Indígena (Fiei), da UFMG.

Fonte: José Augusto Laranjeiras Sampaio