28 de junho de 2007

Televisão de índio

O Cacique Raoni

Daniel Munduruku, entrevistado por Marcus Tavares em A influência da TV no universo indígena (maio de 2007) analisou de que forma a mídia impacta a realidade dos índios brasileiros. Segundo ele, a televisão está presente em muitas comunidades, trazendo novos padrões de comportamento e influenciando os modos de ser e de viver. Autor de mais de 20 livros que abordam a temática indígena, Daniel Munduruku é o diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), ONG voltada para a proteção dos conhecimentos tradicionais das aldeias.

De que forma a mídia pode contribuir para a promoção da cultura do povo indígena?
Daniel Munduruku - Penso que a mídia, tal como se apresenta nos dias de hoje, pode contribuir muitona criação de uma consciência social de respeito à diversidade, sem homogeneizar as diferentes tradições, sem tratar os povos como se fossem únicos e iguais. Somos cerca de 230 povos indígenas que falam mais de 180 línguas. Essa riqueza e diversidade precisam ser mostradas na sua originalidade. Do contrário, a mídia continuará tratando os índios de uma forma, talvez, desonesta, sem dar aos povos o verdadeiro papel que eles têm. Reduzir a cultura indígena a uma só cultura é uma redução perigosa que compromete nosso passado, presente e futuro. Acho que todo tipo de mídia tem um dever cívico de promover as diversas culturas. Os povos indígenas têm muito a ensinar, mas estão sendo esquecidos e mal compreendidos nos lugares onde vivem.

De que forma a mídia vem influenciando a cultura e o cotidiano dos índios?
Daniel Munduruku - A influencia da TV é tão forte na aldeia quanto na casa de qualquer outro cidadão. Nas tribos, os padrões de comportamento veiculados pela TV afetam, muitas vezes, o modelo de ser dos índios, principalmente dos jovens que acabam questionando suas tradições e identidades. A mídia traz desejos e anseios que, na prática, não fazem parte do nosso cotidiano. Ela traz também o barulho da cidade. Quem vive da tradição oral, quem tem na tradição oral sua base, a base de sua vida e cultura, convive muito com o silêncio. A TV traz, portanto, uma outra linguagem, mais rápida e ágil, cheia de luzes, vozes e falas. Isso cria um outro barulho que, aos poucos, repercute no silêncio das aldeias, enfraquecendo as tradições.

De que forma as crianças e os jovens assimilam estas informações?
Daniel Munduruku - As crianças e os jovens indígenas têm muita dificuldade de entender este mundo. Muitos jovens se perguntam: devemos ficar na aldeia ou devemos viver na cidade? Os padrões de comportamento que chegam até eles, via televisão, rádio e internet, geram conflitos internos, questionamentos e incertezas. Por sua vez, as crianças não querem mais sentar em torno da fogueira para ouvir nossas histórias. Elas preferem o brilho, a fogueira da televisão. Elegeram a TV como a nova contadora de histórias. Isto faz com que os velhos percam o papel de narradores da tradição indígena, jogando por terra toda a identidade que vem sendo constituída ao longo de, pelo menos, 10 mil anos.

Neste sentido, o que está sendo feito para interromper este processo?
Daniel Munduruku – Acredito que seja necessário preparar os índios para trabalhar com a linguagem da mídia. Isto já vem sendo feito. Jovens indígenas estão trabalhando como operadores da mídia. Atualmente, existem rádios e emissoras de TV indígenas, como a do Parque Nacional do Xingu. Há também um trabalho muito interessante sendo realizado por uma ONG (Vídeo nas Aldeias) que capacita nossos povos no uso dos equipamentos midiáticos. São tecnologias que não conhecemos, mas que precisamos dominar. É preciso tomar posse dessa tecnologia, produzindo coisas que sejam interessantes para a nossa cultura, a partir do nosso ponto de vista. Os jovens produtores estão tentando criar uma linguagem própria da nossa gente para que toda a sociedade tenha uma visão real sobre quem somos. Por meio da mídia, podemos promover um encontro de culturas. A narrativa indígena é importantíssima para a sociedade brasileira, assim como a narrativa da sociedade brasileira, da qual também fazemos parte, é importante para os povos indígenas se enxergarem dentro do contexto nacional. Os indígenas querem interagir, mas querem que a sociedade diga que eles são bem-vindos. As duas narrativas são ricas e belas. Todos têm a ganhar.

Segundo Bianca Paiva, da Agência Brasil, em 26 de julho de 2005 estreou a TV Indígena, no canal 21, da Mais TV - acessada por assinatura. O programa, produzido por índios, resulta de uma parceria da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, da Fundação Raoni e da ONG União Planetária. Segundo o antropólogo e consultor da Fundação Raoni, José Borges, conhecido como Cabelo de Milho, o objetivo do programa é tornar as culturas indígenas cada vez mais públicas para a sociedade. "Esse é um pensamento do cacique Raoni Mentuktire. Ele acredita que o índio deve ocupar essa geografia virtual imensa em que a humanidade entrou. Mas não no sentido político, da imprensa ou da educação pedagógica, mas no sentido de mostrar à sociedade o quanto, dentro dela, existe a presença da cultura indígena. Essa é uma coisa que só pode ser feita por eles mesmos", afirma.
Raoni na Área Indígena com uma amiga coruja

Não perca o texto "A Atração dos Txucarramães", de Edson Cruz, na revista Cronópios. Conheça também um relato sobre o encontro do ativista francês Jean-Pierre Dutilleux e Raoni na Europa. O site de Raoni é: http://www.raoni.com

O performático Luna

"It is my feeling that artwork in the mediums of performance and installation offers an opportunity like no other for Indian people to express themselves in traditional art forms of ceremony, dance, oral traditions and contemporary thought, without compromise. Within these (nontraditional) spaces, one can use a variety of media such as found/made objects, sounds, video and slides so that there is no limit to how and what is expressed." (James Luna, "Allow Me to Introduce Myself," Canadian Theatre Review, Outono de 1991).

James Luna é um indígena Luiseno nascido em 1950, e vive na Reserva Indígena La Jolla. Além de ser artista, trabalha como conselheiro acadêmio integral da Palomar College perto de sua casa no North County, San Diego, Califórnia. Luna acredita que a instalação/arte performática -- que emprega uma variedade de mídia como objetos, áudio, vídeo e slides – oferece "uma oportunidade como nenhuma ao povo indígena para expressar-se sem comprometer as formas de arte tradicionais de cerimônia, dança, tradições orais e pensamento contemporâneo". Suas instalações foram descritas como espaços de galerias transformadas em campos de batalha onde a platéia se confronta com a natureza da identidade cultural, as tensões geradas pelo isolamento cultural e os perigos de equívoco cultural a partir de uma perspectiva Indígena. Ao utilizar objetos feitos e achados, Luna cria meios ambientais que funcionam como declarações estéticas e políticas.

Como um residente de uma "Rez" ("reservation", reserva indígena nos EUA), retira da sua experiência pessoal e interroga as emoções em torno da maneira pela qual as pessoas são percebidas dentro de suas culturas. Em suas instalações/performances, Luna remete à mitologia do que significa ser "indígena" na sociedade norte-americana contemporânea e expõe a hipocrisia da sociedade dominante que trivializa o povo indígena como esteriótipos românticos. A instalação/arte performática de Luna é provocadora, freqüentemenre lidando com temas difíceis que afetam as comunidades indígenas incluíndo problemas sócio-econômicos, vícios e conflito cultural. Ele confronta estes temas de frente, usando humor e sátira como contrabalanço e remédio para tirar o que ele descreve como "o primeiro passo para a recuperação". Ao pedir a participação da platéia, ele desafia os espectadores à examinarem seus próprios preconceitos. Como um crítico escreveu, "a recompensa valiosa das performances investigativas de Luna é aprender mais sobre nossas próprias percepções culturais, aprender onde os limites estão, onde o mal-estar começa. Sua voz e suas imagens carregam o dom de um bom artista que traz o aumento de nossa consciência e percepção do que significa ser humano".

Fonte: Hemispheric Institute, Instituto Hemisférico de Performance e Política. Visite também: http://www.jamesluna.com/

27 de junho de 2007

Jogos Interculturais

Jogando futebol com a cabeça: o Jikunahati

Começam hoje os Jogos Interculturais Índigenas do Mato Grosso, em Campo Novo dos Parecis, com a presença da tocha olímpica dos Jogos Pan-Americanos a serem realizados no Rio de Janeiro no próximo mês. Além da cerimônia terena do Fogo Ancestral, que aconteceu ao se acender a pira olímpica, a nação indígena Assurini, de Tucuruí - Pará, foi especialmente convidada para apresentar o Hino Nacional Brasileiro em idioma Tupi-Guarani.

Segundo a Redação 24HorasNews, participarão cerca de 400 atletas indígenas, de 10 etnias. São elas: Bakairi, Enawenê-Nawê, Manoki, Nhambikwara, Paresi Haliti, Rikibaktsa, Umutina e Xavante. Como convidados especiais estarão presente ainda os Assurini-PA e Terena-MS, que farão apresentações especiais nas cerimônias culturais. Ao todo, serão onze modalidades esportivas: Arco e Flecha, Natação, Lutas Corporais, Canoagem, Arremesso de Lanças, Cabo de Força, Corrida de Tora, Corridas - Velocidade (100mts), 4x 100m, Resistência (5.000 metros), Futebol de Campo e as tradicionais Jikunahati, uma espécie de futebol em que o chute só pode ser dado usando a cabeça, e Tihimore, um jogo tradicional praticado pela etnia Pareci do estado de MT, que se assemelha ao boliche.

No dia 27, além da abertura oficial do evento, acontece também o tradicional ritual do fogo indígena às margens do Rio Sacre, na Aldeia Quatro Cachoeiras, terra indígena Utiariti, do povo Wenakalati Zalakakua Wamolu. A cerimônia, marcada para às 9h48, marca a rota da tocha dos XV Jogos Pan-americanos Rio 2007, que passará ao todo por 28 capitais e 22 localidades brasileiras, totalizando 51 pontos de passagem. Será um momento único, histórico e marcante sob o aspecto desportivo e cultural para as populações indígenas do Brasil.

Não deixe de visitar o site Jogos Indígenas do Brasil. Fonte das imagens: BBC Brasil

Questões de Direito

Na Revista Audácia: "As Nações Unidas dedicaram um ano internacional aos povos indígenas, seguido de uma década. Mas não chegou. Até 2015 assinala-se a Segunda Década Internacional. Chegará? Quantos anos, quantas décadas internacionais serão precisas para o mundo se dar conta dos problemas dos povos feitos estranhos nas suas próprias terras?"

Quantos são os povos indígenas? Não há consenso. Estima-se que sejam entre 350 e 500 milhões de pessoas, repartidos por 70 países. Representam mais de 5000 línguas e culturas. Mas muitos continuam ameaçados, ou mesmo à beira da extinção.

No Brasil, por exemplo, há ainda 15 povos indígenas a viver em isolamento voluntário na Amazónia. Além destes, a Fundação Nacional do Índio tem indícios da presença de outros 28 povos ainda não contactados. Não se sabe quantas pessoas são. Sabe-se que estas tribos fazem parte da lista dos povos ameaçados.

Até há pouco tempo, o próprio conceito de indígena não estava definido. Atualmente, e segundo o relator especial das Nações Unidas J. Martínez Cobo, «são comunidades, povos e nações indígenas os que, tendo uma continuidade histórica com as sociedades anteriores à invasão e colonização que se desenvolveram nos territórios, consideram-se diferentes de outros setores das sociedades que agora prevalecem nesses territórios ou em partes deles». Cobo define-os também como «setores não dominantes da sociedade e têm a determinação de preservar, desenvolver e transmitir às futuras gerações os seus territórios ancestrais e a sua identidade étnica como base de sua existência continuada como povo, de acordo com os seus próprios padrões culturais, as suas instituições sociais e os seus sistemas legais».

Mas o panorama não é animador. Um pouco por toda a parte, as populações indígenas são discriminadas e despojadas das suas terras, vêem as suas línguas e costumes relegados para segundo plano ou explorados. Também vêem ignorados os seus métodos sustentáveis de exploração dos recursos naturais.

Segunda Década

A relação especial que os povos indígenas têm com a sua terra e o seu meio ainda não foi reconhecida até à data por nenhum instrumento de direitos humanos das Nações Unidas.

As primeiras normas para promover os direitos dos grupos indígenas são da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e entraram em vigor em 1991. Declaram que nenhum Estado nem grupo social tem o direito de negar a identidade a que tem direito uma população indígena e impõem aos Estados a obrigação de velar, com a participação desses povos, pelos seus direitos e integridade.

Dois anos depois, celebrou-se o Ano Internacional das Populações Indígenas. E em 1995 começou a primeira Década Internacional das Populações Indígenas. Foi um marco na luta destes povos para conseguir o reconhecimento dos seus direitos e a igualdade de condições nas terras dos seus antepassados. Em 2004, as Nações Unidas lançaram a Segunda Década. Desta vez para lembrar «que o diálogo, por si só, não é suficiente». E que é fundamental «privilegiar a ação para proteger os direitos das populações indígenas - como governo próprio e autonomia nos seus assuntos, como religião e modos de ensino -, e melhorar a sua situação no que se refere a poder possuir, controlar e utilizar as suas terras, as suas línguas, o seu modo de vida e as suas culturas».

Com este objetivo, criou-se um Fórum Permanente das Nações Unidas sobre as Questões Indígenas, que trabalha um projeto de declaração dos direitos destes povos.

Problemas e avanços

Quase todas as comunidades indígenas enfrentam problemas. No Peru, Equador e Bolívia os índios acusam a petrolífera brasileira Petrobrás de poluir o meio ambiente e arruinar o seu modo de vida. Na Colômbia, o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados afirma que o conflito armado entre o Governo e a guerrilha provocou em 2005 a deslocação forçada de 19 mil índios nasa e quechuas.

Em Botswana, muitos bosquímanos foram presos, agredidos e torturados. Proibiram-lhes a caça e a recoleção e todos os líderes da First People of the Kalahari, uma ONG local, estão presos desde Setembro de 2005, acusados de entrada ilegal na reserva.

Mas há países onde se registam melhorias, com a adoção de novas leis ou a eleição de índios para altos cargos. Um exemplo vem da Bolívia, onde Evo Morales, um índio aymara, foi recentemente eleito presidente da República.

No Canadá, o Governo decidiu compensar os índios com ajudas econômicas para fazer face à pobreza e aos problemas de saúde que ocorrem nas reservas indígenas. Além disso, as autoridades decidiram atribuir 1,7 mil milhões de dólares de indenização às centenas de indígenas que foram abusados física e sexualmente enquanto alunos internos de colégios governamentais. As nações indígenas do Canadá, conhecidas como as Primeiras Nações, representam atualmente menos de dois por cento da população. E no Brasil, apesar do conflito latente entre índios e fazendeiros e madeireiros, a população indígena aumentou 150 por cento na década de 90. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os índios passaram de 294 mil, em 1991, para 734 mil, em 2000.

De acordo com Diego Cevallos, em "A década perdida... outra em perigo", crescentes atritos entre as etnias originárias, os governos e as empresas multinacionais aconteceram na Segunda Década Internacional das Populações Indígenas do Mundo, que por decisão da Organização das Nações Unidas acontece desde 2005. Nesse cenário, parte dos 840 povos autóctones existentes na América poderiam inclusive desaparecer, alertam especialistas. “Aos indígenas de hoje cabe viver a época do capital mais imperial e desatado da história, com Estados fracos e a serviço de interesses transnacionais”, disse à IPS o mexicano José del Val, chefe do Programa Universitário México nação Multicultural (PUMC) e ex-diretor do Instituto Indigenista Interamericano. Del Val é um dos responsáveis pelo estudo “Avaliação da Década Internacional dos Povos Indígenas do Mundo”, apresentado na sede da ONU em Nova York. O documento foi preparado pelo PMUC, que faz parte da Universidade Autônoma do México, em coordenação com líderes de comunidades da região e a Fundação Rigoberta Menchú, que leva o nome da indígena guatemalteca ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 1992.

“Se os Estados não reconhecerem os direitos territoriais dos indígenas e a exploração de recursos em suas áreas de assentamento avançar com rapidez, teremos nos próximos 10 anos conflitos importantes e muitos povos à beira do precipício podem desaparecer culturalmente”, alertou o chefe do PMUC. O informe, apresentado na ONU durante a sexta Sessão do Fórum Permanente para as Questões Indígenas, é um amplo documento do ocorrido na Primeira Década Internacional das Populações Indígenas do Mundo, instaurado pelas Nações Unidas para o período entre 1994 e 2004, e inclui diversas reflexões sobre a atualidade e o futuro. [...] Segundo a ONU, “A meta da nova Década é fortalecer a cooperação internacional para a solução dos problemas enfrentados pelos povos indígenas em esferas como direitos humanos, meio ambiente, desenvolvimento, educação e saúde”. Mas o que se apresenta não parecem ser soluções, e, sim, problemas, estimou Del Val. No documento apresentado na ONU há 80 páginas dedicadas aos diversos conflitos que os indígenas vivem hoje na América, desde explorações de petróleo em seus territórios até ações de resistência contra planos de instalação de represas. “O que deveria acontecer na década é reconhecer que os recursos que estão nos territórios indígenas pertencem a eles. Portanto, se o Estado e as multinacionais querem negociar, têm de se converter em sócios dos indígenas, mas isso não acontece em nenhum lado”, afirmou Del Val. “Se fizermos um mapa da região onde estão localizados os povos indígenas e sobrepormos outro mapa dos últimos recursos naturais não explorados do planeta, ambos coincidirão plenamente. Esta é a realidade e a tragédia”, acrescentou. [...] Os autores dizem ter identificado 840 povos indígenas na América, contra os 414 registrados e publicados em 1983 pelo Fundo das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Instituto Indigenista Interamericano. Movimentos de indígenas foram protagonistas na última década da derrubada do presidente equatoriano Jamil Mahuad, em janeiro de 2000, e do boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada, em outubro de 2003. Além disso, desde o início de 2006 ocupa a presidência da Bolívia o aymara Evo Morales. Os indígenas latino-americanos também promoveram nos últimos anos novas rotas nos processos políticos e deixaram marcas no parlamento, em ministérios e prefeituras. Mas a maioria dos indígenas continuou vivendo em situação de pobreza e outros, localizados na América do Sul, que mesmo não desejando manter contato com a “civilização” foram confrontados pelo ocidente. Avançam sobre estes últimos grupos – os “não-contatados” – e seus territórios diversos projetos produtivos, o que inevitavelmente desembocará em seu desaparecimento, advertem diversos estudos. Trata-se, entre outros, dos korubo, no Brasil; tagaeri, no Equador; ayoreo, no Paraguai, mashco-piros, ashaninkas e yaminahuas no Peru, que em conjunto não somam mais do que cinco mil pessoas. A retórica governamental e as leis garantem sua existência, mas a realidade é outra, disse Del Val. “Há uma espécie de esquizofrenia crescente no tema indígena”, afirmou. Na “área jurídica em níveis nacional e internacional há garantias de justiça e direitos para os indígenas, mas na realidade acontece o contrário”, afirmou.

Leia também: O Direito Internacional dos Direitos Humanos no Brasil e os Índios , de Samia Roges Jordy Barbieri; e, site da COICA, Agenda Indígena Amazônica.

The Lakota Way

PLEASE READ! IMPORTANT! First off, I want to thank everyone who's watched my videos and supported me with kind and encouraging comments. It really means a lot, and it gives me hope that this new series of videos will be very popular. Second, I have to say that I am in NO WAY an authority on Lakota culture. The information I'm presenting is essentially my translation of Luther Standing Bear's own words. If anything I present here strays from his words, known facts, or is speculation I will point it out. I realize that some of what I present may contradict popular knowledge. If that's the case, then it is because Luther Standing Bear's viewpoints differ from the mainstream. If in my interpretation of his work I incorrectly portray the Lakota, then I apologize ahead of time and urge anyone with proper information (or differing viewpoints) to post a comment and point out what they believe needs correction. The comment pages for these videos should be a forum where we can exchange ideas and learn more. As I was reading LAND OF THE SPOTTED EAGLE, I realized that this book is a miracle and a treasure. I did not realize that such a vivid picture of Lakota life existed in print. It affected me so much that I'm compelled to share it with as many people as possible. It is my firm belief that the Lakota people epitomize the best that human nature has to offer when we put our minds to fairness, kindness, equality and the acceptance of the mystery of being alive. If this video grabs your interest, then do yourself a favor and get a hold of this book. I hope you enjoy the video and yearn for more. I get a great deal of satisfaction building these videos up from my simple desire to help people see the world in a new way.

Para se conhecer sobre a Cultura Lakota, clique aqui. Fonte deste e outros vídeos no YouTube: Zacuan

26 de junho de 2007

Em busca do Tabaco

Artefato chamado "ídolo do tabaco". Madeira de Guayacán. De quase um metro de altura e escavado interiormente até a altura do umbigo, se supõe tenha sido ou urna funerária ou pote de rapés alucinógenos. Museu Antropológico Montané, Universidad de la Habana, Cuba. Fotomontagem realizada por Marlene García).

(Trechos de uma narrativa feita em Shuimïwei, comunidade Yanomami)

Graças a Kuripowë, conhecemos o tabaco...

— Estou ansioso, ansioso. Sinto uma necessidade que me deixa insensível a qualquer outra sensação — afirmava a voz que se aproximava.

— Estou ansioso, sinto uma ansiedade tão forte — seguia Kuripowë sem se interromper.

— Não é minha intenção encher-lhes o saco, só me queixo por sentir-me ansioso. Estou sentindo uma necessidade de algo, só por isso espalho esta queixa por toda parte.

— Vá transar com as mulheres, fazer-lhes crianças. Elas foram pra lá.

— Por que se queixa? Está de luto? Acham-se reunidos por causa de uma morte?

— Não. Queixo-me porque algo me falta, queixo-me porque sinto uma falta muito profunda.

— Quem é você?

— Sou eu, e estou me lamentando. Sou eu.

— Está de luto para se lamentar desse modo?

— Não. Estou me lamentando sem razão.

— As mulheres estão por aí, transe com elas, faça-lhes crianças.

— Não, estou falando sem razão. Estou atormentado por uma necessidade — acrescentou.

Finalmente, chegou até aquele que realmente tinha saber. Também ele achava-se em cima de uma árvore.

— Qual é a razão para estar se lamentando?

— Não há uma razão precisa. Falta-me algo. Sinto uma terrível falta e carrego meu lamento. Quebre um galho, cunhado, acrescentou, quebre um galho e deixe-o cair. Estou com fome.

Comeu o invólucro das sementes [do fruto pahi]. Ninguém lhe prestava atenção.

— Cunhado, deixo-lhe as sementes aqui.

Urinou em cima, e depois acrescentou:

Estão aqui, cunhado. Cozinhe-as e retire-as da água ainda quentes, e ponha na boca ainda quentes.

— Sim! Mas o que estava dizendo quando chegou?

— Estava me lamentando que algo me fazia falta.

— Veja aí, está perto de você, tem uma faca de pedra no chão, sobre o cabo tem uma masca de tabaco.

Queria provavelmente propagar o tabaco; em todos os lugares onde cuspiu o suco da masca, cresceu um pé de tabaco. A planta se elevou imediatamente e começou a florescer, os beija-flores chegaram para sugar. Foram estas as marcas que Kuripowë deixou em seu trajeto; foi graças a ele que o tabaco se propagou.

Ayë! ayë! ayê! — foram as exclamações do herói em narração registrada na comunidade Karohi. “Foi Nosiriwë — diz essa versão — quem propagou o tabaco por toda parte. Foi Cuchicuchi quem o descobriu”.

Esta é uma tradução de AmaZone de “En busca del tabaco (II)”, In Yanomami. Los pueblos indios en sus mitos Nº 4, pp. 68-70, de Jacques Lizot, Luis Coco & Juan Finkers (Abya-Yala, 1993). O mito pertence ao conjunto compilado por Lizot. Ler também: "O Uso Tradicional do Tabaco, a Erva do Diabo" , de minha autoria, que publiquei na última edição da Revista "A Arca da União".

25 de junho de 2007

O diferencial

"Pu'iito, como as pessoas e os animais receberam o seu ânus"
(Narrado por Mayuluaípu, índio taulipangue)

Antigamente, os animais e as pessoas não tinham ânus para defecar. Acho que defecavam pela boca. Pu'iito, o ânus, andava por aí, devagar e cautelosamente, peidando no rosto dos animais e das pessoas, e depois fugia. Então os animais disseram: "Vamos agarrar Pu'iito, para dividi-lo entre nós!" Muitos se juntaram e disseram: "Vamos fingir que estamos dormindo! Quando ele vier, vamos pegá-lo!" Assim fizeram. Pu'iito veio e peidou na cara de um deles. Então correram atrás de Pu'iito, mas não conseguiram pegá-lo e ficaram para trás. Os papagaios Kuliwaí e Kaliká chegaram próximos de Pu'iito. Correram muito. Finalmente o pegaram e o amarraram. Então vieram os outros, que tinham ficado para trás: a anta, o veado, a cutia, o mutum, o jacu, o cujubim, o pombo... Começaram a reparti-lo. A anta pediu logo um pedaço para ela. Os papagaios cortaram um grande pedaço e o jogaram para os outros animais. A anta imediatamente o pegou. Por isso ela tem um ânus tão grande. O papagaio cortou para si um pedaço pequeno, como lhe era adequado. O veado recebeu um pedaço menor que o da anta. Os pombos tomaram um pedaço pequeno. Veio o sapo e pediu que lhe dessem também um pedaço. Os papagaios jogaram um pedaço na sua direção, o qual grudou nas suas costas: por isso o sapo ainda hoje tem o ânus nas costas. Todos os animais [N.T.: Quer dizer, os quadrúpedes], os pássaros e os peixes receberam um pedaço. Veio então o pequeno peixe Karoíd [N.T.: Uma pequena espécie de enguia, que existe nas águas das regiões montanhosas] e também pediu um pedaço. Os papagaios jogaram um pedaço na sua direção, o qual ficou pendurado na sua garganta: ainda hoje ele tem o ânus no pescoço. Foi assim que adquirimos nossos ânus. Se hoje não o tivéssemos, íamos ter que defecar pela boca, ou então arrebentar.

In "Mitos e Lendas dos Índios Taulipangue e Arekuná", de Theodor Koch-Grünberg, trad. de Henrique Roenick e revisão de M. Cavalcanti Proença, Revista do Museu Paulista NS vol. VII, 1953. Transcrito da nova edição, revista por Sérgio Medeiros em colaboração com Rafael Lopes Azize, publicada em Sérgio Medeiros, Makunaíma e Jurupari, cosmogonias ameríndias, São Paulo, Perspectiva, 2002, pp. 101-102.

Comentário de Koch-Grünberg, na sua introdução ao textos dos mitos, p. 57 da edição de S. Medeiros: "Pu'iito é, com certeza, a personificação mais esquisita de que se tem memória". Endosso entusiástico dos leitores. Este mito é o M524 de L'Origine des Manières de Table (p. 393).

Lembremos é claro da igualmente imortal observação do Anti-Édipo: “o primeiro órgão a ser privatizado, a ser expulso socialmente de campo, foi o ânus”. Abre-se então a questão: a história de Pu'iito relata a primeira privatização do ânus, ou, muito ao contrário, sua socialização primordial? Fico com a segunda alternativa. Afinal, Pu'iito era uma espécie de auto-monopólio, avaro de si mesmo, sujeitinho insolente que não só era privado, mas que ao sê-lo, privava aos outros de si. Problema equivalente ao da interpretacão do ditado popular: ”quem tem cu, tem medo“. Medo, e não, por exemplo, ações da Telemar?

p.s.: No dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é atribuído à palavra “diferencial” a acepção (proveniente do regionalismo português) de “ânus”.

Fonte: AmaZone...

Mais Catlin

Credit: ©National Portrait Gallery, Smithsonian Institution

Em 1849 o pintor inglês William Fisk completou este retrato de George Catlin. Nessa época com 53 anos de idade, Catlin estava vivendo na Inglaterra com sua família, ganhando a vida com a venda de cópias de suas pinturas do Oeste Norte-Americano, como estas de Black Foot Warrior Iron Horn e de The Woman Who Strikes Many, que podem ser vistas detrás dele.

I LOVE THE PEOPLE:

WHO HAVE ALWAYS MADE ME WELCOME TO THE BEST THEY HAD.

WHO ARE HONEST WITHOUT LAWS,

WHO HAVE NO JAILS AND NO POORHOUSES.

WHO KEEP THE COMMANDMENTS WITHOUT EVER HAVING READ THEM

OR HEARD THEM PREACHED FROM THE PULPIT.

WHO NEVER SWEAR,

WHO NEVER TAKE THE NAME OF GOD IN VAIN.

WHO LOVE THEIR NEIGHBORS AS THEY LOVE THEMSELVES.

WHO WORSHIP GOD WITHOUT A BIBLE,

FOR I BELIEVE THAT GOD LOVES THEM ALSO.

WHOSE RELIGON IS ALL THE SAME,

AND WHO ARE FREE FROM RELIGIOUS ANIMOSITIES.

WHO HAVE NEVER RAISED A HAND AGAINST ME, OR STOLEN MY PROPERTY,

WHEN THERE WAS NO LAW TO PUNISH FOR EITHER.

WHO HAVE NEVER FOUGHT A BATTLE WITH THE WHITE MEN

EXCEPT ON THEIR OWN GROUND.

WHO LIVE AND KEEP WHAT IS THEIR OWN WITHOUT LOCKS AND KEYS.

I LOVE ALL PEOPLE WHO DO THE BEST THEY CAN.

AND OH, HOW I LOVE A PEOPLE WHO DON'T LIVE FOR THE LOVE OF MONEY!

poema de George Catlin (1796-1872)

23 de junho de 2007

Visões de George Catlin

George Catlin
A Mandan Medicine Man, 1861/1869
Paul Mellon Collection
National Gallery of Art


George Catlin nasceu em Wilkes-Barre, Estados Unidos da América, em 1796, e teve como formação principal o Direito. Segundo o site Faroeste Rocco, em 1828 o advogado George Catlin estava na Filadélfia quando se deparou com um grupo de índios em visita à cidade. O fascínio exercido pela visão destes nativos com suas belas roupagens fez com que ele dedicasse boa parte da década seguinte a pintá-los in loco em suas aldeias ou nas pradarias quando se dedicavam à caça. O périplo de Catlin foi impressionante, se desdobrando entre as áreas correspondentes aos atuais estados do Wisconsin, Minnesota, Oklahoma, Arkansas, Dakota e Montana. Iniciou na pintura com retratos e depois viajou muitos anos e estudou nesse período os índios da América do Norte (e do Sul). Pintou retratos de índios das Américas e foi o precursor das campanhas pela preservação das tribos. Em 1831 estava entre os Mandan e através de seu registro etnográfico documentou o ritual de tortura conhecido como O-Kee-Pa. No ano seguinte, do alto de seu renome propõe a idéia da criação de parques nacionais nos quais os índios e a paisagem selvagem poderiam ser preservados. George Catlin também escreveu longamente sobre a cultura indígena, tratada por ele em uma dezena de livros, entre os quais o clássico North American Indians. publicado em 1841, que foi ilustrado com cerca de 300 gravuras de sua autoria. George Catlin faleceria em Jersey City, Estados Unidos, em 1872.

O importante conjunto de pinturas que reuniu teve seu valor artístico e antropológico reconhecido ainda no século XIX, ao ser incorporado ao acervo do Smithsonian American Art Museum na década de 1870. Destacamos como de especial interesse o retrato dos medicine-men (xamãs) em transe ritual:

Medicine Man by George Catlin

Mandan Medicine Man Mah-To-Hah "Old Bear" by George Catlin

Blackfoot Medicine Man by George Catlin


Stu-mick-o-súcks, Buffalo Bull's Back Fat, Head Chief, Blood Tribe, Blackfoot/Kainai, 1832.
Oil on canvas, 29 x 24 in. Smithsonian American Art Museum.

Leia algo mais sobre George Catlin, inclusive poemas, clicando aqui. Conheça outras obras suas na Artcyclopledia.

22 de junho de 2007

Declaração de Iximche'


Nós, homens e mulheres, filhos e filhas dos povos e nacionalidades indígenas originárias do continente, auto convocados e reunidos no III Encontro Continental dos Povos e Nacionalidades Indígenas de Abya Yala realizado em Iximche', Guatemala, nos dias Oxlajuj Aq’abal, treze forças do espírito do amanhecer, 26 a kají kej, quatro forças do espírito do veado, 30 de março de 2007:

Reafirmamos a Declaração de Teotihuacan (México, 2000) e a Declaração de Quito (Equador, 2004); reafirmamos nossos princípios milenares, complementariedade, reciprocidade e parceria, e nossa luta pelo direito ao território, pela Mãe Natureza, pela autonomia e a livre determinação dos povos indígenas; e anunciamos o ressurgimento continental do Pachacutik (retorno), ao final de Oxlajuj Baq’tun, longos 5.200 anos, aproximando-nos das portas do novo Baq’tun, encaminhando-nos para fazer de Abya Yala uma “terra cheia de vida”.

Vivemos séculos de colonização, e hoje as imposições de políticas neoliberais, chamadas de globalização, continuam levando ao despejo e ao roubo de nossos territórios, apoderando-se de todos os espaços e meios de vida dos povos indígenas, causando a degradação da Mãe Natureza, a pobreza e a migração, pela sistemática intervenção na soberania dos povos por parte de empresas transnacionais em parceria com os governos.

Nos preparamos para receber e enfrentar os desafios que nos demandam os novos tempos, por isso declaramos:


Consolidar o processo de alianças entre os povos indígenas, dos povos indígenas e dos movimentos sociais do continente e do mundo, que permitam enfrentar as políticas neoliberais e todas as formas de opressão. Responsabilizar os governos pelo permanente despejo dos territórios e pela extinção dos povos indígenas do continente, resultado das práticas impunes de genocídio dos transnacionais, assim como, pela pouca vontade das Nações Unidas em viabilizar a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas e por não garantir o respeito pleno a Declaração dos Direitos Humanos. Reafirmar nosso direito ancestral e histórico ao território e aos bens comuns da Mãe Natureza, e reafirmamos seu caráter inalienável, imprescindível, inembargável e irrenunciável, ainda que custe nossas vidas. Consolidar os processos iniciados para fortalecer a refundação dos Estados – nação e a construção dos Estados plurinacionais e sociedades interculturais, através das Assembléias Constituintes com representação direta dos povos e nacionalidades indígenas. Avançar no exercício do direito a autonomia e livre determinação dos povos indígenas, mesmo sem o reconhecimento legal dos Estados-nação. Ratificar a rejeição aos tratados de livre comércio (TLCs) que tornam vulnerável a soberania dos povos e, manter a vigilância frente a implementação de novos tratados comerciais. Reafirmar nossa decisão de defender a soberania alimentar e a luta contra os transgênicos, convocando a todos os povos do mundo a somarem-se a esta causa para garantir nosso futuro. Ratificar a luta pela democratização da comunicação e pela implementação de políticas públicas que contemplem disposições específicas para os povos indígenas, inclusive as intelectuais. Alertar aos povos indígenas sobre as políticas do BID, Banco Mundial e entidades afins, para penetrar nas comunidades com ações assistencialistas e de cooptação, que levam a desarticulação das organizações autônomas e legítimas.

Para o bem viver dos povos indígenas, acordamos:


Exigir das instituições financeiras internacionais e dos governos o cancelamento de suas políticas de promoção das concessões (mineração, petrolíferas, florestais, de gases e aqüíferas) nos território indígenas para as indústrias extrativistas. Condenar as políticas do presidente Bush e do governo dos Estados Unidos, expressas na exclusão demonstrada com a construção do muro na fronteira com o México, políticas que se apropriam dos bens comuns da Mãe Natureza, e de todos os povos de Abya Yala, implementando planos e ações expansionistas e de guerra. Condenar a atitude intolerante dos governos dos Estados-nação que não reconhecem os direitos dos povos indígenas, em particular aos que não ratificaram e não garantiram a aplicação do Convênio 169 da OIT. Condenar as democracias impostoras e terroristas implementadas pelos governos neoliberais, que se traduzem na militarização dos territórios indígenas, e na criminalização das lutas indígenas e dos movimentos sociais em todo o Abya Yala.

Para fazer caminhar a palavra e realizar os sonhos, da resistência ao poder:


Nos constituímos na Coordenação Continental das Nacionalidades e Povos Indígenas de Abya Yala, como espaço permanente de enlace e intercâmbio, onde possam convergir experiências e propostas, para que juntos enfrentemos as políticas de globalização neoliberal e lutemos pela liberação definitiva de nossos povos irmãos, da mãe terra, do território, da água e de todo patrimônio natural para viver bem.

Neste processo definimos as seguintes ações:


Fortalecer o processo organizativo e de luta dos povos indígenas com a participação das mulheres, crianças e jovens.
Convocar o Encontro Continental de Mulheres indígenas de Abya Yala e o Encontro Continental da Criança, Adolescência e Juventude das Nacionalidades de Abya Yala. Convocar a marcha continental dos povos indígenas para salvar a Mãe Natureza dos desastres que o capitalismo está provocando, e que se manifesta no aquecimento global, a realizar-se em 12 de outubro de 2007. Iniciar a missão diplomática dos povos indígenas para defender e garantir os direitos dos povos indígenas. Apoiar a candidatura a Prêmio Nobel da Paz de nosso irmão Evo Morales Ayma, presidente da Bolívia. Exigir a descriminalização da folha de coca.

“Sonhamos nosso passado e recordamos nosso futuro”

Iximche’, Guatemala, 30 de março de 2007.


Fonte da tradução: site do CIMI. Para baixar o texto original em formato pdf, clique aqui. Ler mais no site Cumbre Continental Indigena. Mais fotos sobre Iximche´ e seus sítios arqueológicos maias, clique em Guate360.

21 de junho de 2007

Solstício de Fertilidade

Tiwanaku ou Tiahuanaco, Bolívia

Quando tudo termina, é hora do recomeço: é chegado o Solstício de Inverno no hemisfério Sul! Segundo o site Xamanismo Ancestral, este é o ciclo no qual os espíritos de nossos ancestrais estão mais próximos dos vivos, e o véu entre os dois mundos torna-se mais fino e transparente. Por essa razão os xamãs ancestrais celebram o festival de Solstício de Inverno convidando os espíritos ancestrais para se funtar à festa, com finalidade de ensinar os antigos segredos, tradições e sabedorias. A cerimônia do Ano Novo Andino (marat'aqa) coincide com o solstício de inverno, que é quando o sol está mais distante do hemisfério sul do planeta: tem sua origem no fato de que o indígena sempre utilizou a natureza como uma fonte de sabedoria para saber como viver. O homem andino sempre considerou o movimento do sol, as correntes do vento e a época das chuvas para determinar o momento propício para obter alimentos. Desde tempos imemoriais ele se valeu da observação da natureza para determinar quando é tempo de semear e quando é tempo de colher. É por isso que o ritual do Ano Novo Andino compreende uma série de simbolismos que corroboram a inter-relação que existe entre o indígena e a natureza.

Há vários simbolismos que se podem observar nesta celebração. Tal é o caso da fertilidade da terra com o sacrifício de lhamas cujo sangue é uma oferenda ao Sol, a Terra e a outras deidades andinas, para dessa forma assegurar a prosperidade agrícola e pecuária. Além de significar um ato de ligação do homem com a natureza, a celebração do solstício de inverno é um símbolo de identidade cultural dos países andinos. A celebração nasceu no final do século passado como um movimento de resgate e reivindicação da identidade indígena depois que os ritos religiosos andinos foram proibidos na Bolívia Colonial. Para os sociólogos o ano novo aymará também se constitui num ato de caráter político onde alguns movimentos indígenas buscaram espaço de reivindicação política nos anos 60 e 70 na Bolívia. As principais reivindicações era poderem contar com uma religião própria, um partido político próprio e serem identificados como uma nação cuja historia tem a sua própria leitura. O ritual de solstício de inverno se constitui em uma cerimônia que consta de símbolos tanto quéchuas como aymarás, o que mostra a unidade étnica dos povos andinos. Eles procuram se destacar dos brancos e mestiços e formar uma só unidade através do culto ao deus Sol dos quéchuas junto com o culto a Pachamama dos aymarás. Com isso querem contar uma nova história diferente da história da Bolívia que é a história contada pelos brancos.

Tiwanaku representa o lugar mais sagrado para os aymaras porque as ruínas da cidade representam a presença física de seus antepassados e é ali onde eles se sentem como uma só unidade e rendem homenagens aos Achachilas, aos Tunupas e às demais deidades que formam parte do mundo andino aymará.

¡Willka Tata, Inti Tata!
Que este ano haja boa colheita, que não haja fome! As mãos do amauta elevam ao céu uma oferenda a Pachamama.


Ao lado dele uma enorme fogueira dá o tom místico à cerimônia. ¡Willka Tata, Inti Tata! (pai sol), que este ano haja boa colheita!, repete o amauta (sábio), para logo depois depositar a wajta (oferenda) sobre o fogo. Soam os pututus. Os amautas despejam álcool sobre o fogo para que arda com intensidade. As ñustas cantam e as bandeiras wiphalas se agitam. Ao redor do templo de Kalasasaya centenas de visitantes observam em silencio respeitoso.

É o prelúdio da chegada do deus Sol, um Novo Ano Andino. Em 2007 será o ano de 5515 segundo os amautas. Ocorreu no amanhecer do dia 21 de junho como ocorre há uma centena de anos entre as 06.30 e 07.30 da manhã nas ruínas de Tiwanaku. Os amautas do povoado darão a Pachamama uma oferenda agradecendo pelas colheitas do ano passado, mesmo que não tenham sido boas: uma tarwa illa, para que o gado se multiplique, e uma espalla, ou tributo a terra. Quando saem os primeiros raios de sol os amautas pedem que todos os que estão presentes se dêem às mãos e as mostrem abertas ao céu para receber a energia positiva.

Centenas de mãos se elevam em direção ao sol. Mãos morenas e calejadas dos campesinos do norte de Potosí que chegaram para a celebração, mãos brancas dos moradores locais, e delicadas dos visitantes estrangeiros. Alguns entoam orações, outros se ajoelham, alguns tremem de emoção e há sempre aqueles que não conseguem conter as lágrimas. Os primeiros raios de Sol que surgem nas ruínas de Tiwanaku são considerados como energia positiva e também curativa. Os pututus vibram e começam a soar as tarkas e zampoñas. Depois da emoção vem a alegria e com ela as danças no centro do templo de Kalasasaya.

Um dia antes os amautas irão ler nas folhas de coca para ver se o próximo ano que se inicia será melhor que o ano que termina. Mas tudo irá depender de que os campesinos não se esqueçam de fazer oferendas à mãe terra. O ano será o resultado da reciprocidade. A terra nos provê como uma mãe e temos que pagar por isto. Dentro da cosmovisão andina, o homem não pode viver sem pagar á terra. Trata-se de uma filosofia de reciprocidade para se viver em harmonia.

O solstício não só se converte em um ritual onde se agradece a Pachamama (Mãe Terra) por todas as bênçãos efetuadas durante o ano, como também se constitui em uma forma de convidar o deus Sol a participar das atividades que a comunidade realizará durante todo o ano. Segundo os aymaras, o Sol fecunda e Pachamama germina.

Os amautas de Tiwanaku afirmam que 2007 é o ano 5515 do mundo andino. O cálculo teria sido realizado nas ruínas de Cusco, no Peru, com base em pedras que determinariam o rumo das épocas andinas. Seria um ciclo de 500 anos, pois o cinco é um número espiritual na concepção andina. O dígito representa o quinto ponto, o do centro, na constelação do Cruzeiro do Sul (Pusi Wara) que rege o calendário andino. De acordo com esse ciclo, a chegada dos espanhóis a América em 1492 representa o início de um ciclo de desgraças. Em 1992 começou um novo ciclo de bons presságios, o início de uma boa época para o mundo andino. Mas os arqueólogos asseguram que não existe uma base científica nessas afirmações. A cultura tiwanakota surgiu entre os anos 1500 e 1600 a.C. E se somarmos mais dois mil anos depois de Cristo, este grupo étnico teria no máximo 3.500 anos. Desta maneira, o solstício de inverno, 21 de junho, se constitui fundamentalmente no início de um ano agrícola. Período que dura até o solstício de verão em 22 de dezembro.


Texto original: © BOLIVIA.COM / Tradução ao português e adaptação: Marcelo Godoy e Eduardo Bayer

Sugiro que visitem o site da revista Ser Indígena onde encontrarão uma resenha completa dos ritos desta celebração. Ler também: Wetripantu, El Año Nuevo Indígena e Assim na Terra... como no Céu

Ashaninkas

MENINA Obentane, on, on, on.

AVÓ Menina, que andas cantando?... onde escutaste isso?

MENINA No bosque, vovó. De um homem que cantava junto a uma árvore. Disse-me que de uma árvore como essa é que nasci eu e todas as mulheres. É verdade, vovó?

AVÓ Moça curiosa!... Venha, senta-te aqui do meu lado...vou te contar...

CONTROLE MÚSICA INDÍGENA

AVÓ Há muitas luas, não existíamos. Mas os homens estavam aborrecidos...

HOMEM Assim não serve. Não tenho com quem conversar.

AVÓ Então, um homem se aproximou da grande árvore e lhe pediu uma companheira.

HOMEM Obentane, on, on, on...

AVÓ Cantou um dia e outro dia dando voltas a seu redor.

HOMEM Puff… Já me cansei…

EFEITO CRUZ MADEIRA

AVÓ Nesse momento, a árvore estremeceu e do velho tronco nasceu um bebê.

EFEITO CHORO DE BEBÊ

AVÓ “Uma bebê”, porque era menina. A primeira mulherzinha do mundo.

HOMEM Que linda é!… Pelo que vejo, a natureza guarda o melhor para o final.

CONTROLE MÚSICA TERNA

AVÓ A menina cresceu, se tornou forte, se vestiu com uma túnica vermelha, e casou-se com o homem. Tiveram muitos filhos e muitas filhas que também se casaram. Assim viemos ao mundo os asháninkas.

MENINA Vovó, e onde está a árvore que pariu a primeira menina?

AVÓ Essa é outra história, filhinha. Uma história triste. Porque aquela árvore e aquelas matas agora têm outros donos…

CONTROLE MÚSICA TRISTE

EFEITO MOTOSSERRA

MULHER Não a cortem!... Estas árvores são sagradas para nosso povo!

INGLÊS Estas árvores são madeira. E madeira significa dinheiro. Afastem-se, ou cortamos también a vocês.

CONTROLE MÚSICA TRISTE

LOCUTOR A nação asháninka foi sempre um povo pacífico. Viviam na selva central do Peru, desde o vale de Apurímac até o Alto Ucayali.

LOCUTORA A exploração madeireira e o caucho lhes obrigaram a saírem de suas terras ou servir como mão de obra barata para as empresas estrangeiras.

EFEITO GRITOS GENTE FUGINDO

HOMEM As chamavam correrias. Entravam em nossos povoados e nos prendiam, nos amarravam, nos levavam longe a sangrar árvores. Cortavam nossos bosques, aravam a terra buscando essa maldita gordura, o petróleo.

CONTROLE MUSICA INDÍGENA

LOCUTORA Os asháninkas. Hoje são 50 mil, nem a metade dos que eram. Os colonos estrangeiros e mestiços dizimaram suas comunidades.

EFEITO METRALHADORA

LOCUTORA Na década dos 80, as coisas pioraram. O grupo armado Sendero Luminoso avançou contra eles.

SENDERISTA Companheiros, isto é guerra. Necessitamos suas terras. Escolham: fiquem cultivando coca para nós. Ou saiam daqui.

LOCUTORA Morreram cinco mil asháninkas pela violência senderista.

LOCUTOR Os que não morriam, fugiam. Dez mil indígenas foram deslocados de seus acampamentos onde sobreviveram facinados e enfermos.

LOCUTORA Sem selva, sem rio, sem terra para semear, sem árvores para cantar.

HOMEM Não nos rendemos. Organizamos comitês de autodefesa contra os terrucos. Resgatamos aos irmãos e irmãs sequestrados. Regressamos a nossas comunidades.

LOCUTORA Petroleiras, madereiras, guerrilhas, narcotráfico... A nação asháninka é o povo indígena do Peru que enfrentou a pior violência e o maior despojo de suas terras.

CONTROLE MÚSICA ASHÁNINKA

AVÓ As chamamos “kitarensi”. Não são bonitas? Toda mulher asháninka leva posta estas túnicas vermelhas, da cor da terra.

MENINA Obentane, on, on, on...

AVÓ Nascemos da terra, filhinha, dos árvores. E aqui estamos, de pé como eles. Firmes sobre nossas raízes.

Para ouvir o videoclip em mp3, clique diretamente aqui. Veja lindas fotos dos ashaninkas em slideshow.

Uma produção de Radialistas com o patrocínio da UNESCO e o apoio do Conselho Insular de Menorca, Espanha. BIBLIOGRAFIA: Peru Ecológico / COLABORAÇÃO: Bertha Consiglieri, CEPES, Lima, Peru.

20 de junho de 2007

Um Inca-Herói: Mayta Cápaq

Ilustração de Richard Hook

Normalmente sabemos da dinastia teocrática inca (que governou a partir da cidade andina de Cusco) que houveram doze governantes com o título de Sapa Inka (Supremo Rei), como podemos saber um pouco em "An Overview of the First Eight Incas". Como a palavra "inka" é substantivo em quechua para dizer "monarca", relatos sobre incas anteriores referem-se obviamente a governos monárquicos havidos naquela região. Entretanto, não podemos efetuar uma mera leitura horizontal da história supondo que, ao registrar o nome desses doze governantes estejamos relatando gerações sucessivas de descendentes de Manco Cápaq, fundador do império que hoje conhecemos como o Tawantinsuyu ou Tahuantinsuyo. Pode se ter resumido a narrativa aos doze principais incas, ou mesmo agrupado de tal forma que o herdeiro pareça ter sido um filho do monarca e não um neto ou bisneto, como seria possível, ou mesmo que cada qual dos citados seja na verdade um clã dinástico inteiro. A polêmica é vasta, e utilizada no argumento do livro "O Verdadeiro Inka", escrito por mim e publicado em 1999, o qual está sendo reestruturado para figurar em nova edição. Mas queremos aqui expor que, desses doze Incas, se destaca o nome do quarto deles, Mayta Cápaq, por razões que se relacionam, por incrível que pareça, com a própria ayahuasca do povo shuar.

A vida de Mayta Cápaq se tornou legendária desde seu nascimento, envolto por aspectos miraculosos já que seu pai era de muita idade e a regra para legitimar o herdeiro seria a descendência adelfogâmica: assim como os faraós do Egito, os Incas do Tawantinsuyu até então geravam sucessores apenas em uniões matrimoniais com suas irmãs legítimas. Mayta será o último gerado de acordo com essa norma sucessória: depois dele, como não possuía irmãs de mesmo sangue, será sucedido por uma série de usurpadores até que Pachakuteq (o nono imperador) recomponha no século 15 o Império de acordo com essas diretrizes de sua fundação.

Cieza de León narra o acontecido: "E reinando desta maneira Lloque Yupanki em Cusco, passando-lhe o tempo chegou a ser muito velho sem ter filho em sua mulher. Mostrando muito pesar disso, os moradores da cidade fizeram grandes sacrifícios e orações aos seus deuses, tanto no Wanakauri como no Qorikancha e em Tamboquiro, e dizem que por um daqueles oráculos onde iam por respostas vãs ouviram que o Inka engendraria filho que o sucedesse no reino; pelo que mostraram muita felicidade e, alegres com a esperança, colocavam o velho rei sobre sua mulher a Coya; e com tais brincadeiras, ao cabo de alguns dias, claramente se conheceu que ela havia engravidado, e a seu tempo pariu um filho".

O herdeiro assim concebido quase com métodos de inseminação artificial chamou-se Mayta Cápaq. O velho Inka ordenou que depois de seu falecimento as insígnias reais deveriam ser depositadas no templo de Qorikancha até que o filho atingisse a idade de reinar, até lá permanecendo o Tawantinsuyu sob a regência de dois de seus tios. Morreu Lloque Yupanki e foi chorado de acordo com a tradição, acompanhado do suicídio de vários súditos, sendo então mumificado para a veneração perpétua [...].

Mayta Cápaq foi um personagem fabuloso desde a sua geração. Juan de Santa Cruz Pachakuti nos conta, por exemplo, que ele já havia chorado dentro do ventre de sua mãe, e que nasceu depois de um ano inteiro de gestação. Com poucos meses teria começado a falar, e aos dez anos já "abençoava a seus inimigos valorosamente". Seu governo, além de criar as "khipucamayocs" (escolas para treinar o uso da linguagem cifrada dos nós coloridos de lã, os khipu), parece ter sido exemplar - conta-se que fez publicar ordenanças morais e leis que faltavam, proibindo ao povo os maus costumes e "ensinando-lhes outras coisas naturais" e colocando a gente "em execução das coisas de recolhimento dos índios".

Em "De la Historia Del Reyno y Provincias del Perú", Giovanni Anello Oliva reportou que Mayta Cápaq "foi inclinado a novas conquistas, grande guerreiro e amigo de gente belicosa, e como em todos os seus Reinos não houve alteração para exercitar suas valentias, saía sozinho de Cusco e se embarcava pelas montanhas dos Andes, a buscar tigres, ursos, leões e outras feras para lutar com elas, e quando voltava trazia por triunfo atados com coleiras estes animais". Cusco, na verdade, não está muito distante da região de selva: o rio Willkamayu, que cruza os Andes, é um dos muitos afluentes que conformam a bacia do Amazonas, e descendo o vale na direção noroeste, em menos de uma semana de caminhada Mayta Cápaq já se encontraria em meio à densa floresta tropical. Ali teria travado duelo com a mítica serpente Amaru , ser fantástico com asas e braços como um dragão, a qual matou com o champi, machado ritual. "Desta sorte concluindo com tão terrível e perigosa batalha, deste animal tão poderoso tomou o Inka o sobrenome de Amaru, porque assim se chamam estas serpentes, e voltando a Cusco a mandou tirar do local para que todos a vissem", relata Anello de Oliva.

Diz-se que foi este Inka quem introduziu também o uso da coca amazônica na cultura andina, e sobre isto encontramos em "Cuadernos Andinos" um criterioso trabalho do antropólogo peruano Carlos Candia, "Las Leyendas de la Hoja de Coca", que nos dá uma explicação definitiva das incursões de Mayta Cápaq à selva:

Conta esta lenda que, realmente, Mayta Cápaq foi o primeiro Inka a provar da pócima amazônica a que chamou hayawaska (cipó amargoso). O acontecimento teria se dado em uma aldeia dos índios shuar (jívaros), ainda hoje conhecidos como ferozes guerreiros caçadores de cabeça. Atualmente a tribo vive mais ao Norte, em território colombiano, mas é possível que há oito séculos estivessem vivendo mais próximos a Cusco, em terras hoje ocupadas pelos índios machingüengas. Ora, se Mayta Cápaq foi iniciado por esses índios, isso denota haver conquistado sua amizade, o que entre guerreiros se tratando seguramente ocorreu graças a seus feitos de coragem. O que conta a lenda é que foi sob efeito do iagé que Mayta Cápaq avistou o ser espiritual do arbusto da coca, e que esta visão da Mama Coca é que levou o Inka a introduzir o uso de suas folhas para o povo do Império. [...]

A coca foi através deste Inka proporcionada a toda a população, mas a bebida do iagé não foi divulgada, e desse modo não se tornou conhecida da maior parte das pessoas, seu uso sendo restrito a uim pequeno grupo da elite religiosa de Cusco, escolhido a dedo pelo Inka e seu irmão, o Sumo-Sacerdote. O motivo de tamanho "segredo de Estado" foi porcerto não apenas pelos aspectos dimensionais do efeito da bebida mas também devido a contumaz bebedeira festiva dos povos do Altiplano, onde a cerveja de milho, a
chicha, era consumida em rituais coletivos de embriaguez alcóolica em praça pública. Ao conhecer a hayawaska, é compreensível que Mayta Cápaq diferenciasse sua embriaguez, verdadeiramente visionária, enquanto bebida de conhecimento, daquela outra, alcoólica, levando-o então a reservá-la a um uso sagrado, onde as visões fossem experienciadas dentro de um sentimento ordenado, coerente e ascendente. Tão apaixonados pela adivinhação do futuro como eram, os Inkas teriam encontrado no hayawaska um recurso concreto para a obtenção da abertura da percepção extrassensorial, qualidade esta que apenas recentemente a Ciência ocidental se dispõe a estudar, distante que se encontrava da realidade dos haveres religiosos da cultura ameríndia.

Leia algo mais a esse respeito no post: "Waskar Inka e meu amigo Edmundo Guillén".

15 de junho de 2007

Ayahuaska Jívara

"NATEEM ou AYAHUASKA: é cipó sagrado que existe na selva da América latina e se usa para fortalecer o corpo humano, a memória e sua transmissão através das ciências orais em diferentes culturas de toda a Amazônia.

Na comunidade Shuar Yawints’ do Equador existem 27 cipós diferentes com nomes próprios e para diferentes aplicações como: curas, limpezas e rituais. O segredo dos remédios e plantas sagradas dos povos e nações originários é cobiçado pela sociedade ocidental. Cujos poderes das plantas deram a segurança de uma existência e desenvolvimento permitindo vida e liberdade a diferentes povos e nações.

Atualmente existem vários estudos realizados por cientistas internacionais e organizações que vendem produtos ecológicos na União Européia , EUA, Ásia e outros. Na maioria dos casos que foram diagnosticados, os beneficiários diretos das ciências ancestrais são os cientistas ou um minúsculo grupo de pessoas com o conto de ajudar à humanidade.

Muitas vezes não se conhece a verdade sobre o Nateem ou Ayahuaska: em outros povos e nações são conhecidos com outros nomes e com diferentes maneiras de preparo e aplicação. Na nação Shuar de Yawints’ temos nossas maneiras de preparar e aplicar.

Mas desde a origem das ciências ancestrais dos povos originários da selva amazônica se desenvolveu uma forma de viver em harmonia com toda a diversidade entre a terra, o homem e o universo. Foi onde as plantas medicinais e sagradas desempenharam uma função importante para o desenvolvimento de nossos saberes. Isto também se observou em outras culturas do mundo às quais estendemos nosso total respeito e seriedade.

Nos séculos 17 ao 18 foram conhecidas como plantas malignas utilizadas por bruxos, satanistas e feiticeiros. Do final do século 19 a0 20 foi conhecida como droga em nível mundial. Ao final do século 20 e no início do século 21 passa a ser reconhecido como planta medicinal, vitamínica e alucinógena

A grande maioria das pessoas o que quer e deseja conhecer do Nateem ou Ayahuaska é o efeito que se produz ao se ingerir esta medicina sagrada; a qual possui um poder natural e um efeito especial para gente seletiva.

A medicina sagrada é para uma missão especial, as plantas medicinais são curativas e totalmente diferentes às sagradas. A missão das plantas sagradas é fortalecer as ciências humanas e sustentar as conexões entre a terra, o homem e o universo em um espaço diferente.

Um, por exemplo:

Nos hospitais modernos se usam os raios X e exames para diagnosticar as enfermidades que estão dentro do corpo humano.

Na comunidade Shuar Yawints’ um Uwishint’ ou curandeiro (xamã) examina ao doente bebendo o Nateem. O efeito desta planta faz com que o Uwishint’ visualize a doença como se fosse uma máquina humana de raios X ou outro equipamento similar.

Os satélites a partir do espaço podem detectar e visualizar os câmbios climáticos e outros movimentos do universo.

O Uwishint’ Shuar depois de ingerir sua medicina sagrada pode fazer o mesmo trabalho que faz um satélite sem tantos gastos tecnológicos e econômicos. Ou seja, o Shuar da floresta sabe cada dia sobre a mudança climática e o que haverá nas próximas gerações.

Esta realidade das ciências ancestrais é incrível para os olhos dos cientistas e grandes universidades que estudam e estudaram o campo misterioso das plantas sagradas. Para nós não é novidade o avanço tecnológico da humanidade, é simples... o que somos em carne, osso e no invisível, construímos em matéria para expor como uma fonte de necessidade para o desenvolvimento.

O homem tem que enxergar para acreditar, uma má educação impera em todas as sociedades da humanidade antiga e moderna. Por quê não podem entender e respeitar a ordem da vida natural e sua evolução? É bem simples detectar esta verdade; nas grandes e pequenas universidades só se estudam e não se praticam os verdadeiros princípios da humanidade e a organização global do universo.

Neste caso é muito importante conhecer, entender, refletir e atuar…não podemos seguir causando danos irreparáveis ao planeta, não se pode alterar a ordem das energias naturais que está formada mediante uma rede através de todo o universo. Uma das conexões é a terra e seus elementos.

Nos últimos tempos, os estudos científicos se esbanjam e os laboratórios internacionais se interessam nos poderes curativos das plantas medicinais e sagradas. Além disso não são apenas os cientistas os que intentam explorar as ciências ancestrais, também se somam a estes os neo-xamãs e os jovens atuais das grandes cidades e universitários.

Poucas são as vezes em que alguns são conscientes dos efeitos e poderes das plantas medicinais e sagradas (alucinógenas) mas outros até intentam subornar aos líderes e chefes para saciar o prazer de seus gostos. Em certa ocasião um homem branco chegou de terras distantes para aprender as ciências ancestrais em nossa comunidade. Este homem pedia que se lhe desse a beber o Nateem ou Ayahuaska. Quando o pedido foi negado nos ofereceu dar 50 dólares, se continuou a negar-se a ele várias vezes e ofereceu pagar 100 dólares. Mas foi negado tal pedido e se lhe deixou em observação durante uma semana dentro da comunidade Shuar Yawints’.

Um fim de semana pela manhã se acercou ao fogo e com um sorriso me disse: é linda tua mulher. Eu lhe respondi: sim, é muito formosa. Com outro sorriso me disse: me poderias emprestar tua mulher por 15 dias para que me acompanhe ao litoral? Te darei algumas coisas de valor. Disse isto e me me mostrou uma lanterna e um poncho de chuva. Eu o olhei nos olhos e lhe disse: queres levar minha mulher para ti? E queres pagar-me? O homem branco me disse: sim, adivinhaste certo! Eu lhe disse: tradicionalmente existem duas opções para que leves minha esposa contigo:

1.- Deves trazer-me três mulheres brancas em troca de minha mulher, ou
2.- Deves matar-me e cortar minha cabeça e entregar ao chefe da comunidade.

O homem branco me olhou com espanto e surpreendido, e para terminar lhe disse: irmão branco, não digas de verdade nem de brincadeira, a mulher aqui e onde estiver é sagrada e única. Hás cometido um erro, mas te desculpo, vai-te em paz e não regresses nunca!!!

Se colocou em pé e muito nervoso me disse: irmão, por favor desculpe-me, desculpe-me desculpe-me! E foi embora e não cumpriu seus desejos de ser ou querer cumprir seus sonhos estranhos. Minha esposa chegou logo e me disse: por que não se chateou com ele? Eu respondi à minha esposa: o homem branco não conhece nossas leis e nossas regras. Minha esposa ficou tranqüila e me disse: está bem respeitar ao estranho.

Em outra ocasião chegou um homem para aprender as ciências da selva. No dia seguinte que chegou queria ingressar às cachoeiras sagradas. Como não foi levado se chateou tanto que regressou a seu mundo e disse coisas de sua imaginação contra toda a nossa nação.

O que pretendo dizer em profundidade é que as ciências ancestrais ou os saberes dos povos originários merecem ser conhecidas, entendidas e respeitadas. O fato de que os povos e nações não possuem geopolíticas internacionais não deve autorizar a exploração de nossas ciências.

Por isso se sugere ao mesmo shuar, aos povos e nações de todo o mundo que sejamos realistas e entendamos que não se podem violar as normas e leis das plantas e medicamentos sagrados. Para alcançar a entender os poderes das plantas medicinais e sagradas não é através da ingestão em excesso. Se deve ingerir com sábios de verdade, os quais antes e logo depois dos efeitos nos ajudam a compreender os símbolos e significados presenciados durante os efeitos.

O Nateem ou Ayahuaska tem um poder ativo para o ser humano, e isto é desconhecido pelas ciências ocidentais. É muito claro que ainda não são suficientes os estudos nos laboratórios, pois o poder real deste cipó sagrado precisa ser estudado em outro terreno e em outra dimensão. Do mesmo modo outras plantas curativas e sagradas devem ser tratadas com total prudência e respeito.

Ainda assim se deve rechaçar a todos os oportunistas estudiosos (indiólogos) que ingressam aos territórios dos povos e nações originários com o conto de prover humanitariamente as necessidades das comunidades. Tendo em conta que sim, existem irmãos e irmãs brancos que o fazem de coração, mas há outros que o fazem em troca de algo mais e sobretudo com a intenção rasteira de usufruir segundo seus interesses.

Quando falo em rechaçar, não é violentar sua integridade física ou psicológica, e sim que não se lhes deve dar informação nem ensinamentos de nossos saberes ancestrais em troca de insignificantes valores materiais que muitas vezes oferecem estes indivíduos.

Como alternativa sustentável nós os povos e nações devemos emprender, fortalecer e valorizar as ciências ancestrais. Alguma vez, mais do que vender, necessitaremos das plantas medicinais e sagradas para curar a nossos filhos os quais nos substituirão para dar vida à vida.

Irmãos e irmãs brancos, eu acredito e confio em cada um de vocês… essa confiança é para que alguma vez vocês conheçam, entendam e respeitem o que é a cultura das plantas medicinais e sagradas. Vocês e eu não podemos ser doutores ou cientistas com uma semana de aulas, tudo se alcança através de um ensino complicado e completo ao longo de muitos anos. Desta mesma maneira se requerem muitos anos para aprender as ciências da floresta e suas boas aplicações.

Todo ensino tem un sacrifício e um valor incalculável, mas sobretudo não se deve permitir a exploração de nossas riquezas ancestrais neste mundo globalizado que faz com que nos vendam o que tiram de nós ou de nossas próprias terras.

Não bebas o Nateem ou a Ayahuaska se não estás seguro e preparado, se queres beber consulte a um sábio de verdade e peça que te cuide antes, durante e depois do ritual. Sob o efeito podem-se enxergar e sentir coisas lindas ou horríveis, isto deve ser traduzido por uma pessoa que sabe destas visões, os símbolos e os significados.

Os valores ancestrais nos tornam sábios e indomáveis!"

Texto de Tzamarenda Naychapi E. , mensageiro da nação shuar de Yawints’: conheça também o site do Yawints Arutan Mura Inn.
Ainda sobre o tema, em "Visión Chamánica" e em "A Arca da União" se pode ler de Germán Zuluaga, "La Cultura del Yagé - Un Camino de Indios".