O Kenê Shipibo-Konibo
A BELEZApor Luisa Belaunde, antropóloga amazônica"Segundo o pensamento shipibo-konibo, a beleza se nota a flor da pele. Alguém, ou algo, é belo quando tem kenê, ou seja, quando traz o corpo coberto de desenhos, uma filigrana de grafismos geométricos na qual traços curvos e retos se unem para formar redes de luz que envolvem a pele com uma nova pele feita de circuitos de energia colorida. A arte de traçar kenê pertence tradicionalmente às mulheres, quem, segundo a cosmologia aprenderam a fazer desenhos copiando-os do corpo de uma mulher Inka, proveniente do eterno mundo de fogo do sol que atravessou o rio que separa os imortais dos mortais. Ela trazia sobre a pele os desenhos da jibóia, a poderosa senhora cósmica dos rios e do arco-íris, o caminho que une a água ao sol. Segundo o pensamento shipibo-konibo, todos os desenhos de tudo o que existe se originam nas manchas da pele da jibóia primordial; e por esta razão, para poder ver e fazer desenhos é necessário consumir as plantas que manifestam o poder da jibóia, especialmente, piripiri e ayahuasca. Desde meninas as mulheres são tratadas com piripiri, uma planta Cyparacea que é utilizada para agudizar a visão e fazer ver desenhos na mente, para depois plasmá-los com precisão sobre a pele, os tecidos, as cerâmicas e a madeira. As mulheres pintam, usando hastes de madeira e tintas naturais. Também bordam, tecem e fazem adornos de miçangas. Todos nós as temos visto em alguma feira de artesanato do país vendendo seus produtos, mas poucos de nós imaginamos a complexidade de seu pensamento artístico e a destreza necessária para produzir desenhos. As mulheres não necessitam de esboços. Diretamente fazem visível sobre um suporte material os desenhos que vêem em suas mentes, e desta maneira embelezam o entorno humano transformando-o à imagem do mundo dos Inkas. Sem as mulheres para fazer kenê, os homens não teriam nenhum adorno material e nosso mundo não luziria parecido ao dos deuses. Mas os homens também vêem desenhos em suas mentes, ainda que tradicionalmente não cultivem a habilidade de materializá-los. As visões de kenê lhes permitem exercer o xamanismo, que costuma ser uma especialidade masculina. Durante as sessões de toma de ayahuasca, os participantes conseguem perceber às redes de filigrana de luz colorida que afloram de todo o existente, indicando o estado de sua saúde, tanto física como emocional e espiritual. Por meio do canto, o xamã se comunica com a energia da jibóia primordial e os outros espíritos donos das plantas, e sua voz vai traçando desenhos imateriais que envolvem ao enfermo com a energia das plantas e o curam. Cantar é traçar desenhos imateriais de cura, claros e perfumados. No kenê se unem a estética e a medicina, o material e o imaterial, o feminino e o masculino. As habilidades de ver e fazer kenê repousam sobre a mimetização do ser humano com a energia das plantas que, por sua vez, manifestam os poderes generativos da jibóia primordial. Todas as formas visuais, olfativas, sonoras e tácteis dos desenhos shipibo-konibo são uma celebração da beleza da jibóia que os Inka eternos luzem com todo esplendor no céu". Tambor Shipibo comercializado pela "Central Interregional Artisans of Peru" (CIAP) Fontes: Barin Bababo (Wordpress e Flickr). No Brasil, o Povo Hunikuin (conhecido também como "Kaxinawá" ou "Cashinahua"), que também pertence ao grupo linguístico Pano assim como os Shipibo-Konibo, encontra-se em processo de tombar o seu Kenê (etnografismo) como patrimônio cultural junto ao Ministério da Cultura, o que lhe permitirá valorizar e dinamizar o comércio de seu importante artesanato têxtil. |
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