24 de dezembro de 2007

Faces do Etnocídio

São Miguel das Missões - Museu das Missões: sempre ao estar lá me pareceu (por esses rescolhos do grande etnocídio que apresenta) o Museu de Hiroshima ou uma coleção de imagens do imortal "Hiroshima, mon amour", de Alain Resnais.

O Museu das Missões, no Rio Grande do Sul, projetado em 1940 por Lúcio Costa, reflete a riqueza cultural da civilização que se desenvolveu na região.
Inspirado nas habitações dos índios missioneiros, com avarandado coberto com telhas de barro, contém uma rica coleção com cerca de 100 (cem) imagens de rara beleza, de tamanhos que vão de 15 cm a 2,20 m, recolhidas, na região, por João Hugo Machado, entre 1939 e 1940. Reúne a maior coleção pública de imagens sacras e fragmentos missioneiros do Mercosul.

Para se ler mais sobre sobre as Missões, uma boa pedida é o site Verdes Trigos








Aqui apresento algumas das imagens fotografadas como se contemplassem a si próprias no espelho: o recorte de seus rostos traduz impressões latentes nas marcas do tempo e do vento nas campinas missioneiras. E relembro o poeta Jayme Caetano Braun, afinal é Natal por aqui:

Jayme Caetano é daqueles que se arrepia num cemitério campeiro e reza primeiro junto a cruz sem inscrição, feita a facão, dos gaúchos sem nome. Este defunto sem nome, sem identidade, é para Jayme Caetano Braun o próprio gaúcho. Em “Missioneiros” ele define a antropologia cultural do gaúcho mais por negação do que por afirmação: “Nem luso - nem castelhano/nem bugre – negro - nem branco,/ mas centauro no flanco/ do cenário campechano;/ sem lei - sem rumo, orelhano/ e - ao mesmo tempo - monarca,/ olhar de gavião que abarca,/ tudo o que vive e caminha,/ - a lança não tem bainha,/ o coração não tem marca!”

O Payador Missioneiro sente-se, no poema “século e meio depois”, filho do gaúcho originário, homem livre, andejo, maltrapilho peleador, sem lei, sem dono, sem rei, sem rumo, campeiro do pampa sem aramados, morador do poncho tendo por teto o sobreiro.

Por isto esbraveja de alma livre, no poema “Alambrado”, contra as cercas do latifúndio que impedem a liberdade do gaúcho: “Por isso, cerca de arame,/ Eu, nunca gostei de ti,/ Pois o pago onde eu nasci/ Não precisa de tapumes/ E a prisão que tu resumes,/ Se nos traz prosperidade,/ Quase mata a liberdade/ Que é a lei dos nossos costumes.”

Em seu poema “Ode às missões e ao índio missioneiro” exalta o projeto guaranítico-jesuíta frente aos Impérios da época ressaltando o sistema alternativo que ali nascera e foi dizimado, mas que deixou como patrimônio para o Rio Grande do Sul a utopia de uma nova sociedade. Em seu belo poema “Ruína Missioneira” faz, de forma explícita esta ligação entre a fé e a vida dos povos guaranis e se sente herdeiro d’“A CRUZ de Nosso Senhor/ E a lança de TIARAJU”.

(...)Ao tratar diretamente de. Jesus Cristo, Jayme Caetano Braun evita toda a associação com o mundo teológico, e por conseqüência cristológico, do catolicismo tradicionalista gaúcho. Mantendo a linguagem poética do sul, relaciona Jesus com os gaúchos anônimos de nossa história. “Tem sido assim - dois mil anos,/ ninguém sabe - mais ou menos,/ vem conviver com os pequenos, de todos os meridianos/ e repetir aos humanos/ as preces do bem querer,/ quem sabe - até pode ser,/ que um dia seja atendido/ e o mundo velho perdido/ encontre paz pra viver”. Apresentando assim, em seu “Natal Galponeiro”, a ação de Jesus presente na história, com conseqüências bem diretas para o presente e projetos de futuro.

Jesus Cristo pregado nas poesias de Jayme Caetano Braun, ao contrário do Cristo Crioulo, não faz vistas grossas à realidade social. Ele vê a realidade e age sobre ela. “Ele sabe da apertura/ em que vive o pobrerio,/ a fome - a miséria - o frio,/ por que passa a criatura,/ mas que - inda restam - ternura,/ amizade e esperança/ e que pode - a cada andança,/ mesmo nos ranchos sem pão,/ aliviar o coração/ num sorriso de criança!”

Jayme vai “juntando ao Índio Sepé,/ o Nazareno da Cruz”, porém não os deixa no passado, atualiza os seus martírios, “é Natal - nasce o MESSIAS,/ salve o Menino Jesus!/Mas os que fogem da luz,/ o matam - todos os dias.” E em seguida, contrapondo o Natal do mercado de nossos tempos com as crueldades que grande maioria vive, andando como morta pela vida, chama a atenção das instituições e dos que detêm o poder para que não esqueçam de Jesus, a quem deseja boa viagem em sua fuga para manter a vida e se livrar da morte. Num outro poema, “Paraíso Perdido”, aponta ainda como motivo da morte de Jesus o amor ao dinheiro, tal como o conhecemos na moeda internacional dominante, contraposto aos sentimentos mais humanos e nobres: “E mandou Nosso Senhor,/ o Menino de Belém,/ o que em cada Natal vem,/ trazer carinho e amor, mas o homem - pecador,/ ao qual o dólar seduz,/ não quis compreender a luz,/ da fé e da fraternidade,/ Jesus falava de verdade/ e o pregaram numa cruz!”

Fonte: Diocese de Caxias do Sul - RS





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