8 de novembro de 2007

Os Krahô em Ação

"Meninos Krahô", pintura de Elon Brasil

Eles são perto de 2.000 índios, do grupo Timbira, ocupam uma área de 302.533 ha, no nordeste do Estado de Tocantins. Eles foram induzidos, nos últimos 50 anos a adotar um sistema agrícola que não era o deles: o da monocultura de arroz. Houve perda de sementes de espécies que faziam parte do seu sistema milenar de segurança alimentar. Sua terra demarcada, em 1940, era terra de baixa fertilidade. A variedades que eles tinham, os mais antigos, eram adaptadas a elas. O sistema induzido não funcionava com falta de dinheiro – o poré – para comprar os fertilizantes que variedades necessitavam, como os milhos híbridos, que a própria EMBRAPA colocou no mercado. A agricultura introduzida não era adaptada a essa condição requerendo muitos insumos.

Os 16 caciques começaram discutir, anos atrás, problema de fome e concluíram que esse sistema, que utiliza os tratores que logo que chegavam já iam se acabando, não era apropriado a situação deles. A sua área é sujeita à desertificação. Eles chegaram a essa conclusão junto com um indigenistas da FUNAI que trabalha junto com eles. A própria FUNAI e o próprio órgão de pesquisa agropecuária que ajudou a implantar essa política, essa mudança no sistema, estavam concluindo que esse caminho não estava dando certo.

Na organização das aldeias Krahô – KAPEY –, as lideranças começaram a discutir o modelo de segurança alimentar deles e apensaram em fazer a recuperação de um milho mais mole e de uma batata que tiveram antigamente e não tinham mais. O velhos associavam essas variedades a determinados rituais.

Os Krahô foram atrás desse material. Os técnicos da EMBRAPA que conservam as sementes, em coleções de plantas, em câmaras, para no futuro fazer cruzamentos que a empresa colocará no mercado para vender, ficaram surpreendidos com a chegada dos Krahô, em 1995. Cada comunidade recebeu três sementes desse milho, que foram coletadas, na década de 70, junto aos Xavante. Eles multiplicaram esse milho, em áreas que a cada ano vem aumentando mais. No ano passado já foram na EMBRAPA cinco caciques xavante atrás desse material. EMBRAPA está multiplicando essas sementes tradicionais para atender esse tipo de demandas dos índios.

Cerca de quinze aldeias Krahó estão associadas à "Càpej — União das Aldeias Indígenas Krahó". Por sua vez, as aldeias Rio Vermelho, Bacuri e Aldeia Nova fazem parte da Wyty Cati, uma associação à qual estão afiliadas também aldeias de outros povos Timbira: Apinayé, Krinkati, Pykobjê e Apanyekra.

A sede da Càpej (cà = pátio; pej = bom, bonito) está situada num local denominado Centro, próximo da aldeia de Água Branca, dentro da TI Kraolândia. A dificuldade de acesso ao local das reuniões, salvo para aqueles líderes cujas aldeias estão mais próximas do Centro, também denominado Càpej, foi um dos determinantes para a compra, em 1998, de uma casa em Itacajá, cidade vizinha à Terra Indígena, dela apenas separada pelo rio Manoel Alves Pequeno. Nos fundos da casa, que é chamada de Escritório pelos índios, os Krahó pretendem construir uma espécie de abrigo para os estudantes índios que estejam morando na cidade. Possuem também um terreno a que chamam Chácara, nos arredores da cidade de Alto Lindo, município vizinho ao de Itacajá. Os dirigentes da Kàpej têm a intenção de construir neste terreno uma casa de hóspedes, onde os Krahó que estiverem em Itacajá ou Alto Lindo possam usar para pouso. A casa e o terreno foram comprados com o dinheiro proveniente do prêmio recebido pelos Krahó do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), pelo projeto de preservação de sementes de uma das variedades de milho, cujo cultivo e uso em rituais os Krahó já haviam abandonado. Com o dinheiro do prêmio os Krahó também equiparam o Escritório com um microcomputador, telefone e antena parabólica.


A Wyty Cati tem o seu nome inspirado numa instituição Timbira: chama-se wyty o menino ou menina associado respectivamente às mulheres ou aos homens da uma aldeia, e em cuja casa eles podem entrar livremente, principalmente durante os rituais, e que geralmente serve de ponto final das corridas de toras; cati significa "grande". Em suma, a associação seria uma grande casa onde todos podem entrar. Ela tem sua sede junto à cidade de Carolina, no Maranhão. Conta com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), que colabora na formação de professores indígenas. A Wyty Cati também está relacionada, junto com algumas associações de produtores rurais do sul do Maranhão e norte do Tocantins, a um projeto que tem por objetivo explorar economicamente os recursos do cerrado, dando-lhe ao mesmo tempo proteção. Os participantes do projeto trabalham na coleta de frutos do cerrado (caju, juçara, bacuri, buriti, cajá, e futuramente araçá, murici, mangaba e bacaba), cuja polpa é extraída, congelada e embalada em Carolina, sendo distribuída sob a marca FrutaSã. O mesmo projeto promove a formação de viveiros de mudas das fruteiras nativas, destinadas ao adensamento do cerrado.

Na aldeia de Pedra Branca, uma ONG, denominada ESAMACITO, desenvolve, com ajuda da Embaixada da Alemanha, um projeto de construção de barragem de pequeno porte para criação de peixes da região, com o objetivo de aumentar a oferta de alimentos. Com ajuda da Embaixada Britânica, a mesma ONG promoveu a construção em Pedra Branca de uma escola, com o nome Caxêkwôi (assim se chamava a mulher-estrela que, segundo o mito, mostrou as plantas que os Krahó deveriam cultivar). A escola recebeu microscópio, telescópio, televisão, videocassete e uma videoteca. Estes aparelhos são alimentados por energia solar, captada através de célula fotoelétrica acoplada a uma bateria.

Em "De longe, toda Serra é azul - Histórias de um indigenista", disponível para leitura em formato doc, encontramos esse bonito relato sobre os Krahô:

No dia seguinte, bem cedo, antes que partíssemos, as mulheres da aldeia fizeram questão de cortar meus cabelos à moda Krahô e me pintar com urucum. Kakró, um ancião da aldeia, colocou um amuleto em meu pescoço e disse, com muita segurança, que nada de ruim iria me acontecer.

Os Krahôs, principalmente as mulheres e os velhos estavam muito assustados. A maioria deles era sobrevivente de massacres ocorridos na década de 40, naquela mesma região e temiam novos ataques. Enquanto cortavam meu cabelo e me pintavam, as famílias juntavam seus pertences às pressas. Disseram-me que, assim que partíssemos, iriam se esconder no mato.

E assim, devidamente paramentado e muito preocupado com o que poderia acontecer, fui para Itacajá acompanhado de quatro Krahôs, entre eles, Milton Krokrok, como havia sido combinado com o comandante.

Ao chegarmos a Itacajá, dirigimo-nos ao hotel localizado na rua principal da cidade, onde estava hospedado o destacamento. Ao estacionar o carro em frente ao hotel houve um rebuliço de soldados e armas. Desci do carro tranqüilamente, sem nenhum receio, acreditando firmemente no que o velho Krahô me dissera: “nada de ruim vai te acontecer!”.

Em seguida, aconteceu uma cena que jamais me sairá da memória: cerca de trezentos Krahôs, entre homens, mulheres e crianças, estavam sentados em plena rua principal, fechando-a totalmente, a uns cinqüenta metros do hotel. Ao notarem nossa chegada, levantaram-se e começaram a caminhar lentamente em nossa direção. Sem pressa, sem raiva, sem nenhuma agressividade, apenas com uma solidariedade sem limites nos gestos, nos olhares, no próprio caminhar. Era como uma mensagem: você não está sozinho!

Os soldados me encaminharam imediatamente para refeitório, nos fundos do pequeno hotel. Ali, sentado junto a uma mesa, estava o comandante do destacamento, um tenente, com quem travei o seguinte diálogo:

– Tenente, sou o Fernando, chefe de Posto da Funai. Estou me apresentando ao senhor, conforme foi acertado com o seu comandante, pelo rádio.

– ‘Tá certo. O senhor deve saber que a sua situação é muito complicada, não é? – respondeu o tenente.

– Tenente, sei apenas que há uma ordem da Funai para que eu abandone a terra indígena em vinte e quatro horas. Sei que ela tem poder para isso. O tempo ainda não se esgotou. Aqui não é área indígena. Portanto, já cumpri a ordem. Existe mais alguma coisa contra minha pessoa, uma ordem de prisão, por exemplo?

– Não, não existe. Mas você deverá abandonar a cidade imediatamente – respondeu.

– Se não existe ordem de prisão, tenente, o senhor não pode cercear o meu direito de ir e vir. Não posso sair da cidade imediatamente. Tenho família, que está na aldeia, tenho negócios a tratar aqui e preciso ficar um tempo.

– Você está complicando as coisas...

– Não estou complicando nada, tenente, é apenas um direito. Concordo em sair amanhã, depois de mandar buscar minha família e resolver alguns assuntos pendentes aqui na cidade. Aliás, concordo em fazer isso apenas para não provocar incidentes envolvendo os Krahôs.

Os líderes Os caciques Krahôs, que também haviam entrado no hotel e presenciado o diálogo, interferiram dizendo que eu não sairia sozinho. Eles próprios, os caciques, iriam me levar até Araguaína, pois queriam apurar quem provocara tudo aquilo. O tenente não teve outra saída senão concordar.

E é Fernando Schiavini homenageia o grande líder Krahô Pedro Penon no presente texto:

"Morreu no dia 07 de fevereiro, na Aldeia Pedra Branca, Terra Krahô, estado do Tocantins, o grande chefe PEDRO PENON. Melhor seria dizer "o grande sábio PEDRO PENON". Na verdade, ele foi as duas coisas: um grande chefe de seu povo até sua maturidade e um grande sábio em sua longa velhice. Penon morreu com aproximadamente 95 anos, como morrem os grandes sábios: apagando-se lentamente como a chama de uma vela, dando conselhos para seu povo até seu último momento de lucidez.

O que sei de sua vida foi contado por ele mesmo, em fragmentos de conversas, durante nossa convivência. Ele era ainda bastante jovem, quando foi praticamente convocado pelo seu povo para assumir a chefia da aldeia Pedra Branca, a maior da três aldeias Krahô existentes naquela época. Ele estava então iniciando seus estudos na cidade de Carolina-MA.. Já sabia ler e escrever razoavelmente e talvez por isso tenha sido chamado. O momento era de extrema gravidade. O povo Krahô acabara de sofrer um grande massacre, desfechado pelos criadores de gado, na região de Itacajá. O ano era 1940. O governo havia mandado tropas para prender os responsáveis pela chacina e falava em criar uma " Inspetoria do S.P.I." no território Krahô, que nem demarcado era. O povo estava amedrontado e sem rumo Muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo: soldados do exército, sertanistas, indigenistas, jornalistas, muitas propostas, o governo falando em demarcar um território fixo, que precisava ser delimitado. O momento exigia um líder capaz de entender minimamente toda aquela complicação, que soubesse conversar e negociar com aquela gente. Foi aí que, provavelmente por ser o único Krahô que se arriscara fora de seu povo para estudar, que convocaram o Penon e fizeram dele um " Parrití" (chefe de aldeia), apesar de, na época, ser muito jovem para para o cargo, segundo os padrões Krahô.

Penon se tornou então um grande chefe. Liderou a delimitação do território Krahô, com 320.000 hectares, que representa hoje talvez a maior área contínua de cerrados preservada de todo o Centro-Oeste Brasileiro. Ao perceber que estava demorando muito os trabalhos de demarcação, encetou uma longa viagem a pe´, de sua terra à cidade de Goiânia e daí, em várias conduções ao Rio de Janeiro, onde conseguiu falar com o Presidente Getúlio Vargas.

A terra Krahô só viria a ser demarcada definitivamente em 1951. Penon liderou então a retirada dos inúmeros posseiros que haviam ficado localizados no interior do território e cuidou sem cessar para que eles não retornassem. Além de um grande líder, Penon era também um diplomata. Intermediou durante anos a difíceis e complicadas relações, tanto com os agentes do governo que, de fato, havia instalado uma " Inspetoria " do SPI. na Terra Krahô, quanto com os regionais, apaziguando e acomodando uma situação ainda bastante conflituosa com o seu povo. Assim, angariou fama de homem sério, enérgico, honesto e cumpridor da palavra empenhada, tanto com os funcionários do governo como em toda a região do entorno da Terra Krahô.

Penon permaneceu como chefe da Pedra Branca até o ano de 1985, quando passou a responsabilidade para seu filho mais velho. No dia em que cumpriu esse ato, apoderou-se de um bastão, mais pela simbologia que por necessidade e passou a ser o " mekoré" ( velho, sábio) da aldeia.

Mesmo assumindo o papel de ancião, empreendeu talvez o seu maior feito guerreiro: liderou, no ano de 1987, uma comitiva de jovens Krahô à cidade de São Paulo, em busca da KYIRÉ - a machadinha de pedra semilunar, sagrada para os Krahô, que se encontrava no Museu Paulista. Para isso, permaneceu em São Paulo durante três meses ininterruptos. Todos os seus acompanhantes retornaram após alguns dias de permanência na capital, enviando outros guerreiros em seus lugares. Penon se investira de tal forma da figura guerreira em busca de seu tesouro cultural, que aparentemente nada sentia, as despeito de poucas vêzes ter saído de sua aldeia. Por isso ganhou um apelido de seus companheiros de aventura: " Ikran-ken" - cabeça de pedra. Levou de volta a machadinha e iniciou um longo processo de retransmitir aos jovens as histórias e os cantos a ela ligados.

Aos poucos foi ficando cego, por conta de uma catarata que lhe cobria uma das vistas. A outra já havia perdido há tempos, por causa de uma operação mal feita, realizada por estudantes universitários em Goiânia. Por isso negava-se terminantemente a se operar novamente. O processo de avanço da cegueira consolidou-se definitivamente há cerca de dez anos. Passou então a se locomover pouco, puxado pelo seu velho bastão. Com o tempo, seus membros se atrofiaram e ele não caminhava mais. Mas fazia questão absoluta de participar de todas as reuniões importantes da aldeia, nem que para isso tivessem que carregá-lo nas costas. Jamais se negava, a qualquer hora que fosse, de contar as histórias antigas de seu povo, para quem o procurasse.

Nos últimos anos foi também ficando surdo.. Nenhum tremor de mãos, nenhum gemido, imprecação ou reclamação, a não ser de que seu povo não o procurava mais como antes e ele queria continuar ajudando "com a garganta", como dizia.. Morreu quieto, sereno, como só os grandes sábios sabem morrer .

Tive o grande privilégio de ser amigo e discípulo de Penon por mais de vinte anos. Credito a ele grande parte da minha experiência acumulada e de posturas diante da vida. Considero-o mesmo um grande mestre e ele próprio me contou, há poucos anos, já cego e sem poder se locomover, que tinha constantes visões espirituais e que conversava com PAPAM - DEUS.

Penon vai virar pássaro, quati, tatu, árvore, estrêla ou qualquer outro ser, nas longas histórias orais de seu povo, em sucessivas gerações, queira Deus, através dos novos milênios."

Fonte: Funai. Leiam a tese de Jaime Garcia Siqueira Jr., "Wyty-Catë: Cultura e Política de um Movimento Pan-Timbira", em pdf, e no SCielo a Entrevista com Júlio Cezar Melatti intitulada "Dos Krahô aos Marubo: A Aventura Etnográfica".

O machado sagrado Krahô feito de pedra é único e fica guardado na Aldeia Pedra Branca. Esse objeto sagrado é usado apenas em rituais específicos que reúnem todas as aldeias Krahô. "O machado é de muito tempo, não sei há quantos milhares de dias que ele foi feito. Tem que ter sabedoria do que significa para poder mostrar para quem não conhece", afirma Kruakrai. Para os rituais de menor abrangência, os Krahô utilizam uma réplica do machado feito de madeira.
Em "O canto sagrado da união", por Daniella Borges , da Agência de Notícias Cavaleiro de Jorge

Nenhum comentário: